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Crítica | Clamor do Sexo

por Luiz Santiago
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estrelas 4,5

Um filme com mamilos à mostra“. Este é o primeiro pensamento que um espectador mais ‘ousado’ teria ao ouvir o título brasileiro de Splendor in the Grass, este grande filme de Elia Kazan. Com efeito, Clamor do Sexo, apesar de uma elegância bruta, é um título que dá a impressão de que a fita é pura sacanagem. E isso até parece um padrão para alguns filmes de Kazan que acabaram dando a impressão completamente errada através de seu título tupiniquim, como no caso de O Que a Carne Herda (1949) e Boneca de Carne (1956).

Clamor do Sexo, portanto, não poderia ser um título mais errôneo e inapropriado. O tema central do roteiro, escrito por William Inge, traz sim um forte apelo sexual mas problematizado em questões freudianas, morais, históricas e sociais; todavia, o verdadeiro tema do filme é a relação entre pais e filhos, o avassalador impacto do primeiro amor (destaque para o desejo reprimido) e o amadurecimento das pessoas após um período traumático de suas juventudes. Não se trata de um filme de sacanagem, mas um filme sobre a vida em diversos aspectos, cujo mote é o trecho de um poema de William Wordsworth:

Mesmo que nada nos devolva o instante

De esplendor para a relva e glória para a flor,

No que restou vamos achar,

Sem mágoa,

um poder similar.

A trama se passa no Kansas, em 1928 — embora, em termos de desenho de produção e figurinos, não pareça muito — e tem os jovens Bud (Warren Beatty, em seu primeiro papel no cinema) e Deanie (Natalie Wood, em uma estrondosa interpretação, cheia de nuances dramáticas, cautela e emoções à flor da pele) como protagonistas. Eles vivem personagens de 17 e 18 anos que estão às portas da Universidade. O namoro entre os dois acontece em um período da história onde a moral era rígida (além de contar com a vigilância de todos) e a virgindade era um tesouro inestimável. Com a libido explodindo e o véu da sociedade impedindo o sexo, tanto Bud quanto Deanie vão enlouquecendo aos poucos, uma situação que se torna bem grave quando o rapaz, segurando o desejo até onde podia, decide “dar um tempo” no namoro. Então tudo degringola.

Apesar dessa densidade temática, não há apelação alguma no texto de William Inge. O roteirista, premiado com o Oscar de Melhor Roteiro por seu trabalho, elenca os vários aspectos da sociedade dos anos 1920, capturando atmosferas que nos lembram um pouco a obra máxima de F. Scott Fitzgerald e, em termos locacionais e dramáticos nos traz nuances de Palavras ao Vento, de Douglas Sirk, e de uma obra do próprio Kazan, Vidas Amargas (1955).

Em um espaço onde os relacionamentos eram pautados pelo interesse, pais e filhos não conseguiam dialogar e bens materiais eram a coisa mais importante para a maioria das pessoas (nada muito diferente de hoje, não?), como os pais lidavam com os sonhos dos filhos? Aliás, este é um dos temas que se destacam no roteiro: como e para serem o quê os pais criam seus filhos? As coisas teriam sido diferentes se as famílias dos protagonistas não tivessem se colocado no meio do relacionamento deles? O destino de Deanie seria o mesmo de Angelina se tivesse ficado com Bud? As perguntas aparecem aos montes quando chegamos ao final patético (aquele “futuro inevitavelmente sem graça e um  pouco miserável” que Nabokov havia escancarado em Lolita) e vemos a família de Bud e a postura de Deanie. A coisa fica ainda mais dúbia — um golpe genial do roteiro — quando os antigos namorados elaboram respostas para a seguinte pegunta: você é feliz?

Como é bastante comum na filmografia de Kazan, o elenco dá um verdadeiro show de atuação. Os destaques vão para os jovens protagonistas (embora Warren Beatty se torne menos interessante no final da película), mas Pat Hingle (pai de Bud) e Audrey Christie (mãe de Deanie) também merecem destaque.

Acompanhados por uma excelente trilha sonora jazzística, um fator histórico denso (a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929) e uma interessante reflexão sobre amadurecimento pessoal, Clamor do Sexo é um daqueles filmes que nos dá o prêmio da reflexão após a última cena, deixando-nos tão inquietos e desconfortáveis quanto os personagens que vimos na tela em seus traumáticos retratos de chagada à vida adulta.

Clamor do Sexo (Splendor in the Grass) – EUA, 1961
Direção: Elia Kazan
Roteiro: William Inge
Elenco: Natalie Wood, Pat Hingle, Audrey Christie, Barbara Loden, Zohra Lampert, Warren Beatty, Fred Stewart, Joanna Roos, John McGovern, Jan Norris, Martine Bartlett, Gary Lockwood
Duração: 124 min.

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