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Crítica | Capitão América: Origem e Primeiras Aventuras (1941)

por Luiz Santiago
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Criado na Era de Ouro dos Quadrinhos e em plena Segunda Guerra Mundial, o Capitão América e seu parceiro de lutas, Bucky, representam uma primeira grande leva de heróis e personagens que ajudaram a moldar a 9ª Arte e impulsionar a indústria dos quadrinhos nos Estados Unidos.

Desde a Grande Depressão (1929), os EUA assistiam a uma crescente onda de novos personagens sombrios e tramas menos cômicas e mais violentas e perturbadoras, como podemos ver na ordem em que apareceram importantes ícones daquela era, como O Sombra (1931), Mandrake, o Mágico (1934) e O Fantasma (1936). Já na Era de Ouro, que começou oficialmente em 1938, com a publicação da Action Comics #1, tivemos o Superman e a completa transformação que ele trouxe para as HQs, que nos anos seguintes, conheceria lendas que estão em alta até hoje, como Batman (1939), Flash (1940), Lanterna Verde (1940) e Capitão América (1941).

A criação do Capitão América se deu em plena Segunda Guerra  Mundial e o objetivo desse personagem era claro: estabelecer no cenário americano um herói que pudesse falar em nome dos soldados e do povo da Terra do Tio Sam; que louvasse a democracia americana; que espancasse nazistas e que fosse a voz de esperança para o imaginário popular. Todos os ingredientes necessários para o sucesso estavam lá e Joe Simon e Jack Kirby, os criadores do Bandeiroso, entenderam perfeitamente a necessidade do país naquele momento. Sob orientação de Martin Goodman, na época editor da Timely Comics (futura Marvel Comics), jogaram muito bem no campo do nacionalismo e do discurso da “América para os americanos” que estão no DNA sociopolítico daquela nação, obtendo fervorosa resposta do público.

A estrutura das revistas é de crônicas levemente integradas, formato que vai se dissipando após o número dois, assim como o teor mais voltado para a guerra e a luta contra os nazistas dá lugar a plots de espionagem e a elementos políticos e empresariais cada vez mais fortes, embora não inéditos, pois todos eles já se faziam ver em Capitão América #1. A primeira edição possui seis histórias diferentes, as duas primeiras (Meet Captain America e Case No. 2) parte de um mesmo evento e as outras quatro situadas dentro da mesma premissa, mas cada uma dando conta de uma ação diferente. Exceto pela crônica The Riddle of the Red Skull (falarei dela logo adiante), todas as histórias são escritas e desenhadas por Simon e Kirby.

The Riddle of the Red Skull traz Ed Herron (também conhecido como France Herron — o “Ed” vem de Edward, que era o nome do meio do artista) nos roteiros, em uma das melhores histórias de toda a edição de estreia do herói, senão a melhor. A criação do Caveira Vermelha é impactante e, apesar de ser bem diferente a forma como conhecemos o personagem a partir da Era de Prata, mostra a insanidade e maldade que lhe são tão características.

É importante que o leitor contextualize o tempo em que essas histórias foram escritas e relevem as bobagens e até ingenuidades do roteiro ao expor os vilões e resolver os casos; uma, porque a linguagem de quadrinhos desse porte ainda estava em processo [final?] de formação, e outra, porque era quase um imperativo que houvesse didatismo (o público-alvo continuava sendo os mais jovens) e, no mesmo pacote de ideias, demonização de inimigos e afirmação constante de que alguém era mau em toda aquela trama e esse alguém precisava ser detido.

Mesmo com essas características, as edições #1 e 2 são ótimas no todo, apresentando conflitos que refletiam a preocupação do americano médio nesse início de anos 1940: e se o inimigo está ao meu lado? E se ele for o meu vizinho? O vendedor do bairro? O amigo do clube?

