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Crítica | Curtas Pixar – Parte 1 (1984 a 1997)

por Ritter Fan
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  • Acesse aqui nossas críticas sobre os outros curtas da Pixar.

A Pixar começou de verdade fazendo curtas experimentais graças à genialidade de John Lasseter, então apenas um animador. Seus curtas entre 1984 e 1997 pavimentaram o caminho para o trabalho da Pixar nos anos seguintes. Fiquem com as críticas individuais dos primeiros seis curtas da produtora, em ordem cronológica de primeiro lançamento.
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The Adventures of André and Wally B. (1984)

É comum achar que Luxo Jr., o curta da “lampadinha” de 1986, é o primeiro da Pixar, mas ainda que tecnicamente seja, já que foi o primeiro a ver a luz do dia sob a marca Pixar, ainda em sua primeira versão, The Adventures of André and Wally B. é o verdadeiro primeiro passo do que viria a se tornar uma incrível fábrica de sonhos, passo esse criado não pela arte, mas para mostrar o potencial dos computadores desenvolvidos pela empresa. Ainda como The Graphics Group, uma divisão experimental da Lucasfilm, o curta é, como basicamente todos que se seguiram, um experimento em animação em computação gráfica, ainda dando seus primeiros passos, com o objetivo de vender máquinas e software.

Apesar de o diretor e roteirista ser Alvy Ray Smith, a verdadeira grande cabeça por trás é mesmo a de John Lasseter, responsável pela fagulha criativa e creditado como o animador desses dois minutos que, à época, foram absolutamente revolucionários. Contando a história de uma simpática inimizade entre o humanoide André (nome retirado do fantástico Meu Jantar com André, de Louis Malle) com a abelha Wally B., o curta não tem um roteiro propriamente dito, não passando de uma breve gag em que o primeiro tenta enganar o segundo e foge, somente para ser ferroado pelo inclemente inseto.

A grande revolução está na primeira utilização do chamado motion blur em computação gráfica, que funde as imagens em uma imagem “embaçada” contínua e o uso de cores vibrantes que imitam quadros de Maxfield Parrish e mostram todo o poder da inventividade que viria a ser a Pixar. Foi também o desenho que mostrou que a computação gráfica definitivamente não estava mais confinada à figuras geométricas, já que os dois personagens são perfeitamente arredondados.

Claro que, julgado sob o olhar de hoje em dia, acostumado com um bombardeio de computação gráfica, o curta não impressionará, mas uma breve viagem mental no tempo fará o queixo de qualquer um cair. Um começo brilhante para a meteórica ascensão desse excepcional estúdio.

Direção: Alvy Ray Smith
Roteiro: Alvy Ray Smith
Duração: 2 min.
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Luxo Jr. (1986)

A importância desse curta é evidente pelo fato de a simpática lampadinha Luxo Jr. ter sido adotada pela nascente Pixar como mascote e símbolo máximo, constanto da abertura de todos os seus longas. E, de fato, enquanto The Adventures of André and Wally B. tem o “jeitão” de experiência com o poder da computação gráfica, Luxo Jr. parece realmente um curta 100% acabado e polido.

No entanto, é importante entender o momento em que a Pixar se encontrava em 1986. George Lucas estava já na “seca” de filmes, pois três anos já haviam se passado desde o lançamento de O Retorno de Jedi e o interesse por seu universo havia caído drasticamente e, com ele, o faturamento da empresa. Além disso, Lucas passava por um divórcio. A moral da história é que ele precisava de injeção de capital e a saída foi vender a The Graphics Group, divisão da Lucasfilm, para um interessado Steve Jobs, já fora da Apple. Como empresa independente, a renomeada Pixar, então, continuou seu projeto, encabeçado por John Lasseter, de usar curtas em CGI para vender seus computadores. O resultado, naquele ano, foi Luxo Jr. E que resultado!

Lasseter não se contentou em apenas fazer uma peça publicitária para o computador da empresa em que trabalhava. Já mostrando o tino criativo que desenvolveria exponencialmente nos anos seguintes, ele estudou a técnica tradicional de animação da Disney para levar vida convincente a personagens inanimados. André e Wally B. eram seres vivos e as expressões tornam-se automaticamente facilitadas. Mas como dar vida à duas lâmpadas sem recorrer a bocas, braços e olhos?

