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Crítica | C.O.W.L.: Vol. 1 – Princípios do Poder

por Ritter Fan
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estrelas 3,5

C.O.W.L. é a sigla de Chicago Organized Workers League ou, em tradução livre, Liga dos Trabalhadores Organizados de Chicago. Cowl é, também, “capuz” em inglês, comumente utilizado para identificar as máscaras de super-heróis. Essa inventiva conexão entre sindicato e super-heróis é a criação de Kyle Higgins e Alec Siegel, baseado no seu curta-metragem The League, de 2008 cujos quadrinhos, lançados originalmente em 2014, são uma espécie de detalhamento.

cowl_vol_1_principios_do_poder_capa_plano_criticoOs ares de Alan Moore e sua obra máxima Watchmen estão presentes o tempo todo. Não, os super-heróis não foram proibidos de atuar e muitos deles têm sim poderes de verdade, mas a correlação com o trabalho de Moore é inevitável, pois Higgins e Siegel discutem, de forma muito realista, o papel destes seres no mundo. Por que e para quem eles lutam? O que os motiva? Quem os controla, se é que alguém controla?

Ainda que seja muito mais “natural” ler sobre super-heróis altruístas, que agem como agem somente pelo bem maior, sem esperar qualquer tipo de retribuição, imagem vocês se eles fossem trazidos para nosso mundo. Como equalizar uma vida dedicada à luta contra vilões dos mais variados com o dia-a-dia, com o ganha-pão de cada um desses heróis? Afinal, nem todo vigilante mascarado tem o dinheiro de um Bruce Wayne ou Tony Stark. Na verdade, se super-heróis existissem “normalmente”, a regra seria a de vigilantes duros, sem terem onde cair mortos e precisando equilibrar tudo com sua vida pessoal em frangalhos como Peter Parker ou Buddy Baker. Assim, seria também natural que houvesse um incentivo monetário aos heróis e é isso que Higgins e Siegel fazem em C.O.W.L., com heróis criados especificamente para a série agindo sob a bandeira de um sindicato para a cidade de Chicago.

E os autores nos apresentam a uma situação já consolidada, já de “segunda geração”, muito na linha do que Moore (novamente!) fez em Watchmen. A narrativa se passa em 192, com menções aos primeiros heróis nos anos 30, que depois agiram na 2ª Guerra Mundial e, em seguida, organizaram-se na tal “Liga” para poder exigir condições de trabalho que fossem além do altruísmo de cada um. São heróis pagos, com um quartel-general que é muito mais um local onde eles vão para “bater ponto” e receber seus envelopes de dinheiro e não uma Batcaverna ou Mansão dos Vingadores. E, se pararmos mesmo para pensar, esta não seria uma situação muito mais crível?

Sim, todo o “charme” e “significado” embutidos na própria expressão “super-herói” vai pelo ralo quando olhamos desta forma, mas ela faz sentido e, quando a história começa, a tal segunda geração de heróis está nas ruas, agindo sob a batuta de Geoffrey Warner, o veterano fundador da C.O.W.L. que uma vez agira sob a persona de Grey Raven (Corvo Cinza, em tradução livre) e, agora, fica apenas na administração do sindicato. Mas super-heróis precisam de super-vilões, não é mesmo? E o que Warner tem que lidar é justamente com a escassez de opositores mascarados, já que sua jurisdição fica restrita aos casos de seres superpoderosos e/ou que ajam com uniformes. Como, logo no começo da história, o último grande super-vilão é morto depois de ser perseguido por Blaze, herói da velha guarda (como Warner) com poderes oriundos de tecnologia, e Radia, heroína da segunda geração com poderes naturais, a existência do sindicato fica ameaçada na renegociação do contrato de prestação de serviços com a cidade de Chicago. Mundano e burocrático? Sim, mas mesmo assim fascinante em termos narrativos.

É que Higgins e Siegel aproveitam a premissa para estudar o papel dos diferentes super-heróis. Radia é vista e tratada como um símbolo sexual e ela odeia essa condição. Arclight tem problemas com promiscuidade e bebida. Grant Marlow, da divisão de patrulha do sindicato, não tem poderes por escolha própria, mas não sabe lidar com isso, sendo motivo de vergonha até mesmo para seu filho. Assim, vemos um recorte da sociedade moderna transposta para este mundo bem peculiar, mas assustadoramente próximo do nosso e tudo isso com uma trama misteriosa envolvendo Warner e sua luta para tornar a C.O.W.L. relevante novamente, custe o que custar.

A arte ficou ao encargo de Rod Reis, que trabalha com traços simples, mas com uma aquarela nas cores e arte-final que empresta ao mesmo tempo um tom surreal e onírico às páginas, às vezes lembrando esforços de Bill Sienkiewicz nesta linha. Com isso, a obra acaba ganhando um diferencial extra e um chamariz, que, porém, poderia ter sido mais bem explorado pelo desenhista se ele tivesse trabalhado algumas splash pages, já que sua arte é perfeita para elas. O seccionamento em às vezes minúsculos quadros em uma mesma página acaba nos impedindo de apreciar os detalhes de sua arte, o que é uma pena. Mesmo assim, ele sabe distribuir bem a ação e sua paleta de cores reflete muito bem o lado mais sombrio das vidas em tese glamourosas que Higgins e Siegel escrevem.

C.O.W.L. é uma variação sobre temas já abordados muitas vezes antes, mas é uma leitura instigante e indagadora, com personagens bem construídos, apesar de um tanto clichê em concepção. É uma história que vale ser descoberta mesmo que seu cinismo “mooriano” tenda a desconstruir a figura dos super-heróis como os idealizamos. Mas nada como um choque de realidade, não é mesmo?

C.O.W.L.: Vol. 1- Princípios do Poder (C.O.W.L.: Vol. 1 – Principles of Power, EUA – 2014)
Contendo: C.O.W.L. #1 a #5
Roteiro: Kyle Higgins, Alec Siegel
Arte: Rod Reis, Jen Aprahamian (#3), Stéphane Perger (#4)
Letras: Troy Peteri
Editora original: Image Comics
Datas originais de publicação: maio a setembro de 2014
Editora no Brasil: não publicado no Brasil quando da data da publicação da presente crítica
Páginas: 130

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