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Crítica | Celebridades

por Leonardo Campos
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Na Antiguidade as pessoas cultuavam divindades. Na Idade Média, era a “hora e a vez” dos reis e membros da Igreja Católica. Na contemporaneidade, as possibilidades de adoração são variadas: atores, jogadores, cantoras, dubladoras, algum integrante de reality show ou pessoas que assumem as suas intimidades em programas sensacionalistas. É a cultura das celebridades, lado questionável do painel comportamental da humanidade que constantemente promove discussões através de trabalhos acadêmicos, matérias jornalísticas, o velho bate-papo do senso comum ou são material para a realização de produções artísticas.

Celebridades, de Woody Allen, lançado em 1998, é uma delas. Sem dificuldades para transitar entre a comédia e o drama, o diretor imprime um discurso sagaz e denso no desenrolar da trama, afinal, como sabemos, o experiente realizador também assina os roteiros dos seus filmes, o que lhe permite ampla liberdade artística. Ao debochar sobre as afetividades destas pobres criaturas que acreditam ser o centro nervoso do universo, Celebridades torna-se um filme que vai além do entretenimento, pois suscita debates elásticos sobre a cultura da mídia e o triunfo do espetáculo, marcas dos nossos tempos.

Na trama um repórter começa a ser companhia de algumas celebridades bastante excêntricas. A vida de concessões e luxúria proposta por este meio o faz ficar bastante entusiasmado, o que não lhe permite observar as quatro pessoas conflituosas que gravitam em torno do seu novo cotidiano: uma sensual e perigosa atriz em ascensão, um astro do rock descontrolado, uma modelo sexy e uma aspirante a atriz em plena escalada para a fama (seja lá o que for necessário se fazer para conquistá-la).

Carregado pelo “estilo Woody Allen de ser”, o filme nos permite refletir sobre as incertezas e infortúnios dos seres humanos no pantanoso terreno da contemporaneidade. Ligeiramente distante do molde crítico-acadêmico de Descontruindo Harry, Celebridades aposta no sarcasmo para traçar um estudo social do mundo da fama e do sucesso. Segundo as reflexões cinematográficas da época, o filme pode ser pensado como “A Doce Vida” numa versão mais pop. Salva as devidas proporções, a afirmação tem o seu lugar.

Entre os pontos positivos da produção temos a performance de Kenneth Branagh. Como apontou a crítica na época, o ator encontra-se despido da “aura” shakespeariana dos filmes que realizou ao longo dos anos 1990, no geral, adaptações da obra do bardo inglês. Em Celebridades o ator aposta nas possibilidades do simulacro e torna-se o alter-ego de Woody Allen: descuidado, passa bastante tempo se metendo em confusões e buscado um roteiro que seja filmado.

A fotografia de Sven Nykvist é outro tópico positivo, pois nos faz lembrar visualmente o primoroso Manhattan e os interessantes Broadway Danny Rose e Neblinas e Sombras. A trilha sonora, caprichada, assim como o design de produção. Voltando ao quesito performance, Leonardo DiCaprio está interessante, mas não tão seguro e multifacetado como os dias atuais. Semelhante a um personagem de um bom roteiro, o ator evoluiu ao longo dos anos. Na época, apesar de talentoso, ainda exalava o charme do exótico Titanic, sendo considerado pela crítica como pouco interessante e mais um produto da indústria hollywoodiana.

No que tange aos aspectos pouco interessantes, destaco o moralismo do cineasta em privar o público de contemplar uma cena de orgia. Realizada debaixo dos lençóis, o trecho demonstra total falta de coerência, o que por sua vez, aponta para falhas de coesão narrativa, haja vista que não dialoga com a excentricidade e ousadia do tema que se debate. Uma cena potente que poderia ser emblemática, mas surgiu como excesso não ajustado na sala de montagem.

A produção é uma alta dose de pop para os ditos intelectualizados demais, entretanto, é bastante intelectualizado para o espectador domado pela cultura do blockbustter. Em suma é um Woody Allen do “entre-lugar”. Aposto em um meio termo para o filme. É dinâmico o suficiente para o grande público, assim como funciona como excelente material para se discutir um dos tópicos mais polêmicos da contemporaneidade: a cultura vazia das celebridades. Por sinal, o filme completa vinte anos em 2018, ou seja, duas décadas depois, o assunto continua no mesmo patamar, sem avanços.

Poucos realizadores no campo da produção cinematográfica podem se gabar de ter uma carreira como a do cineasta Woody Allen, pois é preciso muito fôlego e talento para atravessar tantas gerações sem se tornar antiquado e cacofônico. Mesmo que haja alguns momentos irregulares ao longo da sua produção, o diretor coleciona pérolas que são marcos da história do cinema, por motivos dos mais diversos: roteiros elegantes, personagens marcantes, tópicos temáticos densos, etc. Celebridades não é uma dessas pérolas, mas está na lista das boas realizações.

O filme chegou com atraso no Brasil, algo que acontecia com recorrência no final dos anos 1990 e no comecinho dos anos 2000. Não foi um sucesso de bilheteria, mas conquistou parcialmente a crítica. Tratando-se de Woody Allen, sabemos que o foco não é a bilheteria, tampouco tornar-se o um dos escalados da lista de mais vistos da história do cinema. Preocupado com o apuro narrativo dos seus filmes, o cineasta continua vigoroso 18 anos depois. Um caso raro na indústria do cinema. Uma das singularidades da história da arte.

Celebridades (Celebrity) – EUA, 1998.
Direção:  Woody Allen.
Roteiro: Woody Allen.
Elenco: Leonardo Di Caprio, Charlize Theron, Kenneth Branagh, Judy Davis, Douglas McGrath, Melaine Griffith, Winona Ryder, Peter McRobbie, Dylan Baker, Debra Messing, Joe Mantegna, Famken Janssen.
Duração: 113 min.

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