O uso da paranoia social nos roteiros se estende da primeira edição até a revista de número cinco, com a diferença de que nessa última edição, os roteiristas haviam colocado de lado o imperativo “nazista-nazista-nazista” e passado a mostrar lutas do Capitão e Bucky contra inimigos um pouco mais ridículos, coisas mecanizadas e histórias em cenários afastados das metrópoles cheias de espiões. Isso acaba nos levando para um dos eventos mais engraçados dessas cinco primeiras edições, que é quando o Capitão e Bucky vão à Europa (até então eles só tinham agido nos EUA, o que é bastante curioso) e se disfarçam. Os diálogos são impagáveis. Vejam só que maravilha no quadro abaixo.

Vocês devem ter percebido que o Bucky da Era de Ouro era um garotinho, um adolescente. O personagem, cujo nome era James Buchanan “Bucky” Barnes, vivia no complexo militar porque fora adotado pelos soldados após a morte de seu pai e, desde cedo, estava ligado ao treinamento militar, sendo uma espécie de “mascote” da companhia. Imaginem só uma trama assim estabelecida nos dias de hoje! “Exploração infantil”, “pedofilia” e uma série de outras acusações “sérias” poderiam aparecer. Pois bem, Bucky não fugia à regra dos sidekicks mirins da época e, por incrível que pareça, ele tem uma participação bem interessante nessas 5 edições, mostrando um treinamento amplo, mas dentro das limitações da idade. Claro que ele não é um garoto “comum”, mas exerce o preparo físico que recebeu dentro das limitações de seu corpo, sem forçada de barra.

Capitão, é você?

Também temos aqui a primeira aparição da Agent X-13 ou Betty Ross, que futuramente seria conhecida como Golden Girl. Como era de se esperar, sua participação nas histórias não fogem ao estereótipo feminino dos anos 1940, embora haja alguns momentos em que isso é subvertido e ela de fato parte para ação contra os inimigos. Aliás, em todas essas 5 edições há um tsunami de estereótipos de todos os tipos e para todas as pessoas, especialmente para os inimigos. Como disse no início do texto, é importante para o leitor contextualizar a sociedade americana dos anos 40 para não julgar de maneira anacrônica os roteiros e cobrar deles algo que não se propunham e não tinham, por tempo histórico, como dar.

À medida que as crônicas passam, os vilões e as ações do Capitão e Bucky se tornam mais épicas. A luta pela liberdade, pela democracia e defesa dos valores da nação ainda são o principal objetivo da dupla, mas o teor dos roteiros é completamente outro. Há mais explosões, mais construções militares e artefatos grandiosos junto a excelentes introduções de elementos científicos, tanto no texto quanto na arte. Até as duas crônicas escritas por Stan Lee apontam para esse lado e são representadas com muita competência por Joe Simon e Jack Kirby, que dão uma verdadeira aula de movimento e criatividade de diagramação dos quadros, algo em que muitos quadrinhos hoje deixam a desejar.

Os artistas se utilizam bem do trânsito de personagens e de objetos pelo cenário para compor um visual mais interessante ao longo das páginas. Isso faz bastante sentido na quantidade de lutas que temos nas edições e é algo muito, muito interessante de se ver.

Bucky descobre quem é o Capitão América.

Essas primeiras 5 edições da revista Capitão América são o retrato de um tempo, uma amostra de como uma criação artística pode servir para divertir e de certo modo levantar o moral de uma nação em guerra. As edições trazem todas as marcas dos anos 40, tanto na composição artística quanto no tipo de histórias e tratamento dado aos personagens ao longo das páginas. Não é exatamente uma leitura deliciosa, mas certamente traz um prazer histórico que só quem leu sabe como é.

Capitão América Vol. 1 – #1 a 5 (Captain America Comics Vol. 1) — EUA, março a agosto de 1941
Publicação: Timely Comics
Roteiro: Joe Simon, Jack Kirby, Ed Herron, Stan Lee
Arte: Joe Simon, Jack Kirby
Arte-final: Joe Simon, Jack Kirby, Reed Crandall, Al Avison, Al Gabriele, Bernie Klein, George Roussos,
Capas: Joe Simon, Jack Kirby, Alex Schomburg, Syd Shores
60 páginas (cada edição)

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