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Crítica | Curtas-metragens de Glauber Rocha

por Luiz Santiago
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O presente conjunto de textos traz críticas para os curtas-metragens dirigidos por Glauber Rocha do início ao final de sua carreira. Temos também a crítica para sua participação no Programa Abertura, da extinta TV Tupi. O único curta que não se encontra nesse bloco é Maranhão 66, que, devido ao tamanho do texto, precisou ser publicado em uma postagem à parte.

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Pátio

Pátio é o resultado de um primeiro exercício cinematográfico empreendido por Glauber Rocha, ainda em fase de formação cinéfila, mas já encantado com o formalismo, concretismo e teorias de montagem e filmagem criadas pelos diretores soviéticos, especialmente Sergei Eisenstein. Trata-se de um curta-metragem extremamente simples, filmado em um pátio de chão xadrez próximo ao mar e a bananeiras. O tema central é o encontro e o desencontro (amor e desamor na visão de alguns) entre duas pessoas, um tema central que é manipulado tanto na filmagem quanto na montagem, seja para salientar a fragilidade dos acontecimentos na nossa vida, seja para ressaltar a não-explicação de outros eventos pelos quais passamos.

A concepção do exercício de Glauber Rocha é bastante válida em sua proposta formal. De fato, há experimento interno e externo à diegese fílmica. O único problema é que nosso entendimento vem unicamente do exercício formal e não de seu conteúdo, incluindo aí um possível roteiro de ações (não falo de algo linear, mas de uma proposta geral de ações) e indicações estéticas mais alegóricas, duas coisas que fariam parte da obra posterior do cineasta. Sem esses elementos, o exercício (mesmo tendo o concretismo, o experimentalismo, o formalismo como motes fílmicos) tem um resultado final vazio, estéril. Vale ser visto pela novidade e pelo valor que representa para o cinema mais ousado no Brasil (em sentido formal), mas é apenas isso.

Pátio (Brasil, 1959)
Direção:
Glauber Rocha
Roteiro: Glauber Rocha
Elenco: Solon Barreto, Helena Ignez
Duração: 12 min.

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Amazonas, Amazonas

O documentário Amazonas, Amazonas foi uma encomenda do governo amazonense. Glauber Rocha, escalado para dirigir o curta, deveria se ater à narração das riquezas do maior Estado do Brasil, sua biodiversidade e seu povo nativo. No início do filme há um toque bastante evidente vindo dessa abordagem didática, com trechos dos escritos de Francisco de Orellana e takes de belas paisagens ao redor de Manaus e Região Metropolitana.

Mas à medida que os minutos vão passando, Glauber Rocha dribla as exigências do governo militar e cria um cenário social bastante crítico, partindo do setor primário e estendendo para outros braços da economia e sociedade amazonense as péssimas condições de vida no Estado, o esgotamento das atividades produtivas básicas, a luta pela sobrevivência. Até a omissão do governo frente às riquezas minerais e a possibilidade de exploração estrangeira aparecem no curta.

A excelente trilha sonora ajuda a criar um ambiente de urgente necessidade, um elemento que percorre todo o desenvolvimento da película, desacelerando apenas na reta final. Talvez a ambição do título (retirado de uma fala de Orellana) nos faça ter uma impressão errada do que vai ser dito no filme. A rigor, trata-se mais de uma abordagem social, história e econômica da cidade de Manaus do que qualquer outra coisa. Outras cidades são citadas, mas não exploradas em meio à denúncia. É evidente que ajudam a construir um panorama genérico das condições de vida no Estado, mas numa análise fria, são dados incompletos.

Mesmo assim, Amazonas, Amazonas é um maravilhoso registro dos principais centros urbanos amazonenses nos anos 60. A abordagem de Glauber Rocha visita a história e faz um apanhado dos falhos ciclos econômicos para chegar a um ponto crucial que vale para toda a região Norte do país: quando o governo vai deixar o olhar exótico de lado de lado e amparar o desenvolvimento (sustentável) desse recanto do nosso país?

Amazonas, Amazonas (Brasil, 1965)
Direção:
Glauber Rocha
Roteiro: Glauber Rocha
Duração: 15 min.

