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Crítica | Bourbon Street Blues

por Luiz Santiago
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Em dezembro de 1970, Rainer Werner Fassbinder, aos 25 anos, teve o primeiro contato com os filmes da fase americana de Douglas Sirk. Esses melodramas influenciariam grandemente a carreira do jovem cineasta, especialmente a partir de As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant (1972), tanto no estilo narrativo, estético, formal quanto na concepção geral do enredo, algo a que o diretor chamava de “melodrama distanciado”.

Em fevereiro de 1971, Fassbinder já era um fã declarado do trabalho de Sirk e queria tanto conhecê-lo que arranjou a “desculpa” de um entrevista sobre cinema e viajou para a Suíça a fim de encontrar o seu cineasta-ídolo. A entrevista gerou uma amizade que duraria até a morte do mais jovem, em 1982.

Quando conheceu Fassbinder, Douglas Sirk já não dirigia filmes há muito tempo. O cineasta teve sua carreira iniciada na Alemanha em 1934 e lá permaneceu até 1937, quando fugiu por conta de problemas com o governo nazista. Nos dois anos seguintes trabalhou na Suíça e Países Baixos, mas foi nos Estados Unidos da década de 1940 que conseguiu exercitar o seu gênio criativo e se tornar o “mestre do melodrama”.

A estreia de Sirk na terra do Tio Sam se deu com o longa antinazista O Capanga de Hitler (1943) e seu último filme no país foi Imitação da Vida (1959), obra que marcou o seu retorno definitivo para a Europa. Em meados dos anos 70, Sirk esteve envolvido com grupos de teatro e cinema na Alemanha Ocidental, e esta fase artística trouxe o “retorno” dele à direção, com os 3 últimos filmes de sua carreira, todos curta-metragens que dirigiu em parceria com jovens diretores. O terceiro e último desses filmes foi Bourbon Street Blues que trazia… vejam só, Rainer Werner Fassbinder no elenco.

Baseado em uma peça de Tennessee Williams, Bourbon Street Blues é uma pequena fantasia urbana sobre o fracasso e a criatividade humana em inventar e se reinventar. Ou mentir para si mesmo.

O curta não traz a essência do melodrama comum a Sirk e a fotografia é bastante escura em comparação aos seus pomposos e claros Sublime Obsessão e Tudo o Que o Céu Permite, mas mesmo assim conseguimos captar a atmosfera densa, os diálogos precisos e cheios de simbolismo e uma mise-en-scène precisa, fazendo muito bem o jogo do teatro com o cinema ou do cinema como um imponente palco, todos estes elementos caros ao diretor.

A história é sobre uma mulher alcoólatra que está atrasada com o seu aluguel do mês. A dona do imóvel vai fazer a cobrança e a moradora disfarça, inventa coisas, reclama de uma infestação de baratas (em algum momento tive lembranças de A Quinta História). Há uma forte opressão no ar. O espaço é pequeno, então a sensação de claustrofobia é grande, algo que vai gerando algumas outras sensações no espectador. Fassbinder aparece na história depois de um primoroso diálogo entre as atrizes Annemarie Düringer e Doris Schade, acompanhando no mesmo alto nível o tom da trama.

A condescendência com o fraco, a entrega ao vício e à miséria são pontos fortes do curta. Os diretores quiseram fazer um retrato bastante estilizado (um melodrama distanciado?) do subúrbio rodeado de pequenas pérolas e o conseguiram com perfeição, das sombras da fotografia às atuações irreparáveis do trio de protagonistas; da direção cênica à excelente trilha sonora e desenho de produção. Bourbon Street Blues marca o fim da carreira de Douglas Sirk e é o fruto artístico de sua amizade deste com um outro mestre do cinema. Um filme imperdível pelos mais impressionantes motivos.

Bourbon Street Blues (Alemanha Ocidental, 1979)
Direção:
Hans Schönherr, Douglas Sirk, Tilman Taube
Roteiro: Georg Borgel, Hans Schmid, Hans Schönherr, Douglas Sirk (baseado na peça The Lady of the Larkspur Lotion, de Tennessee Williams).
Elenco: Michael Breining, Annemarie Düringer, Rainer Werner Fassbinder, Doris Schade
Duração: 25 min.

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