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Crítica | Certas Mulheres

por Guilherme Coral
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estrelas 4

Não estando na pele de uma mulher, muitas vezes nós, homens, esquecemos ou até deixamos passar comportamentos que diminuem a figura feminina, algo que, infelizmente, ainda é uma constante em nosso dia-a-dia, por mais que o cenário tenha se alterado muito nos últimos cem anos. O longa-metragem Certas Mulheres, de Kelly Reichardt, responsável por filmes como Movimentos Noturnos e O Atalho coloca essa questão em evidência, através da vida de quatro mulheres que são forçadas a passar por esse tipo de situação constantemente. Nomeado a melhor filme em diversos festivais, como o de Londres e Sydney, temos aqui uma obra que procura nos lembrar o quanto ainda temos de caminhar para chegar à igualdade.

A trama é dividida em três diferentes contos, todos passados na cidade de Livingston, Montana. Iniciamos a projeção acompanhando Laura Wells (Laura Dern), uma advogada que representa um operário vítima de um acidente em seu trabalho. O cliente, Fuller (Jared Harris), porém, não parece escutá-la, independente do que ela diz e apenas aceita sua derrota quando escuta as exatas mesmas palavras que ela dizia o tempo todo após um advogado, homem, as dizer. Aqui a distinção entre o masculino e o feminino no mercado de trabalho é colocada em cheque, não focando na questão monetária e sim na credibilidade que um sexo tem e o outro não, na visão de algumas pessoas. O talento, conhecimento e experiência de nada valem aqui – simplesmente por ser mulher, Laura não é escutada.

A frustração da personagem é evidente e Dern nos traz uma atuação bastante contida, que revela através de seu olhar o que sente. Existe um certo didatismo para que o espectador perceba o que aconteceu, mas, infelizmente, ele é necessário para a maioria das audiências – o objetivo, afinal, é explicitar a ocorrência de tais situações. Harris, por sua vez, nos entrega um retrato da instabilidade, um homem claramente abalado que parece simplesmente levar em conta sua própria percepção do mundo, ele se vitimiza e coloca a culpa em todos os outros, criando uma tensão no espectador por não sabermos o que ele irá fazer a seguir.

Passado o clímax desse primeiro arco, pulamos para Gina Lewis (Michelle Williams), que, junto de seu marido, Ryan (James Le Gros), procura construir uma casa na região. Para isso, contudo, eles gostariam de obter algumas pedras da época da independência como um marco simbólico de sua morada. A fim de obtê-las, eles vão até a casa de um senhor que mora na região – o seu comportamento, todavia, é um tanto estranho. Para começar ele ignora solenemente qualquer coisa que Gina fala, como se ela simplesmente não existisse, como se fosse um animal de estimação de seu marido. Reichardt, assim, nos mostra como esse comportamento retrógrado está enraizado em nossa sociedade e jamais será largado por algumas pessoas, especialmente as mais velhas, que presenciaram toda a mudança ao longo dos anos.

O interessante é que Williams não exatamente capta a simpatia do espectador, ela vive alguém de personalidade difícil, de pavio-curto, se irritando com qualquer coisa. Seu marido, por outro lado, é o retrato da passividade e não defende sua esposa quando ela está sendo deixada de lado, criando uma angústia na audiência a cada frase da mulher que parece ter sido destinada a alguém surdo ou simplesmente desinteressado em tudo que ela tem a dizer. Nossa vontade é praticamente a de gritar, para que o velho a escute.

Por fim, temos o terceiro conto focado, desta vez, em duas mulheres. Jamie (Lily Gladstone) trabalha em um rancho no qual vive com seus irmãos. Um dia ela acaba entrando em uma aula de direito e acaba conhecendo a professora novata, Beth Travis (Kristen Stewart), por quem começa a nutrir sentimentos, passando a assistir suas aulas todos os dias. A diretora/ roteirista aqui nos traz uma história que se diferencia das duas anteriores. O elemento estranho é colocado em segundo plano, sendo trabalhado em paralelo com o maior destaque dessa linha narrativa. Jamie é uma figura solitária, sem amigos e com uma família que não parece ajuda-la – não sabemos se é por mero comodismo deles, se ela é simplesmente antissocial ou se é em virtude dela ser, aparentemente, homossexual. De qualquer forma, não podemos deixar de estranhar sua solidão.

Em Beth, ela encontra alguém para se relacionar, uma esperança nesse cenário desolado que é a sua vida, cuja única companhia, até então, eram os animais da fazenda. Nos olhos de Gladstone enxergamos a paixão que sua personagem sente pela de Stewart e não há como não torcer para que ela consiga o que quer. A trama se estabelece de forma bastante verossímil, porém, e o preconceito em relação à homossexualidade é colocada discretamente no texto. Travis, por sua vez, retoma o conceito da mulher no mercado de trabalho, sendo praticamente forçada a trabalhar em um local tão distante apenas para que seus “colegas” de profissão se divirtam às suas custas.

Certas Mulheres acaba sofrendo um pequeno deslize, infelizmente, em seu desfecho, nos oferecendo mais um breve olhar sobre os diferentes contos que acabamos de assistir. Trata-se de um epílogo forçado e desnecessário, que apenas prejudica o ritmo da obra, proporcionando uma ruptura em nossa imersão.

Esse fator, contudo, não atrapalha muito nossa positiva percepção desse filme, que lida de forma bastante real com a mulher nos dias atuais. Com três diferentes arcos, com temáticas complementares entre si, somos oferecidos engajantes retratos de nosso dia-a-dia. Um filme que, definitivamente, pede para ser assistido por todos e que certamente desperta uma profunda reflexão no espectador.

Certas Mulheres (Certain Women) – EUA, 2016
Direção:
 Kelly Reichardt
Roteiro: Kelly Reichardt
Elenco: Michelle Williams, Kristen Stewart, Laura Dern, Jared Harris, James Le Gros, Lily Gladstone
Duração: 107 min.

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