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Crítica | Confronto no Pavilhão 99

por Ritter Fan
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Anote e lembre-se do nome de S. Craig Zahler, que começou sua carreira como diretor de fotografia, depois roteirista do filme de horror Desespero, de 2011, até chegar triunfalmente à cadeira de diretor com o infelizmente pouco conhecido faroeste de horror Rastro de Maldade (Bone Tomahawk), estrelando Kurt Russell. Confronto no Pavilhão 99 pode ser apenas seu segundo longa, mas, com ele, o diretor americano já pavimenta sua promissora carreira com sua pegada autoral, visceral, violenta e chocante.

Zahler, que também escreveu o roteiro, faz algo ainda mais simples que em Rasto de Maldade: um homem, que recorre ao tráfico de drogas para reerguer sua vida, precisa enfrentar uma infernal prisão para impedir que a desgraça completa abata-se sobre sua família. Serei particularmente críptico em termos de história não porque haja reviravoltas ou surpresas, mas sim porque esse é um daqueles filmes que começam de um jeito e acabam de outro completamente diferente, em uma espiral de violência como poucas obras da memória recente e é bem melhor mergulhar em sua premissa sabendo o menos possível.

O primeiro grande acerto de Zahler é resgatar a estrutura de clássicos filmes setentistas de ação, no subgênero “prisão”, como Papillon, Alcatraz – Fuga Impossível e O Expresso da Meia-Noite, estripando-a de qualquer semblante de complexidade, adicionando, ato contínuo, uma pitada de exploitation movie da mesma época e mixando o resultado com os filmes de brucutu dos anos 80, como Comando para Matar ou Stallone Cobra. O que sai dessa genial mistura é um filme angustiantemente divertido, realista até certo ponto, de violência ímpar e com personalidade própria, como se Zahler atualizasse os conceitos das obras citadas para o que o espectador da segunda década dos anos 2000 espera ver fora do eixo explosões/cortes rápidos/imbecilidades em geral que tanto há por aí.

Mas o diretor e roteirista não consegue esse feito sozinho. A escolha de Vince Vaughn para viver o sofrido Bradley Thomas foi um ato de grande inspiração. O ator, que já havia conseguido desvencilhar-se de sua origem exclusivamente cômica com papeis como seu Frank Semyon, de True Detective, ou o Sargento Howell, de Até o Último Homem, alcança outro patamar aqui, convencendo-nos completamente como um anti-herói humano de ação na veia do que Bruce Willis conseguiu fazer em Duro de Matar, mas sem os exageros (espetaculares, lógico) do filme oitentista.

E Confronto no Pavilhão 99 é um exemplo próximo do perfeito de como se aproveitar das características físicas do ator de maneira orgânica dentro da estrutura visual e narrativa de um filme. Zahler posiciona suas câmeras de forma a sempre manter Vaughn em franco destaque nas sequências, mesmo quando ele não é o centro das atenções – momentos raros, confesso, mas que existem – e fazendo com que sua altura e corpulência sejam amplificadas ao máximo, por intermédio de closes e de filmagens que mantém o espectador abaixo da linha do olhar de Bradley (e não Brad!).

Além disso, a direção de arte espartana – e não falo aqui apenas das prisões, naturalmente assim – estabelece uma frieza impessoal a todos os ambientes em que vemos Bradley agir no primeiro terço do filme, em que ele ainda está fora, longe do confinamento. Mesmo nos ambientes caseiros, em que o protagonista interage com sua esposa Lauren (Jennifer Carpenter, a irmã de Dexter, também ótima em seu papel consideravelmente mais limitado), a lógica de posicionamento de props e outros elementos que estabelecem o cenário privilegia o gigantismo de Vaughn que, em uma peformance estoica, mas cheia de significados profundos, tem seu próprio código de conduta e de honra, o que o leva à queda e ao inferno.

Quando sua jornada ladeira abaixo finalmente começa, o espectador já viveu um bom pedaço da duração da obra de mais de duas horas ao lado de Bradley, em sequências atrás de sequências que parecem não ter significado maior do que apenas alongar o filme. No entanto, a partir do momento em que ele é encarcerado, a velocidade é vertiginosa e, ao mesmo tempo, tudo o que aprendemos sobre o personagem nos 40 minutos iniciais são devidamente explorados e trabalhados, funcionando como a lógica interna que o move, evitando quaisquer desperdícios de celuloide ou do tempo do espectador, em uma progressão lógica e fluida.

Novamente, a direção de arte faz o seu belo trabalho, assim como a fotografia de Benji Bakshi (que trabalhou com Zahler em Rastro de Maldade), retratando de forma bastante objetiva a transformação do personagem ao longo de seu inferno prisional, primeiro fazendo uso de cenários quase hospitalares de tão assépticos, com tonalidades azuis, passando para uma caricatura de prisão de segurança máxima, com direito a muros medievais de pedra, masmorras, instrumentos de tortura e, lógico, uma coloração avermelhada, extremamente sugestiva, de certa forma até expositiva, mas que, na estrutura simples da projeção, faz absolutamente todo sentido. E, claro, a entrada de Don Johnson na história, como o mais do que arquetípico “diretor malvado de prisão” é deliciosa, mesmo que o nervosismo simultaneamente se abata no espectador.

A imersão no filme é alcançada quase sempre ao longo de toda sua duração por Zahler, mas o diretor, ao procurar mostrar acontecimentos fora da prisão onde Bradley está, acaba cometendo leves pecados que quebram a narrativa principal em alguns importantes momentos. A escolha em efetivamente lidar com os problemas do protagonista por outro ponto de vista, especialmente o de sua esposa, incomoda primeiro por ser tecnicamente desnecessária – vídeos e telefonemas já resolveriam a necessidade narrativa – e, segundo, por deslocar o eixo da história para fora do ambiente confinado, momentaneamente retirando o espectador da tensão criada. Mesmo assim, Vaughn está tão intenso aqui que é fácil voltar a inserir-se na história e a ser capturado pela cada vez mais sem saída situação de Bradley.

Confronto no Pavilhão 99 é, sem dúvida alguma, uma imperdível volta aos anos 70, com saudáveis doses de anos 80 em uma roupagem simples, própria, moderna e extremamente eficaz, que coloca Vince Vaughn como uma estrela de ação em seu próprio direito. Filmes ditos violentos terão que se esforçar para ultrapassar a qualidade do que Zahler faz aqui. Já anotou aí o nome do diretor?

Brawl in Cell Block 99 (EUA, 2017)
Direção: S. Craig Zahler
Roteiro: S. Craig Zahler
Elenco: Vince Vaughn, Jennifer Carpenter, Tom Guiry, Don Johnson, Marc Blucas, Udo Kier, Mustafa Shakir, Geno Segers, Rob Morgan, Fred Melamed, Clark Johnson, Dan Amboyer
Duração: 132 min.

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