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Crítica | “David Bowie” – David Bowie (1967)

por Luiz Santiago
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estrelas 4

[meu disco de estreia…] parecia ter raízes em todos os lugares, do rock, vaudeville ao music hall. Eu não sabia se era Max Miller ou Elvis Presley.

David Bowie

A definição do biógrafo David Buckley no livro Strange Fascination: David Bowie: The Definitive Story (1999) para este disco de estreia de David Bowie, lançado em 1º de junho de 1967 pela Deram Records (mesmo dia de lançamento do aclamado Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band), dá a real sensação do ouvinte ao ter contato com o disco, especialmente se este ouvinte conheceu o artista a partir do glam dos anos 70: “o álbum é o equivalente em vinil da mulher louca no sótão“.

É realmente estranho ouvir esse disco tendo em vista a essência da obra posterior de Bowie. Ao longo dos anos, os fãs e o próprio cantor escantearam o disco por completo. Bowie jamais o incluiu em relançamentos especiais e poucos foram os que falaram bem da obra. Mas o fato é que esta estreia é a produção mais subestimada do Camaleão. Ponto. Para ouvi-lo como se deve, deixe de lado a imagem experimental do artista a partir do disco de 1969. Lembre-se da caraterística do pop dos anos 1960 e o quanto ele estava pleno de influências, mudando, adquirindo camadas e possibilidades. Sem essa contextualização, David Bowie (1967) jamais  será uma boa audição, porque não soa como o David Bowie que conhecemos.

Nas poucas vezes em que falou sobre o disco, o artista comentou sua grande influência musical à época, direta e indireta. Para não fugir muito ao escopo, vamos a alguns elementos musicais facilmente reconhecíveis no disco e que não negam a influência de artistas como Anthony Newley, Tommy Steele e da banda The Kinks (principalmente os álbuns Kinda KinksThe Kink Kontroversy e Face to Face). Alguns até apontam o Pink Floyd como uma influência nessa estreia, mas isso não existe. Bowie só traria elementos do Floyd (mais especificamente dos discos The Piper at the Gates of Dawn e A Saucerful of Secrets) em 1969, quando mudou completamente de direção em relação ao seu debute.

Mas a questão é: David Bowie (1967) é um disco bom? E a resposta é óbvia (ou surpreendente, dependendo da visão do leitor e ouvinte): sim, o disco é bom! Muito bom, por sinal! Dentro do popular barroco que é o principal gênero-guia das 14 músicas que formam o disco (a versão Deluxe lançada em 2010 tinha 25 faixas, mas essas “extras” não contam como análise para o disco original) todas elas compostas por Bowie, que além da voz, também fez os arranjos (ao lado de Dek Fearnley) e tocou violão e saxofone, o disco funciona muito bem. Contra ele, podemos dizer apenas que falta coesão musical e lírica. Em contrapartida, em todas as faixas temos grandes execuções, além de interessantes letras.

Sobre a falta de coesão musical e lírica, sinceramente, o peso foi bem menor nas minhas audições do que a preguiça da produção em faixas como Love You till Tuesday e She’s Got Medals, por exemplo. Com isso, quero dizer que o fato de o álbum ser uma mistura caótica de várias ideias aleatórias, não significa que ele é ruim e nem mediano, porque cada uma dessas ideias são bem executadas, mesmo dentro de uma certa “simplicidade”, como muitos apontam em Love You till Tuesday. Todavia, se ouvirmos com atenção, veremos que o cantor executa diferentes sotaques ao longo dos versos e que a orquestração final acrescenta um tom de cinismo ao romance que definitivamente fará rir quem entender a piada musical. E vejam que esta é uma das faixas mais “simples”.

A deliciosa Rubber Band é uma outra piada, novamente com uma história de amor, mas envolvendo a 1ª Guerra Mundial e uma desilusão bem representada pelo órgão onipresente na faixa e a percussão em marcha. A profusão de ideias e abertura para diversos gêneros são o núcleo dessas canções, como vemos nas duas excelentes valsas do disco, Little Bombardier e Maid of Bond Street; ou como a semi-cantada e semi-falada Please Mr. Gravedigger (por favor, prestem atenção nessa história e na forma como a faixa foi produzida!); ou como Uncle Arthur e Join the Gang, que misturam elementos de folk music com distintos andamentos e arranjos e possuem concepções rítmicas adoráveis; ou como a bela execução ao violão feita em Come and Buy My Toys; ou como We Are Hungry Men, a canção-noticiário extremamente crítica citando canibalismo, super-população mundial, aborto e infanticídio… Vejam que tudo isso está em um álbum considerado “menor” do artista! É realmente difícil encontrar um produto realizado por David Bowie do qual não se possa tirar bons exemplos musicais, boas letras e boas performances.

Dois alter-egos são criados pelo cantor já neste primeiro lançamento, o ‘Homem na Lua’, em Love You Till Tuesday e o ‘Messias’, em We Are Hungry Men. Além disso, Frankie Mear, o Little Bombardier, apesar de não ser um alter-ego, representa a essência do trabalho de Bowie com personagens que tem suas vidas abaladas por alguma coisa violenta (nesse caso, a guerra); conseguem, por sorte, alguma felicidade na vida (nesse caso, a amizade de duas crianças), e tem essa felicidade negada ou acabada por quem os vê apenas de fora e com maus olhos (o policial que acha que Frankie é um molestador de crianças). Um eu lírico que não se encaixa em um ambiente e vivem fugindo… parece David Bowie, não parece?

Embora em um caos de ideias e gêneros, Bowie fez uma estreia que deveria sim ser redescoberta, porque fala muito mais do que aparenta. O cantor começava a carreira em um caminho musical completamente diferente, mas com uma forma poética que não nega nada a personalidade do Camaleão das Estrelas que se revelaria em breve. E para sempre.

Aumenta!: Come and Buy My Toys
Diminui!: —
Minhas canções favoritas do álbum: Rubber Band  e  Maid of Bond Street 

David Bowie
Artista: David Bowie
País: Reino Unido
Lançamento: 1º de junho de 1967
Gravadora: Deram
Estilo: Baroque pop, Music hall

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