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Crítica | Blow-Up – Depois Daquele Beijo

por Luiz Santiago
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Desde que começou a utilizar cor, em O Deserto Vermelho (1964), Michelangelo Antonioni dirigiu apenas um filme antes de Blow-Up, o segmento Il Provino, no longa As Três Faces de uma Mulher (1965). Dali para frente começava a carreira internacional do diretor, que vinha inicialmente com um contrato de três filmes em inglês, começando com este Blow-Up – Depois Daquele Beijo (1966) e terminando com a dupla Zabriskie Point (1970) e Profissão: Repórter (1975), cabendo aí no meio um longo documentário de nome China (1972), filmado — e depois proibido, acusado de “imperialista e revisionista” — no país comunista asiático a pedido do então Ministro das Relações Exteriores daquela nação.

Depois Daquele Beijo é um caso curioso na filmografia do diretor italiano. Ao mesmo tempo que incorpora a incomunicabilidade de sua famosa trilogia terminada quatro anos antes, o longa tem uma ânsia de abraçar o mundo, de sair de uma zona de conforto existencial e explorar o mundo, conhecer, quebrar a rotina. Percebam que Thomas, o protagonista vivido com uma calmaria selvagem por David Hemmings, fala sobre sair de Londres “porque a cidade não faz bem para ele”; a garota do antiquário fala que precisa viajar, que quer conhecer o Nepal ou talvez o Marrocos; uma amiga de Thomas quer sair de seu relacionamento (casamento?) mas não tem forças para isso, porque não se trata de algo tóxico, embora faça mal a ela… cada personagem da obra, em um momento ou outro, procura fugir do lugar onde está. O roteiro explora a solidão e a desesperança no ambiente cotidiano de cada um, mas também dá sinais de abertura ao mostrar que o mundo dos anos 60 pode realmente fazer valer a sua fama de libertação através de sexo, drogas e… jazz, com um momento icônico de rock interpretado pelos The Yardbirds, a primeira banda conhecida de Jimmy Page (futuro Led Zeppelin) e Jeff Beck.

O roteiro assinado por Antonioni e Tonino Guerra é livremente baseado na vida de David Bailey, famoso fotógrafo da efervescência cultural do Swinging London e em um dos contos mais complexos de Julio Cortázar, As Babas do Diabo, publicado em 1959. Na superfície, a obra acompanha este fotógrafo de moda que o olhar perdido e ansioso de Hemmings encarna, presenciado algumas de suas sessões de fotografia, fazendo o público entender sua visão estética de construção de imagem (de certa forma, a representação do novo momento cinematográfico de Antonioni) e mostrando as imperfeições de sua personalidade e opiniões sobre a vida e as pessoas, ora em par com o tempo de escolhas livres de convenções, ora notadamente machista e talvez marcado por alguns preconceitos típicos de sua época, o que não é um retrato falso ou alheio aos anos 60, é apenas um fato a ser levado em consideração neste Universo das artes em que Thomas se insere. O público tem tempo o suficiente para entender as idiossincrasias desse jovem fotógrafo, inclusive as coisas que o move e excita (música, sexo e imagens), de modo que quando surge o mistério na fotografia do parque, entendemos a intenção do diretor e absorvemos o choque que este evento traz para a vida do protagonista.

Carlo Di Palma, que vinha de um ótimo trabalho de direção de fotografia em O Incrível Exército Brancaleone (1966), conseguiu terminar o filme com uma impressionante vitalidade no uso de cores e iluminação que lembram telas de isolamento de personagens, todos mergulhados em enquadramentos embebidos em verde, marrom ou branco, tudo isso sem ter suas ideias atrapalhadas pelas boas loucuras de Antonioni com a tonalidade do verde no chão e nas árvores (mesma exigência que lhe ocorreu em Deserto Vermelho); com a disposição dos elementos no meio-plano (plumas, espelhos, papeis, pilastras, grades) e com a movimentação da câmera pelo cenário, impactando no modo de enquadrar ou tirar do quadro alguns personagens, destacando-se aí as cenas no parque, as sessões de fotos de moda na casa/estúdio de Thomas e a cena de teor erotizante, um momento marcado por esplêndido uso da música de Herbie Hancock, que só teria páreo na também perfeitamente musicalizada sequência de Thomas parcialmente se despindo com Jane (Vanessa Redgrave).

No decorrer do filme temos algumas reações raivosas do personagem que parecem surgir e desaparecer do nada, assim como as observações mais ácidas dele, que não servem para muita coisa além de trazer um detalhe à parte qualquer coisa realmente importante para a narrativa. Até o meio do filme isso não parece tão grave, mas no encontro de Thomas com Jane no parque e depois no encontro dele com as garotas loiras no estúdio, esse tipo de reação volta a aparecer e a montagem de Frank Clarke parece não perceber a artificialidade dessas pequenas explosões. No geral elas perdem força, mas é inegável o destoar nos momentos em que surgem e, como era de se esperar, acabam diminuindo sensivelmente a qualidade da fita dentro de sua organicidade.

O final, todavia, volta ao dilema de representar, buscar e ver o indivíduo como parte de uma representação. A ampliação da fotografia por Thomas, sua busca infrutífera (com sugestões de ideia fixa ou alucinação) é uma das formas de mostrar os mistérios escondidos nos lugares mais improváveis, mistérios que não afetam nada à volta das pessoas. As tragédias e as angústias pessoais simplesmente se perdem no meio do grande parque de mímicos que é a humanidade. Vez ou outra alguém captura o problema, se preocupa com ele, mas o perigoso encadeamento das coisas faz tudo logo desaparecer, exatamente como começou. Blow-Up – Depois Daquele Beijo é um filme sobre a fugacidade das preocupações, dos momentos, sentimentos e também da vida. O que pode ser doloroso para alguém (ou uma sociedade inteira) que tanto valoriza a imagem.

Blow-Up – Depois Daquele Beijo (Blowup) — Reino Unido, Itália, EUA, 1966
Direção: Michelangelo Antonioni
Roteiro: Michelangelo Antonioni, Tonino Guerra (baseado em um conto de Julio Cortázar)
Elenco: Vanessa Redgrave, Sarah Miles, David Hemmings, John Castle, Jane Birkin, Gillian Hills, Peter Bowles, Veruschka von Lehndorff, Julian Chagrin, Claude Chagrin, Jeff Beck, Roy Beck, Susan Brodrick, Tsai Chin, Ronan O’Casey, Jimmy Page, Keith Relf, Janet Street-Porter, Reg Wilkins, Chris Dreja
Duração: 111 min.

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