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Crítica | Corretores do Amor

por Fernando Campos
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Uma das melhores maneiras de construir humor é através do choque de padrões. Ou seja, quando temos dois personagens de visões distintas que precisam interagir, resultando em situações hilárias, como acontece no excepcional Antes Só do Que Mal Acompanhado. Em Corretores do Amor, de Ron Howard, temos a mesma estratégia presente, mas com um foco maior no desenvolvimento de seu personagem principal. No entanto, essa atenção excessiva no protagonista resulta justamente em uma queda no humor.

O longa-metragem nos apresenta Chuck Lumley (Henry Winkler), um honesto ex-corretor da bolsa de valores que vai trabalhar em um necrotério no turno da noite em busca de sossego. Lá, ele conhece o agitado Bill (Michael Keaton), seu assistente. Juntos, resolvem transformar o lugar num bordel noturno para ganhar uma grana extra.

Tendo um protagonista tão tímido, o roteiro, escrito por Lowell Ganz e Babaloo Mandel, acerta em cheio na construção do arco de Chuck, tornando visível o aprendizado que ele teve ao longo da história. No início, somos apresentados a um sujeito que é o resumo da caretice: submisso aos outros, incapaz de se impor e que mal consegue ter relações sexuais com a namorada; e o longa apresenta essas características sem caricaturismo, pelo contrário, é através de cenas sutis, como não querer pedir para trocar o jantar para não incomodar o atendente.

Além disso, Ron Howard é inteligente ao usar figurino e direção de arte para criar essa imagem do personagem. Perceba como Chuck geralmente veste um casaco grande e bege, parecendo ser maior do que ele, ou um terno marrom, destoando do colorido de seu colega de trabalho. Já seu apartamento é decorado com cores apagadas e possui uma mobília velha, destacando a vida monótona do protagonista. Outra boa estratégia de Howard é manter a câmera aberta e o mais fixa possível ao enquadrar Chuck no início, ressaltando sua solidão.

Aliás, as mudanças sofridas pelo personagem não são instantâneas. Os eventos que transformam a visão do protagonista são bem pontuados, como na cena em que ele é criticado por toda sua família, além de transmitir, através da mãe de Chuck, que as críticas que ouve desde a infância tornaram-no uma pessoa de baixa autoestima. Esse elemento do roteiro é reforçado pela montagem do longa que, logo após mostrar o personagem sofrendo com determinadas situações, corta para sua providência, sendo um ótimo recurso para destacar causa efeito dentro da história.

Em contrapartida, quando o protagonista está trabalhando com as garotas de programa, é evidente sua satisfação pela boa condução dos negócios e respeito que elas têm por ele. Para destacar isso, Howard insere mais cor e movimentos de câmera nos momentos em que o personagem está gerindo seus negócios. Diante dessas situações distintas, é interessante acompanhar os dilemas de Chuck, divido entre o que fez bem e o que julga correto, rendendo momentos genuinamente engraçados, como na cena que tenta encerrar uma festa de universitários no necrotério.

Obviamente, o ator Henry Winkler tem um mérito enorme na construção de seu personagem, transmitindo com precisão a omissão do homem através de um leve cansaço na voz, como se sentisse peguiça até mesmo de levantar o tom com alguém. Até que ele adquire mais confiança  no final e o ator transforma-se em um sujeito vibrante de maneira orgânica, afinal de contar, nós vimos aquela transformação.

No entanto, o humor aqui nem sempre acerta. Há momentos hilários como o citado anteriormente, mas também há cenas que não agradam, como na reação de Chuck após ter relações com Belinda. Isso aconteceu principalmente pela falta de atenção que o longa dá para o personagem de Michael Keaton, que deveriam funcionar como o motor do humor no filme, mas acaba servindo apenas como elemento para ajudar a construir o protagonista. Algo para se lamentar visto que Keaton entrega uma ótima atuação, construindo um sujeito inquieto, jovial e empolgante, ficando a sensação de que o personagem deveria ser melhor aproveitado.

Porém, quando analisamos elementos que não envolvem o protagonista a obra cai de qualidade. Os personagens coadjuvantes servem mais para complementar Chuck do que para terem espaço próprio, o que resulta em um personagem principal bem construído, mas personagens secundários artificiais. Veja a namorada do personagem principal, por exemplo, que resume-se ao estereótipo de uma mulher que nunca está satisfeita com o próprio corpo.

Por causa desse fator, no terceiro ato, a trama cai, uma vez que investe em um romance simplista e que não atrai justamente por Belinda não ser uma personagem interessante e bem desenvolvida. A graça aqui está em acompanhar o choque  de padrões e, quando a obra foge disso, perde qualidade. Porém, ainda na terceira parte, a redenção do protagonista é extremamente satisfatória, mostrando Chuck finalmente se impondo contra seus problemas, finalizando seu arco com perfeição.

Corretores do Amor falha na construção do humor e na utilização de seus personagens secundários, no entanto, constrói com precisão um arco para seu protagonista. Ou seja, temos aqui um Ron Howard ainda longe do auge de sua carreira, mas que já dava indícios de seu talento para conduzir uma narrativa.

Corretores do Amor (Night Shift) – EUA, 1982
Direção: Ron Howard
Roteiro: Lowell Ganz, Babaloo Mandel
Elenco: Henry Winkler, Michael Keaton, Shelley Long, Clint Howard, Shannen Doherty, Gina Hecht, Pat Corley, Nina Talbot, Joe Spinell, Bobby Di Cicco, Vincent Schiavelli, Richard Belzer, Cheryl Carter, Jaid Barrymore, Kevin Costner
Duração: 106 min.

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