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Crítica | Boa Noite e Boa Sorte

por Luiz Santiago
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estrelas 4,5

Depois do grande sucesso de seu primeiro filme, Confissões de Uma Mente Perigosa (2002), o ator, produtor e diretor George Clooney partiu para um projeto menos visual e mais cerebral do que o da sua brilhante estreia. Em Boa Noite e Boa Sorte (2005), a televisão ainda é o o motivo dramático principal, mas Clooney volta para os anos 1950, quando a pequena tela ainda era uma novidade e as transmissões jornalísticas um padrão informativo em fase de teste, já que não dava lucro algum para as redes de TV. Assim como no filme anterior, George Clooney opta por basear-se em uma história real e, dessa vez, é também o co-roteirista da película.

O filme conta a história de um grupo de jornalistas da rede CBS, em Nova York, que travaram uma luta contra o Senador Joseph McCarthy, o nome por trás da “caça às bruxas” comunista, que pretendia fazer uma varredura no país alegando haverem “vermelhos” infiltrados em todos os lugares. O pai do jornalismo televisivo, Edward R. Murrow, e o lendário produtor Fred Friendly encabeçam esse grupo e a televisão então conheceu a sua primeira cruzada política, contemplado aí o seu grande poder sobre a opinião pública.

Boa Noite e Boa Sorte foi gravado em cores e descolorido posteriormente, o que lhe rendeu um visual P&B muito suave, ressaltando a fotografia mais clássica de Robert Elswitt. A sequência de abertura do filme, embalada pela belíssima When i fall in love, é uma homenagem feita a Edward Murrow pela Fundação e Associação de Diretores de Notícias do Rádio e da Televisão, em outubro de 1958. Quando ganha a palavra para um discurso, Murrow praticamente profetiza o futuro da TV e é ao fim desse discurso que temos uma quebra temporal para o que será o corpo do filme:

 _ […] A nossa história é o resultado dos nossos atos. Se houver historiadores daqui a 50 ou 100 anos, e se houver material de uma semana de três emissoras de TV, haverá provas em preto e branco e em cores da decadência, alienação e falta de cobertura da realidade em que vivemos. Atualmente, nós estamos ricos, gordos, seguros e complacentes. Somos inclinados a evitar informações desagradáveis e perturbadoras. A nossa mídia de massa reflete essa atitude. Mas, exceto se esquecermos os lucros e reconhecermos que a televisão está sendo usada para distrair, enganar, entreter e nos isolar, então a TV e os que a patrocinam, assistem, e que nela trabalham, terão uma visão diferente, mas tarde demais.

Fade out. Flashback. Voltamos para outubro de 1953, aos Estúdios da CBS. Ouvimos Dianne Reeves cantar TV is the thing this year. A porta de um elevador se abre, e somos inseridos, com legendas informativas, no mundo paranoico dos anos 1950, nos Estados Unidos.

A câmera de Clooney é um instrumento que se equilibra entre o inquieto e o estável e esquadrinha cada milímetro possível do cenário claustrofóbico que é o Estúdio. Aliás, mesmo nas sequências “externas”, só teremos imagens de interiores, o que exalta ainda mais esse ar de prisão, de “quatro paredes”. É clara a absorção do estilo de Sidney Lumet, pelo novo ator-diretor, que ainda usará técnicas de Robert Altman, Mike Nichols e D. A. Pennebaker.

A composição do espaço, em Boa Noite e Boa Sorte é incrivelmente retalhada pelos cortes precisos de Stephen Mirrione, também editor de Confissões de uma mente perigosa. Aqui, o editor joga com a grande quantidade de material filmado por Clooney em diversos ângulos e sob inúmeros planos. É realmente notável como a fluidez do tempo se mixa ao espaço cênico e dá um ar dramático ainda maior conforme o tempo avança.

E não só a estrutura estética encanta o espectador, mas também o uso preciso dos diálogos – em roteiro de Clooney e Grant Heslov – e ainda o uso mais preciso do silêncio em momentos-ícones do filme.

A alienação e a mobilização política, as questões partidárias da Guerra Fria, o funcionamento da máquina midiática norte-americana, as posturas e responsabilidades pessoais frente as determinações do Estado, tudo isso faz parte do filme, que consegue dar conta daquilo que se propõe falar e vai além, tocando em pontos dolorosos da ideologia americana.

O filme recebeu 4 indicações ao Globo de Ouro, 6 indicações ao Oscar, 2 ao BFTA, uma ao Independent Spirit Awards e recebeu o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Veneza. Essa boa receptividade da crítica mostra o quanto um filme essencialmente simples mas muito bem dirigido consegue superar em qualidade as produções milionárias com elencos bilionários e trama explosiva e alienante.

Para finalizar, chamo a atenção para direção de atores de Clooney, que consegue tirar de toda a contenção dos anos 1950, o melhor de cada rosto que aparece na tela, com destaque para David Strathairn, que rouba cada cena em que aparece; e também ao uso pontualíssimo da trilha sonora, audível apenas em momentos de transição importantes ou de carga dramática insuperável. Boa noite e boa sorte não é apenas um filme sobre a TV e o macarthismo. É uma das poucas obras de arte críticas sobre a TV e a sua influência em todo o processo histórico do nosso século.

Boa Noite e Boa Sorte (Good night, and good luck, Estados Unidos, 2005)
Direção: George Clooney
Roteiro: George Clooney e Grant Heslov
Elenco: David Strathairn, Patricia Clarkson, George Clooney, Jeff Daniels, Robert Downey Jr., Frank Langella
Duração: 93min.

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