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Crítica | Daytripper

por Bruno Cavalcanti
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A morte é um fato. Todos sabemos que ela vai acontecer, mas nunca acreditamos quando acontece. Nos chocamos e sofremos quando ela chega. E ela sempre chega. Para crianças, que nem tiveram tempo de sonhar. Para adolescentes, que ainda estavam fazendo planos. Para adultos, em sua idade mais produtiva. Para idosos, que acumularam sabedoria por toda a vida e agora não terão tempo para fazer uso dela.

Talvez a parte da morte que mais cause sofrimento seja a dúvida. Por mais fé em qualquer abordagem que um indivíduo tenha, sabemos em nosso íntimo que não temos certeza se um dia veremos novamente aquela pessoa querida que se foi. Os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá nos trazem então um belíssimo ponto de vista, que sem se prender a nenhuma religião ou dogma, consegue confortar e mostrar beleza, até mesmo na morte. Trata-se de um produto da Nona Arte com potencial de mudar a sua vida e te dar, através da morte, uma nova visão sobre a vida.

Daytripper foi lançada nos Estados Unidos pela editora Vertigo, entre 2010 e 2011, em 10 volumes. Apesar de ter nome de música dos Beatles, é uma obra genuinamente brasileira, não só pela nacionalidade dos autores, mas porque a história se passa em um Brasil riquissimamente ilustrado e com personagens também brasileiros. Brás, inclusive, nosso protagonista, é uma homenagem direta ao clássico de Machado de Assis.

Sobre a história, não temos muito tempo para nos ambientarmos. Já no final do primeiro capítulo, vemos a morte de nosso protagonista. (E isso não é bem um spoiler, acredite). Incrédulos, perplexos, ficamos pensando em por que aquilo aconteceu e em quão injusto pode ser o mundo. Não obstante, indagamos mentalmente sobre o que teremos agora nos outros nove capítulos que ainda nos aguardam.

Testemunharemos então em cada um deles, outros momentos marcantes da vida de Brás: viagem, família, relacionamento, infância, paternidade. Belas histórias que nos tocam por se aproximarem de situações que a maioria de nós vivenciou ou ainda vai vivenciar. Belas histórias que compartilham o mesmo final. Um final simultaneamente previsível, se olhado do ponto de vista de nossa mortalidade, mas inesperado, pois abrevia sempre a história do personagem, que analogamente, pode ser a nossa própria.

Este talvez seja o grande trunfo de Daytripper. A narrativa consegue nos colocar “em tempo real” no lugar de Brás, sem que nos deixemos de nos importar com ele. Um personagem carismático que curiosamente está dando sua vida para ensinar que somos os protagonistas das nossas. Nos ensinar e nos fazer pensar sobre as coisas que realmente importam. Que independente de como seja o fim, o que vem antes dele depende exclusivamente de nós mesmos. Esta é a parte importante.

E aí vem o final. Não, a morte não é o final em Daytripper. Depois de se acostumar com os desfechos póstumos de cada capítulo, os autores ainda conseguem encerrar a história surpreendendo o leitor com um primoroso e emocionante ponto de vista sobre a relação nem sempre fácil entre pais e filhos. Um final digno e coerente com toda a proposta da obra. Artisticamente sensível e belo, com diálogos simples, mas dosados com precisão, a obra alcança um patamar de obra-prima, justificando todo seu sucesso e transcendendo de uma singela e bem construída história em quadrinhos para quem sabe uma obra capaz de nos dar um sentido a própria existência.

Daytripper —EUA – 2011
Autores: Fábio Moon e Gabriel Bá
Editora original: Vertigo
Datas originais de publicação: 2011
Editora no Brasil: Panini – 2016
Páginas: 260

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