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Crítica | Cortina de Fogo

por Gabriel Carvalho
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Cortina de Fogo é um dos filmes mais importantes da carreira de Ron Howard. Nele, o diretor é testado em situações inéditas para a sua carreira, em um filme com orçamento consideravelmente grande para os padrões da época. O cineasta, portanto, tem a provação da sua capacidade de dirigir cenas de ação, as quais, definitivamente, devem ser categorizadas como o ponto alto de um longa-metragem, infelizmente, mediano. As experiências cinematográficas em filmes que protagonizam bombeiros não costumam ser as melhores, apesar desta temática já ter sido abordada diversas vezes e, em alguns casos, muito bem. Sendo assim, Cortina de Fogo, em seu lançamento, também foi um teste para esses profissionais, no que tange o tratamento dado a eles em produções audiovisuais. Com um retorno financeiro considerável, não há como se negar que o filme cumpriu muitas das expectativas do público em termos de espetáculo, o que nos faz retornar ao tal teste de Ron Howard e às importantes falhas que não permitem este seu trabalho ser considerado um clássico dos anos 90, uma alcunha que produções com menos esmero técnico obtiveram.

O diretor nos joga para dentro de incêndios tóxicos, vilões do filme. A excetuar alguns usos de câmera lenta excessivamente bregas em determinados pontos chaves, Howard faz um bom trabalho na relação existente entre causa e consequência. O perigo é constante, e isso é sentido, apesar de que a fotografia, muitas vezes simétrica e engrandecedora, não traz muita fidelidade com a realidade. As cenas durante os incêndios se valeriam mais da escuridão, “inexistente” na escolha feita pelos realizadores de esquecer a existência da fumaça. No roteiro, Gregory Widen dita o fogo como um elemento vivo, muito na presença de Ronald Bartel (Donald Sutherland em mais uma ótima atuação). Ron Howard também faz isso em cena, em usos bem fascinantes de vai-e-vem para as chamas, incompreendíveis e inesperadas. Os efeitos visuais, acima de tudo, são um carro chefe magnífico, não soando datados, mesmo décadas depois. Muito pelo contrário, as chamas desse filme são mais realistas que as de muitos blockbusters atuais, valendo notar as explosões contínuas que acontecem durante a sequência final, todas muito bem palpáveis em meio a um show “pirotécnico” impressionante, moldado por um desenho de som que dá ainda mais credibilidade e dimensão a tal momento de deslumbramento audiovisual.

Porém, quando vamos falar do roteiro propriamente dito, as construções feitas no campo visual são quase carbonizadas por completo. Mas há pontos notáveis que diminuem algumas das labaredas de equívocos do texto, a começar pela relação entre Stephen “Bull” McCraffey (Kurt Russel) e seu irmão caçula, Brian McCraffey (William Baldwin). Ambos seguem os passos trilhados pelo pai deles, também interpretado por Russel, que infelizmente morre durante uma missão apresentada logo no começo do filme. Com os dois já adultos, mas distantes devido as barreiras do tempo, as rixas são muito bem pautadas. Até mesmo o senso de que Stephen é um bombeiro mais competente que Brian é perceptível. Indo além, as namoradas e antigas namoradas dos personagens são cruciais para as mudanças de comportamento deles, principalmente por parte de Stephen. No caso de Brian, Jennifer Vaitkus (Jennifer Jason Leigh) aparece em cena da mesma maneira que some dela, convenientemente, não dando sinais reais de sua influência para o filme. O mesmo pode ser dito de Tim (Jason Gedrick), amigo de Brian e entusiasta na profissão. Após certos eventos, o garoto desaparece por completo da obra, sem que sua presença seja retomada durante a conclusão da história.

Todavia, impactando mais do que essas qualidades consideradas, a história é desinteressante, sendo colocada, erroneamente, como coadjuvante da história maior que é contada; a da relação entre Stephen e Brian. Mas uma dependia da outra para que o espectador mergulhasse fundo; nenhuma devia ter sido priorizada em detrimento da outra. Pior, a narrativa é mal elaborada por um roteiro que investe em conveniências. O encaixe de peças acaba soando artificial, mesmo que os pesares no texto não se esvaiam por aí. Cortina de Fogo conta com duas reviravoltas seguidas, com a segunda sendo apresentada para o público de uma maneira porca. O personagem John “Axe” Adcox (Scott Glenn), portanto, perde consideráveis camadas, ainda mais pela burrice narrativa que lhe é submetida, tanto a por parte de Bull quanto a por parte dele mesmo. Enfim, Kurt Russel entrega uma performance pungente, que nos transmite o rastro de ódio e solidão crescente dentro de seu peito. Baldwin, diferentemente, é mais contido; bem no papel, mas diminuído em cena na presença de nomes mais talentosos dentro deste ramo artístico, como Robert De Niro. Sendo assim, é inegável o sentimento de que este filme poderia ter sido mais. Contudo, mesmo sendo menos, Cortina de Fogo provou uma capacidade surpreendente de resistência ao tempo, ainda sendo uma experiência visual válida, apesar dos mais de 25 anos passados.

Cortina de Fogo (Backdraft) – EUA, 1991
Direção: Ron Howard
Roteiro: Gregory Widen
Elenco: Kurt Russell, William Baldwin, Scott Glenn, Jennifer Jason Leigh, Rebecca De Mornay, Donald Sutherland, Robert De Niro, Jason Gedrick, J. T. Walsh
Duração: 137 min.

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