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Crítica | Califórnia

por Gisele Santos
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Ser adolescente é viver uma descoberta a cada dia. Descobre-se o amor, a paixão, seus gostos musicais, as amizades, os ídolos, a vida. É sobre descoberta, não somente nessa fase da vida, que se trata Califórnia, estreia de Marina Person no cinema de ficção (ela havia feito o documentário Person, que conta a vida de seu pai em 2007). A ex-VJ da MTV traz um retrato emocionante e delicado dos anos 80, da AIDS e das incertezas da juventude nesse filme que tem como grande trunfo uma trilha sonora eletrizante e nostálgica.

A história gira em torno de Estela (a ótima Clara Gallo) e seu sonho de conhecer a Califórnia, nos Estados Unidos. É que seu tio Carlos (Caio Blat) vive na cidade ensolarada e de lá traz todo o tipo de referências musicais e culturais para a vida da sobrinha que vê nele um ídolo. A vida da adolescente se resume as paqueras com um dos meninos mais populares da escola, a companhia das amigas inseparáveis e a descoberta de sua sexualidade. A menina troca a tradicional festa de 15 anos por uma viagem para conhecer o tio e viver uma grande aventura, que acaba frustrada quando ele retorna dos Estados Unidos de forma repentina, muito magro e debilitado, portador de uma doença que pouco se sabia na época.

Marina imprime em tela um pouca da sua história de vida. O amor pelo rock, e principalmente pelo The Cure (que tem papel importante na trama) fez parte da vida da recente cineasta. Tanto que ela pediu diretamente para o vocalista Robert Smith a liberação para usar a música “Killing na Arab” no longa. O problema é que Smith não autoriza o uso da canção há anos, principalmente depois que grupos usaram a música com propósitos xenofóbicos. A canção foi inspirada no livro O Estrangeiro de Albert Camus, onde um franco-argelino chamado Mersault mata um árabe e não sente nenhum remorso pelo ato.

O livro, que também aparece no filme, é dado para Estela por um colega novo na classe, o gótico JM (Caio Horowicz) que começa como o freak da turma e aos poucos vai ganhando a confiança e a amizade da garota.

A abertura de Califórnia mostra a ousadia dessa novata no cinema nacional com um plano-sequência de deixar muito diretor veterano com inveja. Ela ainda recria muito bem os anos 80 retratados na trama, mesmo com um orçamento muito apertado. Ela disse em entrevistas que a música foi uma das formas encontradas de deixar essa ambientação mais fiel, já que a grana era curta para figurinos mais elaborados e locações da época oitentista.

O que se vê na tela é um filme cheio de sensibilidade, o nascimento de uma promissora cineasta, que assim como a sua protagonista está buscando se encontrar no meio de tantas descobertas de vida. A doença do tio, o primeiro fora, a perda da virgindade, os questionamentos sobre o futuro: tudo isso é tratado de forma adulta por Marina, mesmo que estejamos falando do futuro de uma adolescente de apenas 17 anos. É tudo levado à sério, com a importância que isso tem na nossa vida com essa idade. Afinal, como o personagem de Caio Blat diz em determinado momento do filme: “Nossos problemas parecem maiores pois são nossos.”

A única crítica que tenho não é ao filme, pelo contrário, a ele só faço elogios. Ótima trilha sonora, fotografia competente, direção acertada e uma grata surpresa de ver nascer uma cineasta cheia de talento (de família, diga-se de passagem). Minha crítica é a nós, espectadores. Vi o filme em um sábado à tarde em um grande cinema de Porto Alegre. Além de mim e da minha companhia havia apenas mais quatro pessoas na sala. Sim, QUATRO! É chocante como os brasileiros não prestigiam o nosso cinema. Sei que você pode pensar que o brasileiro não vai ao cinema ver seus filmes, pois o nosso cinema é ruim. MENTIRA! Cada vez mais o Brasil vem trazendo grandes títulos, melhores do que muito filme americano por aí. Pode ser aquele velho complexo de vira-lata que volta e meia toma conta de nós. Mas quem perde é o cinema e você, espectador, que deixa de assistir a esse lindo e tocante retrato da juventude, um filme sensível e honesto, maduro, que merece ser visto e revisto. E viva o cinema nacional. Obrigada Marina!

Califórnia – Idem, 2015 – Brasil
Direção: Marina Person
Roteiro: Marina Person, Francisco Guarnieri, Mariana Veríssimo
Elenco: Clara Gallo, Caio Blat, Paulo Miklos, Virginia Cavendish, Giovanni Gallo, Letícia Fagnani, Caio Horowicz
Duração: 90 minutos

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