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Crítica | Daphne (2017)

por Luiz Santiago
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A filosofia (acadêmica e de boteco) há muito se debruça sobre os dilemas da vida e o peso de viver. Todo mundo um dia se questionou que importância tinha para o mundo, quem era, para onde ia, o que estava fazendo “aqui”. Existe ou não existe uma missão para todos? O que nos é dado como tempo para viver basta para tudo o que desejamos? Ou somos apenas peças de uma máquina viciada cuja triste definição “nasce, cresce, reproduz-se e morre” é tudo o que nos resta esperar? Centrado nessas questões é que o roteiro de Daphne, escrito por Nico Mensinga, nos coloca em uma rota de perguntas sem respostas e comportamentos incômodos da personagem-título, uma mulher de 30 ou 31 anos que parece ainda não ter encontrado o seu motivo para viver.

Há uma tristeza imensa em Daphne. A personagem, interpretada por Emily Beecham, vive em negação de praticamente tudo o que diz respeito a sentimentos — seus e dos outros. Ela não acredita no amor, não se relaciona sério com ninguém, tem um nível de responsabilidade frágil (frequentemente soterrado por seus vícios) e parece não entender que já está na terceira década de vida, mas age como se tivesse a idade que ela aparenta ter, em torno de 20 anos. O texto de Mensinga faz da personagem uma ponte para si mesma, depositada em um oceano de egoísmo, colocando-a em situações onde o espectador compartilha de suas angústias e gostos, quase sempre se incomodando com o desprendimento da personagem em relação à vida. Quanto mais se isola, mas melancólica Daphne se torna. A solidão, nesse caso, não é algo benéfico. Mas ela insiste. Até que fica difícil negar que há algo muito errado consigo.

Levando à risca a proposta de crônica que o enredo traz, o diretor Peter Mackie Burns guia o filme como uma sequência de atos-conceito, cada um deles trazendo um aspecto da vida, mesmo em áreas onde Daphne já estivera, como o flerte, o sexo, a bebedeira, a conversa com os poucos amigos. Por um lado, isso permite ver a personagem através de outras cores, o que é bom. Mas abre as portas para o ponto menos interessante do enredo e, por consequência, da direção, que é a repetição da mesma dinâmica para narrar o mesmo padrão de vida: ida e volta do trabalho, alguns encontros, momentos de surto e pequenas quebras de rotina, como os encontros da protagonista com a mãe, com o psicanalista e, o mais interessante de todas (apesar de trágico), o assalto e o que acontece depois disso. As ramificações dessa violência serão essenciais para um salto de maturidade na personagem. Mas como sabemos, isso sempre tem um preço. E o sofrimento e a angústia de ver o mundo de uma maneira diferente tomam conta de Daphne por completo. Mais uma vez.

Então a impressão de falta de foco nos assoma. Porque até certo ponto da película somos levados a crer que essas passagens pela vida de Daphne a levarão a um ponto X, onde as coisas parecerão diferentes. Mas só temos o primeiro indício disso, o que não basta. Os dias em que a personagem cozinha mas não come, os dias em que ela rejeita ligações, em que ela lê ou anda pelas ruas — momentos que ganham belo tratamento da fotografia, especialmente no interior da casa da personagem, estranhamente convidativa, efeito também conseguido pela acolhedora direção de arte, talvez mostrando um momento da vida onde ela se importava com alguma coisa –, tudo isso é apenas um meio para se chegar a um ponto que o filme não entrega. E nem dá algo sólido para que a gente assuma algumas coisas como certas, mesmo sem serem ditas.

A boa interpretação de Emily Beecham nos ajuda a ver a obra com um pouco mais de simpatia, mesmo que a personagem não seja simpática. Talvez por representar muitos defeitos comuns que a maioria das pessoas conseguem equilibrar ou mais ou menos dominar, nos aproximamos do sofrimento e nos compadecemos da personagem (a cena familiar onde a mulher diz ter pena dela é exatamente o que o roteiro nos faz sentir), mas não necessariamente gostamos da pessoa. É uma empatia pela situação. E tudo isso é interessante visto na jornada de Daphne. Mas ela não nos leva, a rigor, para lugar nenhum. Mais dez minutos de filme, com o roteiro fechando as janelas abertas e solidificando caminhos possíveis trariam uma feição inteiramente distinta para a obra. Uma caminhada niilista que vez ou outra mostra o que há fora desse nada absoluto, sem laços e sem crença. Um retrato de muitos dos adultos maduros de nossa Era.

Daphne (Reino Unido, 2017)
Direção: Peter Mackie Burns
Roteiro: Nico Mensinga
Elenco: Emily Beecham, Geraldine James, Tom Vaughan-Lawlor, Nathaniel Martello-White, Osy Ikhile, Sinead Matthews, Ryan McParland, Ritu Arya, Richard Banks, Corinna Brown, Gary John Clarke, Maurisa Selene Coleman, Karina Fernandez, Erica Guyatt, Timothy Innes
Duração: 88 min.

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