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Crítica | Cinco Graças

por Luiz Santiago
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estrelas 3

Cinco Graças (Mustang, no original) é o primeiro longa-metragem da diretora Deniz Gamze Ergüven, uma produção majoritariamente franco-turca (completada pela participação do Catar e da Alemanha no orçamento) e que foi escolhida para representar a França na temporada de premiações 2015-2016, sendo inclusive indicada ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

A película conta a história de cinco irmãs que, ao serem vistas brincando com alguns garotos de sua escola, causam um grande mal estar nas pessoas da vila onde vivem, no interior da Turquia. A partir deste momento, a avó e o tio passam a cercá-las de uma vigilância cada vez mais insana e transformam a casa em uma verdadeira fortaleza para impedir que as irmãs fugissem.

Inúmeras discussões sociológicas e culturais podem surgir a partir do roteiro já nos primeiros 20 minutos de projeção e a mais interessante delas é o tratamento dado ao desabrochar da libido das cinco meninas, que encontra na repressão um empecilho de exercício mas não de existência. Não poder sair de casa, não poder ir à escola e não ter acesso ao mundo exterior através de telefone, revistas e internet só acumula nas garotas a vontade de conhecer o mundo, estar com pessoas de sua idade, viver. Nesse processo, o patriarcalismo da sociedade e as tradições que sob o nosso ponto de vista são retrógradas aparecem como motivos de terror das ‘cinco graças’, que depois de terem sua tenra juventude subitamente roubada, enfrentam um urgente processo de casamentos arranjados. Mesmo antes de se entenderem como mulheres e de fato serem mulheres, as meninas são entregues como esposas de alguém.

A diretora mostra com bastante sensibilidade a linha tênue que liga adolescência e juventude e expõe o mundo das garotas como um lugar para ser descoberto constantemente, como é comum para meninos e meninas desta idade. A atração, primeiro grande sinal da sexualidade, surge de maneira bela e lírica na tela, apesar da crueza da direção. O único elo técnico que se mantém simples mais esteticamente aplaudível em todo o tempo é a fotografia. Enquanto a direção se perde na alternância desavisada de movimentação e disposição da câmera nas cenas internas e a montagem não tem equilíbrio de ritmo na reta final, a fotografia assume caraterizações dramáticas perfeitamente sintonizadas com cada cenário, não floreando os quadros ou deixando pontas visuais soltas.

Talvez o fato de estarmos diante de um primeiro filme e da direção fazer valer boa parte de suas escolhas, o espectador possa compreender e aceitar melhor este lado da obra mesmo com os tropeços, todavia, o mesmo não se pode dizer do roteiro, que nos coloca em uma extensa trilha de desencontros narrativos e más escolhas.

Por um lado, o texto é muito interessante pelos temas que nos traz e pelo modo como problematiza esses temas. Por outro, ele se boicota em pontos simples, a começar da verdadeira premissa que é a tomada de decisão para o “aprisionamento” e casamento das garotas. Perceba que é deixada de lado toda a discussão do por quê aquela liberdade inteira antes se o ambiente não era propício e se avó e tio tinham posturas tão tradicionais. Essa mudança brusca e extrema de comportamento — da liberdade total para o aprisionamento total — não ogânica e a partir dela podemos tirar outros pequenos incômodos como a colocação do tio no enredo; as indicações de abuso que ele cometia; a falta de profundidade no desenvolvimento das irmãs como indivíduos — elas são desenvolvidas apenas como grupo –; e por fim, a escolha do roteiro e da direção em deixar o filme aberto dentro da pior perspectiva possível: um caminho de “escolha sugerida”.

Educar é certamente uma tarefa complicada e ganha maiores camadas de complicação quando os filhos chegam à idade de descobertas, escolhas e modelação de sua personalidade. Cinco Graças se coloca nesse universo e traz, junto a isso, outros questionamentos válidos e necessários, pertencentes e não pertencentes ao núcleo familiar. O filme possui problemas no roteiro, direção e montagem, mas sua sessão é válida e, para muitos casos — daqueles pais que fazem do lar uma prisão onde o “não” é a única palavra possível — trata-se de uma sessão extremamente necessária.

Cinco Graças (Mustang) — Turquia, França, Catar, Alemanha, 2015
Direção: Deniz Gamze Ergüven
Roteiro: Deniz Gamze Ergüven, Alice Winocour
Elenco: Günes Sensoy, Doga Zeynep Doguslu, Tugba Sunguroglu, Elit Iscan, Ilayda Akdogan, Nihal G. Koldas, Ayberk Pekcan, Bahar Kerimoglu, Burak Yigit, Erol Afsin
Duração: 97 min.

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