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Crítica | Cabeças Cortadas

por Luiz Santiago
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Cabeças Cortadas foi o segundo fruto do auto-exílio de Glauber Rocha. O diretor começava pela Europa um longo caminho que o levaria a Cuba e aos Estados Unidos num período em que muitos intelectuais brasileiros, em fuga da ditadura militar estabelecida no país em 1964, realizavam uma via crucis parecida. O grande sucesso de O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro ainda ecoava pelo meio cinematográfico e a boa recepção que de O Leão de Sete Cabeças, primeira obra internacional de Rocha, filmada na atual República Democrática do Congo e com dinheiro da RAI italiana em parceria com a França, era algo que o deixava entre os diretores latinos queridinhos dos cinéfilos e da crítica europeia.

Mas eis que Rocha resolveu fazer, logo em seguida, um filme sobre um déspota em delírio, um homem morando sozinho em um castelo e que acreditava estar falando ao telefone com pessoas importantes para seu governo ou vida pessoal, resolvendo problemas civis, dando ordens, conversando sobre questões particulares. Na dança de opressão dos indígenas, trabalhadores, negros e estuantes, temos momentos isolados do que teria sido (e possivelmente seria, caso fosse reempossado) o reinado de Diaz II em Eldorado, o mesmo país que trouxera a ótima saga política — mas não monárquica — de Terra em Transe.

Cabeças Cortadas é, portanto, o futuro político de Terra em Transe, e nesse contexto, temos diversas indicações de uma política nacional viciosa, citações bastante significativas em relação ao filme anterior e um claro enredo crítico no que se refere à colonização, escravidão e outros elementos político-sociais e culturais recorrentes nos países latinos ou do Terceiro Mundo. É como se a roda política fizesse um caminho para o passado, retrocedendo a um ponto onde o povo e o seu espaço geográfico retornaram a um estágio de atraso total, porém, ainda embalados por sua religiosidade cega, distrações milagreiras e postura apolítica — curiosamente, mesmo quando se dispõem a marchar ou gritar por alguma coisa. Isso porque a marcha e os gritos são comportamentos mecânicos, muitas vezes manipulados.

Considerando essa interpretação da obra, temos em Cabeças Cortadas muito mais riqueza e interessante contexto do que de fato o filme apresenta. Diferente do modelo ousado e criativo da montagem interna e externa utilizado pelo diretor em Terra em Transe; ou da organização do roteiro em uma sequência de fatos não necessariamente confortável ou completamente lógica a curto prazo; Cabeças Cortadas nos traz uma viagem incoerente em seu sentido fílmico bruto, ganhando organização e maior significado apenas através de um intenso exercício analítico. Isso quer dizer que o diretor se apoiou em completo símbolo ou enigma, depositando todas as suas fichas em um estado das coisas que só ganha corpo na interpretação do espectador, nesse ponto, mais aberta e sujeita a incorreções do que qualquer outro roteiro cujo trabalho com a coerência dos fatos se faz presente.

Francisco Rabal encarna com perfeição o déspota louco Diaz II, e se torna o grande destaque do filme. Todas as suas aparições na tela, da cena inicial, no castelo, aos longos momentos de delírio, são uma verdadeira revelação e mostram um ótimo exercício de direção de Glauber Rocha. É uma pena que o enredo do filme e sua condução geral caiam na mesma armadilha na qual o desafortunado político protagonista e as cabeças cortadas de seus súditos caem: um caos pouco atrativo de onde apenas alguns pontos se salvam.

Cabeças Cortadas (Cabezas Cortadas) – Brasil, Espanha, 1970
Direção: Glauber Rocha
Roteiro: Glauber Rocha, Augusto Martínez Torres, Ricardo Muñoz Suay (diálogos em espanhol).
Elenco: Francisco Rabal, Marta May, Pierre Clémenti, Rosa Maria Penna, Emma Cohen, Luis Ciges, Carlos Frigola, Victor Israel, Telesforo Sanchez, Carmen Sansa, Emer Cardona, Enric Majó
Duração: 94 min.

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