E o resto é história. As expressões de Luxo Sr. e Luxo Jr., o primeiro vigiando o segundo brincando com um bola, são absolutamente cativantes e perfeitamente compreensíveis com o uso, apenas de movimentos efetivamente possíveis desses dois produtos (as lâmpadas Luxo existem de verdade). E a primeira versão do curta era objetiva e apenas uma demonstração de sua capacidade de animação, sem qualquer história. Foi apenas quando Lasseter levou essa versão para um festival de animação na Bélgica que ele ouviu do veterano animador local Raoul Servais que o curta deveria ter uma história com começo, meio e fim. Lasseter protestou, mas Servais foi enfático e talvez seu conselho tenha sido o mais importante na vida de Lasseter, que voltou para a prancheta e conseguiu contar uma história – simples, é verdade – que cativa o espectador desde os primeiros segundos.

Luxo Jr. encapsula, ao mesmo tempo, a história da computação gráfica em animação e todo o potencial criativo de Lasseter e da futura Pixar, produtora de filmes em contraste com a Pixar, fabricante de computadores. E a lampadinha nunca mais sairia da cabeça de milhões de fãs ao redor do mundo.

Direção: John Lasseter
Roteiro: John Lasseter
Duração: 2 min.
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Red’s Dream (1987)

Novamente animando o inanimado, Lasseter dessa vez foca sua atenção em um pobre e infeliz monociclo abandonado no canto de uma loja de bicicletas. A identificação com o personagem é imediata, ainda que ele esteja longe da simpatia alcançada por Luxo Jr. O curta tem uma bela atmosfera noir, com tomadas externas, na chuva e dentro da loja servindo de abertura e fechamento para o tal sonho de Red, em que o monociclo se imagina tomando os holofotes de um palhaço malabarista em um circo.

O grande problema do curta, também encomendado para mostrar o poder do Pixar Image Computer e do software de renderização Chapreyes, é mesmo justamente o sonho, com um palhaço feio demais, quase mal acabado e uma sequência que não empolga e soa exagerada. Sim, a tecnologia para renderização de imagens mais humanas ainda estava engatinhando, mas o palhaço grotesco incomoda, assim como o desenvolvimento fácil demais da pequena história.

Red’s Dream referencia, como se pode ver na imagem, a bola de Luxo Jr. como o chão do picadeiro no começo de uma tendência que continua até hoje: as auto-referências da Pixar. Mas, no final das contas, é um dos curtas mais fracos dessa era inicial do CGI para animações.

Direção: John Lasseter
Roteiro: John Lasseter
Duração: 4 min.
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Tin Toy (1988)

Apesar de seus problemas, Tin Toy abocanhou o prêmio de melhor curta de animação em 1988 e, no processo, literalmente salvou a micro-divisão de animação da Pixar, encabeçada por um apaixonado John Lasseter. É que Steve Jobs, então principal acionista da empresa, queria de toda maneira cortar custos e a escolha mais sensata, à época, era por esse caminho, mas uma apresentação de storyboards de um gênio para outro gênio literalmente transformou a Pixar no que ela é hoje em dia, pois Tin Toy não só é o verdadeiro precursor do super-sucesso Toy Story, como foi o primeiro teste do software RenderMan, para criar imagens fotorrealistas.

Se o leitor já viu o curta, notar que o uso da expressão “fotorrealista” é talvez um exagero, pois o curta, que lida, sob o ponto de vista de um brinquedo “banda de um homem só”, sua relação com um bebê, é novamente pavoroso no quesito renderização de humanos. O bebê é, para os padrões de hoje, risível, não mais do que uma versão de fraldas do palhaço visto em Red’s Dream. No entanto, em termos narrativos, Tin Toy é outro triunfo de Lasseter, já que ele trabalha a reação do pequeno brinquedo – pavor, pena, compaixão -, do bebê entrando no quarto e dos brinquedos que vemos embaixo da cama com grande maestria, ainda que as dificuldades técnicas tenham sido grandes não só como o bebê em si, mas também com a criação de um ambiente realista. O resultado final é um quarto enorme, mas vazio, com um brinquedo muito carismático e uma lição de perseverança.

