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Crítica | Central do Brasil

por Rafael W. Oliveira
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Central do Brasil está entre as produções brasileiras com obtiveram maior repercussão pelo mundo afora. Dirigido pelo especialista em road movies Walter Salles (de Abril Despedaçado, Diários de Motocicleta e Na Estrada), o feito do filme pode ser igualado ao mesmo de Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, ou de Tropa de Elite, de José Padilha. Fernanda Montenegro, que encarna Dora, a protagonista da história, fez história ao tornar-se a primeira (e única) atriz brasileira a receber uma indicação ao Oscar, concorrendo naquele ano com atrizes de peso como Emily Watson, Meryl Streep, Cate Blanchett e Gwyneth Paltrow, que acabou ficando com o prêmio. O próprio filme também concorreu a estatueta de melhor produção estrangeira, mas acabou perdendo para o italiano A Vida é Bela.

De qualquer forma, a força de Central do Brasil fala mais alto que seu legado, especialmente ao retratar com tamanha fidelidade uma realidade que rodeia o povo brasileiro todos os dias. E é curioso que nosso país, ainda hoje enfrentando diversos problemas envolvendo pobreza, infraestrutura e analfabetismo, tenha uma imagem tão contrária no exterior, a de que somos um povo que vive em festejos e alegria. Sim, somos, mas por trás de tudo isto ainda existe um quadro depressivo e desolador no que se refere aos menos afortunados.

Dora (Fernanda Montenegro) é uma senhora de idade que trabalha escrevendo cartas para analfabetos na Central do Brasil. Um dia ela conhece Ana (Soia Lira) e seu filho Josué (Vinícius de Oliveira), e após um acidente fatídico que acaba tirando a vida de Ana, Dora acaba ficando com o garoto, mesmo a contragosto. Como o garoto não possui nenhum parente na cidade, Dora decide leva-lo para o interior, onde vive o pai do garoto, o qual este nunca teve a oportunidade de conhecer. Durante uma viagem pelo interior do Nordeste, ambos acabam se aproximando e formando um forte laço de amizade.

Como qualquer outro filme de Walter Salles, Central do Brasil é um filme de paisagens áridas e hipnotizantes, capturadas de tal forma pela câmera do diretor que o clima de solidão parece exalar para além da tela. Méritos para a fotografia de Walter Carvalho, que cria contrastes belíssimos entre as paisagens, trazendo um ar quase caseiro ao filme, mas que auxilia na convicção dos espaços onde a trama se situa.

O roteiro de Marcos Berstein e João Emanuel Carneiro evita estereótipos e mostra o povo brasileiro como ele é, ou apenas como qualquer ser humano é: cada um com seus próprios limites morais, seus dramas, suas angústias e seus desejos. A narrativa é bastante centrada na relação entre Dora e Josué, e em como estas duas figuras ainda desconhecidas uma para outra começam a se aproximar de forma inesperada. Curioso é perceber como Dora encaminha Josué por limites morais que ela mesma não segue em sua vida, devido a própria semelhança de sua história de vida com a história do garoto, como num esforço de oferecer para alguém semelhante as oportunidades e ensinamentos que a própria não recebeu. É uma relação complexa, mas tratada com bastante simplicidade pelo roteiro, o que é um dos pontos altos da fita. Cada momentos em que sentimos uma maior aproximação entre Dora e Josué gera uma emoção genuína.

E o elenco não faz por menos. Revisitar Central do Brasil nos dias de hoje é atestar, mais uma vez, de que Fernanda Montenegro é, de longe, a melhor atriz que o nosso cinema já teve. Sua atuação como a sofrida Dora é impecável, rica em sutilezas e detalhes, onde a atriz consegue dizer muito através de seus olhares e expressões tristes, duras, típicas de alguém que já apanhou bastante da vida. A emoção parece perscrutar não apenas o rosto da atriz, mas também os próprios sentimentos do espectador. E qual não foi a injustiça quando a atriz acabou não levando a estatueta naquele ano?

Vinícius de Oliveira, que interpreta José, também se sai surpreendentemente convincente para um ator mirim ainda em início de carreira, distanciando-se de qualquer artificialismo que pudesse torna-lo numa presença irritante. E reza a lenda que Salles encontrou Vinícius numa estação enquanto trabalhava engraxando sapatos, o que apenas acentua o fascínio pela própria história do filme.

Ao final, temos o desfecho iminente que se anunciava durante a jornada dos personagens. Fica a dor, a saudade, mas também a certeza que aquelas duas figuras ensinaram mais uma a outra do que qualquer outra pessoa poderia ter feito em suas vidas. Ambos retornariam para suas vidas, mas ela jamais seria a mesma. E pra finalizar, reescrevo aqui as tocantes palavras de despedida de Dora: “O dia que você quiser se lembrar de mim, dá uma olhada no retratinho que a gente tirou junto. Eu digo isso por que tenho medo de que um dia você também me esqueça. Tenho saudade do meu pai. Tenho saudade de tudo.”

Central do Brasil (Brasil, 1998)
Direção: Walter Salles
Roteiro: Walter Salles, Marcos Bernstein, João Emanuel Carneiro
Elenco: Fernanda Montenegro, Marília Pêra, Vinícius de Oliveira, Soia Lira, Othon Bastos, Otávio Augusto, Stela Freitas, Matheus Nachtergaele, Caio Junqueira
Duração: 113 min.

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