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Crítica | Corpo Delito

por Rafael W. Oliveira
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Corpo Delito abre e encerra sua narrativa com dois momentos marcantes para a ideia discursiva do filme: na primeira, Ivan conversa com uma psicóloga sobre sua vivência em regime semi-aberto onde é obrigado a andar com uma tornozeleira na perna, falando sobre suas frustrações com as limitações espaciais que lhe são impostas; na segunda, seu amigo Neto olha para a cidade grande repleta de prédios e edifícios de cima de uma construção abandonada na periferia onde vive. O primeiro momento, mais didático, e o segundo, simbólico, representam o limite daqueles personagens (e de tantos outros que convivem na mesma situação social) diante daqueles que, de cima, julgam e decidem seus destinos.

Corpo Delito é mais um representante da força na movimentação social que as produções brasileiras têm adotado para si já há um bom tempo, o que lhes confere automaticamente uma imediata importância da ampliação de retratos que, assim como os que fazem parte deles, são constantemente deixados à margem. E fazendo uma brincadeira quase experimental com a veracidade da imagem, o diretor estreante Pedro Rocha oferece ao público indagações sobre onde as sequências se encenam e até onde elas se autenticam como um registro verídico de passagens cotidianas. Uma pretensão que Corpo Delito não precise? Talvez. Mas Rocha é inteligente ao se posicionar com discrição entre os personagens que acompanha, desnudando o dia-a-dia nada usual de um homem condenado a viver em “cativeiro” mesmo fora da prisão.

É um cinema de posicionamentos muito bem definidos, de fato, o que pode gerar pouca margem para leituras diversas (e se elas existirem, provavelmente se manterão no ‘preto no branco’), e apenas nos faça pensar, ou remoldar aos nossos próprios olhos, o que levou aquele homem até aquela situação. Rocha deixa isso claro quando Ivan exclama “Você acha que eu fiz aquilo porque quis?”. Os objetivos são claros.

E se o roteiro de Diego Hoefel (do estranho Elon Não Acredita na Morte) se atrapalha nas abruptas passagens de tempo (apesar de algumas ironias muito bem pontuadas nos diálogos dos que decidem o destino de Ivan), Rocha é habilidoso ao permitir que muitas imagens falem por si só e respirem a desigualdade retratada para além da tela para nos permitir perceber que, sim, o sistema é injusto. Numa sequência muito significativa, Neto caminha por um shopping luxuoso e destoando de todos ao seu redor, ainda atraindo os olhares dos seguranças, desconfiados por sua imagem de “arruaceiro” e “vagabundo”. Ou seja, até onde a liberdade existe para Neto, mesmo que este não possua nenhuma tornozeleira em sua perna? Corpo Delito é inteligente ao explanar sua imagem sem um trabalho imagético gritante.

E claro, Ivan e Neto, neste processo de humanização, igualmente erram e se desesperam naquela tentativa de fugir da opressão (reparem como Neto fala com naturalidade sobre quando foi baleado) na mesma medida em que tentam acertar, mas se veem diante de conflitos sobre o agir e o não agir impostos pelo tratamento pouco empático com que o resto do mundo lhes trata. Em tempos onde “bandido bom é bandido morto” e onde a sociedade se divide entre estes e as “pessoas de bem”, Corpo Delito é um filme que se faz necessário. Falta polimento a narrativa e certos plots soam desconexos (o núcleo familiar de Ivan), mas Corpo Delito faz sua força quando descobrimos que aquele cotidiano pequeno, mas marcado pela marginalização, é o que é comum.

Corpo Delito (idem) – Brasil, 2017
Direção: Pedro Rocha
Roteiro: Diego Hoefel
Elenco: Ivan Silva, José Neto, Gleiciane Gomes,  Jefferson do Nascimento
Duração: 74 min.

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