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Crítica | Boogie Nights: Prazer Sem Limites

por Rafael W. Oliveira
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Sexo: algo de bom de falar, e ainda mais prazeroso quando se torna um ato. Tanto que, nos dias de hoje, tanto o próprio sexo quanto alguns detalhes que envolvem sua consumação, como a sensualidade, a provocação e também a exibição sem pudores de tal ação encontram-se banalizados. Sobre este último ponto, sim, me refiro a indústria pornográfica que tanto nos cerca durante nosso dia-a-dia, especialmente na atualidade, quando o acesso a internet se tornou algo mais do que fácil. Insultante para alguns, a chave da excitação para outros e oportunidades de se obter um bom cachê para o restante, mas tal polêmica envolvendo o assunto não impediu que um ousado diretor chamado Paul Thomas Anderson utilizasse tal abordagem para seu segundo longa-metragem, mesmo após uma estreia não tão destacável com Jogada de Risco.

Ousado, aliás, ainda é pouco. Afinal, difícil para um realizador ainda nada autoral obter algum aval para a aprovação de um projeto como este idealizado. Mas assim como seu próprio filme em questão, Anderson se encheu de pretensão e foi atrás de maneiras para dar vida a sua ideia, e para tanto escalou um elenco de ouro, com nomes (na época) ainda em ascensão na Hollywood dos anos 90. E mesmo tendo todos os ingredientes para dar errado (acredito que muitos já apontavam o filme como vulgar mesmo antes de tê-lo visto, e um boca-a-boca como esse sempre acaba prejudicando), Anderson alcançou fama instantânea entre os críticos e o público, sendo inclusive apontado como uma das maiores (se não a maior) promessas do cinema independente americano. Isso por que Boogie Nights: Prazer Sem Limites, apesar de inserir seus personagens dentro do universo das estrelas pornográficas, vai além e se revela um estudo de personagens fascinantes, onde figuras aparentemente bem-sucedidas em suas vidas são desmitificadas e sem apresentam como pessoas trágicas, humanas, com seus próprios dilemas e conflitos que em nenhum momento se resumem apenas ao envolvimento com a exibição do sexo. Tudo é bem mais complexo do que aparenta à principio.

A trama é absurdamente simplista: Eddie (Mark Whalberg), é um garoto que trabalha num clube noturno, mas que foi abençoado com um falo digno de torna-lo uma lenda entre aquelas que já experimentaram, ao menos, olhar para seu instrumento. Eddie acaba sendo descoberto por Jack Horner (Burt Reynolds, indicado ao Oscar de ator coadjuvante), que o convida a ser a estrela de seus filmes pornográficos, e que para ele, tratam-se de obras de arte. Eddie aceita, adota o nome de Dirk Diggler e muda completamente o rumo de sua vida, envolvendo-se numa teia de tramas e subtramas tão assombrosas quanto impactantes.

Antes de firmar-se com uma análise poderosa das relações humanas dentro de determinado contexto, Boogie Nights se revela um exercício técnico estiloso e inovador, porém jamais gratuito. Tal fato pode ser contestado na abertura do longa, onde num dos melhores planos-sequências já concebidos pela sétima arte, Anderson exibe diversos detalhes de uma única vez: a aura luminosa e contagiante da década de 70, os personagens que serão acompanhados ao longo dos quase 160 minutos de projeção e uma leve mostra sobre como todos irão se interligar ao longo da narrativa. Apenas neste longo, porém fascinante trabalho de câmera, Anderson insere o espectador dentro deste universo desconhecido, inédito, porém inegavelmente fascinante e hipnótico.

Em seguida, o roteiro de autoria do próprio Anderson vai nos familiarizando com seus personagens, seus dramas pessoais e suas interações, tudo dentro de uma magistral construção da misé-en-scene. Ao contrário do que muitos podem ter dito (ou ainda dizem), Anderson não apela para a vulgaridade, mas tão pouco deixa de exibir certos detalhes corajosos o suficiente para causar alguma polêmica. Sua longa duração também se justifica: de ritmo levemente cadenciado, o diretor vai se concentrando em seus personagens de forma cuidadosa e bastante pessoal, nos revelando o intimo de pessoas tão comuns e vulneráveis quanto qualquer um de nós.

Dessa forma, tudo aquilo que envolve a indústria pornô acaba ficando em segundo plano, praticamente um pano de fundo, funcionando apenas como um elo para a interação entre os personagens e. Até certo ponto, somos informados sobre como ocorre o nascimento de uma produção pornográfica, mas após um tempo o longa muda de tom, dando espaço para algo mais denso e inesperado, enxertando temas envolvendo drogas, declínios pessoas e fracassos familiares. Alguns destes temas se tornariam recorrentes durante a filmografia de Anderson, e aqui surpreendem pela pericia com que são abordados, algo inédito para um diretor praticamente estreante.

Abordagem esta que também impressiona pela sutileza e inteligência com que é desenvolvida. Não é apenas o exercício técnico do diretor que auxilia a proximidade entre o público com aquele universo, mas mesmo na própria ambientação dos cenários, o filme nos revela um pouco da personalidade de cada personagem através de detalhes sutis na tela, um trabalho excepcional do diretor de arte, Ted Berner. E mesmo a trilha sonora, dançante e alegre no começo, toma ares mais tensos e sufocantes ao longo da narrativa.

Não que Boogie Nights não possua seus próprios excessos e desperdícios. Não que a duração seja motivo de reclamação, mas certas cenas poderiam ter ficado na sala de edição, sem deixarem nenhuma falta ao andamento da fita. E coincidentemente, alguns atores já promissores desde aquela época perdem a oportunidade de ganhar mais espaço, como Scotty J., interpretando pelo sempre competente Philip Seymour Hoffman.

O elenco, aliás, é um dos pontos-chave do filme, já que ajudam a conferir ainda mais realismo a obra, permitindo que enxerguemos os personagens, e não os atores. O sempre subestimado Mark Whalberg vive com competência o jovem Eddie Adams, traduzindo com eficiência a impressionante naturalidade com que se adequa aquele estilo de vida. Burt Reynolds está inesquecível como o ambicioso diretor Jack Horner, que acredita piamente na importância de suas realizações (um alter-ego do próprio Anderson?). É Julianne Moore, entretanto, quem brilha na tela com sua composição fragilizada e vulnerável de Amber Waves, a personagem mais bem construída do roteiro, com seus dramas sendo apresentados de maneira consistente e até mesmo tocante. Há ainda uma variedade de grandes nomes, tais como William H. Macy, John C. Reilly, Don Cheadle e Alfred Molina.

O feito alcançado por Boogie Nights surpreendeu críticos e até mesmo uma boa parcela do público, feito este que pode até ser comparado com o que Quentin Tarantino conseguiu ao idealizar Pulp Fiction – Tempo de Violência. Anderson cria um universo próprio, e ao mesmo tempo absurdamente real, intimista e verdadeiro, a ponto de não apenas surpreender, mas também chocar. E depois deste feito, sua carreira só fez decolar e mostrar que aqueles que o apontavam como a mais nova promessa de Hollywood estavam certos.

Boogie Nights: Prazer sem Limites (Boogie Nights – EUA, 1997)
Direção:
Paul Thomas Anderson
Roteiro: Paul Thomas Anderson
Elenco: Mark Wahlberg, Julianne Moore, Burt Reynolds, Rico Bueno, John C. Reilly, Don Cheadle, William H. Macy, Nina Hartley, Philip Seymour Hoffman
Duração: 155 min.

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