Foi Tin Toy que realmente começou a fazer a Pixar caminhar para a direção que acabaria tomando e abraçando com todas as forças. Um brinquedo e um gênio apaixonado. Não tem erro, não é mesmo?

Direção: John Lasseter
Roteiro: William Reeves
Duração: 5 min.
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Knick Knack (1989)

Com o sucesso de Tin Toy, a divisão de animação da Pixar ganhou sobrevida, mas, mesmo assim, Lasseter decidiu não arriscar em seu próximo projeto. Nada de humanos, nada de exageros inventivos. Inspirando-se em desenhos do Looney Tunes e também em sua coleção particular de “globos de neve” de lugares exóticos, ele partiu para uma história simples sobre um boneco de neve preso em um desses globos que quer participar da vida social de outras lembranças de viagem a lugares praianos.

E Knick Knack é um completo triunfo. Desde o boneco de neve irritado com sua incapacidade de sair de sua prisão aquática até a ação tresloucada típica mesmo de desenhos do Pernalonga ou Tom & Jerry, o que vemos em curtos três minutos é muito prazeroso. O vazio do quarto de Tin Toy se repete aqui, mas, ao focar apenas na estante onde estão as lembranças, Lasseter acerta na distribuição espacial. E, ao realmente focar nas agruras do boneco, tudo ao redor se torna desimportante.

O interessante é que o cantor Bobby McFerrin acabou levando os créditos pela composição de trilha sonora, mas, na verdade, o que ele fez foi improvisar vocais ao assistir o primeiro corte do desenho, improvisação essa que foi gravada e, então sincronizada. O resultado não poderia ser mais perfeito.

Direção: John Lasseter
Roteiro: John Lasseter
Duração: 3 min.
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Geri’s Game (1997)

Depois de Knick Knack, a Pixar solidificou sua divisão de animação e passou a focar na criação de anúncios publicitários, uma maneira certa de ganhar dinheiro e tornar-se uma divisão mais importante dentro da empresa. Além disso, o projeto Toy Story começaria a ser desenvolvido, exigindo foco absoluto de toda a equipe na animação que mostrou ao mundo o que a computação gráfica realmente pode fazer.

Assim, a produtora só voltaria a seus curtas em 1997, com Geri’s Game, que daria o segundo Oscar de Melhor Curta de Animação para a empresa. Usado como curta de abertura para Vida de Inseto, é a primeira vez que a Pixar usar um personagem humano como protagonista em uma obra. Se lembrarmos os problemas vistos em Red’s Dream e Tin Toy, dá até um certo receio ver o resultado do trabalho. Mas, considerando o tempo transcorrido e o que a produtora aprendeu nos anos de intervalo, pode-se dizer que Geri’s Game é mais um triunfo de técnica e de narrativa.

Para começar, o velhinho Geri, com a aparência de Jonathan Harris, ator que daria voz ao personagem em Toy Story 2, é, para sua época, algo quase inimaginável. A textura da pela, do tecido do terno que ele usa, as reações do personagem correspondem a um pulo criativo técnico quase sem precedentes. E o melhor é que Geri, na verdade, não é um personagem, mas dois. É que o velhinho joga xadrez contra ele mesmo e, de cada lado do tabuleiro, vemos uma parte da personalidade dele. De um lado, o lado que começa o jogo, vemos um frágil senhor dependente de óculos e muito calado. Do outro, vemos também um senhor, mas de aparência jovial, seguro de si e sem óculos, em um excelente jogo de dupla personalidade sem a necessidade de qualquer diálogo.

E o cenário de fundo, um parque no outono, faz referência direta à floresta que é vista em The Adventures of André and Wally B., também na mesma época do ano. A comparação é assombrosa e a prova final da evolução da Pixar. Geri’s Game é o primeiro curta da empresa que não parece experimental e sim um produto 100% acabado e que abriria as portas para os diversos outros que serviriam como abertura para os longas da Pixar nos anos seguintes.

Direção: Jan Pinkava
Roteiro: Jan Pinkava
Duração: 5 min.

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