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1968

Eu não posso precisar nem o mês nem qual das passeatas foi filmada, não me lembro. Glauber queria fazer um filme sobre aquele momento, mas ainda não tinha um projeto ficcional, fizemos apenas um registro documental. A repressão política e a falta de liberdade de expressão impediram a continuidade do projeto. Em fins de 1969, Glauber e eu saímos do país.

Depoimento de Afonso Beato à Embrafilme, em janeiro de 1985

1968 é um documentário inacabado de Glauber Rocha ao lado do fotógrafo Affonso Beato. Como ficou claro no comentário do próprio diretor de fotografia, disposto acima, as intenções gerais do filme eram um enigma. Levando em consideração que 1968 foi o ano em que se iniciou a produção de O Dragão da Maldade, é possível que a intenção de Glauber fosse fazer alguns experimentos no campo do documentário dentro daquela veia mais “raiz” que então marcava fortemente a sua obra.

O que temos hoje de 1968 são apenas 22 min. de filmagens em preto e branco, sem nenhum som. Trata-se de um registro muito interessante de manifestação popular, mas não podemos fazer nenhum tipo de análise ou comentário para além da curiosidade, uma vez que o projeto não teve montagem oficial, são apenas inúmeros takes organizados. Não deixa de ser um documento histórico de uma época dura para o Brasil (talvez cenas da Passeata dos 100 Mil?), uma espécie de suspiros finais antes do infame AI-5, editado em 13 de dezembro daquele mesmo ano. O que Glauber Rocha queria nos contar em 1968?

1968 (Brasil, 1968)
Direção:
Glauber Rocha e Affonso Beato
Roteiro: Glauber Rocha e Affonso Beato
Duração: 22 min.

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Di Cavalcanti

Há um ponto nesse documentário – a questão da família de Di Cavalcanti – que me incomoda um pouco. Mesmo entendendo a postura de Glauber Rocha em querer dar adeus ao pintor que admirava e a quem chamava de amigo, a presença dele no velório não era bem vinda e, em um momento ou outro, chega a incomodar o espectador, nem que seja pela “onipresença de urubu” num dos momentos mais tristes pelos quais uma família tem que passar.

Por outro lado, é importante entender que Rocha não estava machucando ninguém e que estava fazendo um trabalho. Um trabalho que mistura jornalismo, arte cinematográfica, poesia, artes plásticas, literatura, música, concretismo, experimentalismo. Di Cavalcanti é um dos curtas mais inventivos que eu já tive a oportunidade de ver. A forma como o diretor realizou diversas “colagens” de imagens e, principalmente, a perfeita montagem e mixagem de som fizeram desta uma das mais criativas homenagens a um artista que acabara de morrer. Trata-se do melhor curta de Glauber Rocha (empatado com Maranhão 66).

O interessante é que não só existe o conteúdo de louvor a Di Cavalcanti, suas obras e temáticas recorrentes. Existe também uma fina ironia de Rocha quando se refere ao processo de filmagem do curta, as dificuldades que teve com a filha do pintor e a abordagem da imprensa brasileira sobre o caso. É um misto de escândalo, deboche, genialidade e arte. No melhor e mais prático sentido das palavras.

Di Cavalcanti (Brasil, 1977)
Direção:
Glauber Rocha
Roteiro: Glauber Rocha e citações de Edison Brenner, Augusto Dos Anjos, Frederico de Moraes, Vinicius de Moraes
Elenco: Joel Barcellos, Marina Montini, Antonio Pitanga, Glauber Rocha
Duração: 15 min.

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Jorge Amado no Cinema

Se Glauber Rocha não tivesse se descuidado da captação de som (ele e o técnico de som, claro) durante as cenas iniciais desse documentário, rodadas na casa de Jorge Amado, a constituição geral do filme mudaria bastante de figura. Isso e a necessidade de uma finalização menos reticente, solta. Mas à parte esses dois pontos, temos em Jorge Amado no Cinema um filme apaixonante, protagonizado por um dos nossos mais incríveis escritores, o baiano que colocou não só a Bahia mas a pluralidade cultural do nosso país nas páginas de seus livros.

As primeiras cenas são feitas com Jorge Amado, Zélia Gattai, filhos e amigos na casa do escritor. Muita conversa sobre arte, sobre candomblé, cinema, literatura, amizade e sociedade. Vemos tanto Jorge Amado quanto Glauber Rocha citarem e fazerem referências a outros grandes nomes e a alguns movimentos da história das nossas letras, como a Semana de Arte Moderna paulista e o Movimento Armorial pernambucano. Também poetas e escritores românticos e realistas do país vêm à tona, seja nessas primeiras conversas seja na livraria onde Glauber filma uma sessão de autógrafos de Jorge Amado.

Interessante ver a pergunta feita duas vezes ao cineasta pelo conterrâneo escritor: “Glauber, quando você vai filmar ‘Terras do Sem Fim’?“. O diretor se compromete com o amigo, dizendo que tinha um projeto para terminar (ele se referia ao filme A Idade da Terra), mas que dentro de um ano queria dar pronto a sua versão cinematográfica de Terras do Sem Fim. Como todos nós sabemos, isso ão foi possível. A Idade da Terra estreou em 1980 e Rocha morreu um ano depois sem nem começar a pré-produção de um novo filme.

Jorge Amado no Cinema é o tipo de curta que eu gosto muito, porque é a visão crua de um artista para a vida e obra de outro artista. A mesma coisa posso dizer de quando vi O Poeta do Castelo (com Carlos Drummond de Andrade) e O Mestre de Apipucos (com Gilberto Freyre), ambos do diretor Joaquim Pedro de Andrade. No caso do filme de Rocha, há um sabor especial e nostálgico: trata-se de seu último documentário, seu último curta-metragem e seu penúltimo filme. Um passo antes do fim de uma grande carreira.

Jorge Amado no Cinema ou Jorjamado no Cinema (Brasil, 1979)
Direção:
Glauber Rocha
Roteiro: Glauber Rocha
Elenco: Jorge Amado, Zélia Gattai, membros da equipe de produção do filme, atores do filme de Nelson Rodrigues, povo baiano.
Duração: 37 min.

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Programa Abertura

O Programa Abertura estreou na extinta TV Tupi no dia 4 de fevereiro de 1979. Com uma proposta de notável conteúdo político, informacional, cultural e de amplas tendências ideológicas – sobretudo, era um programa de opinião, seja dos intelectuais convidados para dirigir ou participar de quadros, seja da gama de entrevistados -, não foi de se espantar que Glauber tivesse aceitado de pronto participar na direção e apresentação de um quadro. A proposta para ele era livre, com uma abordagem pessoal guiada pelo caminho que bem desejasse, desde que seguisse alguns “assuntos da semana”.

A participação de Glauber Rocha no Programa Abetura se deu por 4 meses. A regularidade de seus quadros era em média de 2 por semana, o que daria um total de 32 programas. Infelizmente, apenas 16 quadros são hoje conhecidos, e foi esse material que eu tive a oportunidade de assistir para escrever o texto.

Confesso que não esperava absolutamente nada do que vi na tela, mesmo em se tratando de Glauber Rocha. Em alguns momentos cheguei a odiar o diretor e apresentador, seja por sua postura ou pelo modo como guiava certas opiniões políticas. Embora considerando o “fator tempo”, é impossível sair da sessão desses quadros sem alguma crítica negativa ao realizador.

A forma como Rocha concebeu os seus quadros é de fato um exemplo vanguardista de se fazer TV. Ele brincava com o público, quebrava as barreiras diegéticas e tinha um modo de conduzir entrevista muito peculiar (me senti mal pelo coitado do Brizola – não o político – que foi “massacrado” pelo diretor na entrevista final). Elementos estéticos de alguns de seus curtas-metragens se fazem presentes, seja na colagem de elementos seja na mistura de modelos de filmagem. É uma experiência muito interessante, um modo um pouco caótico de se fazer televisão mas cujo resultado de entretenimento e informação são eficazes e rapidamente alcançados.

Programa Abertura – Quadros de Glauber Rocha (Brasil, 1979)
Direção: Glauber Rocha
Roteiro: Glauber Rocha

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