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Crítica | Demolidor: O Homem Sem Medo, por Frank Miller e John Romita, Jr.

por Ritter Fan
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O Demolidor é, sem dúvida alguma, um dos heróis da Marvel mais abençoados em termos de times criativos que passaram por suas páginas. Basta ver sua história de 1963, ano de sua criação, até 1979 e, especialmente, de 1979 até basicamente os dias de hoje para notar a quantidade de grandes nomes dos quadrinhos que emprestaram sua arte ao demônio cego protetor da Cozinha do Inferno. É quase que sem precedentes na história editorial de personagens mainstream.

daredevil matt final

Primeira página: Matt criança

Sem dúvida alguma, de todos os grande autores que deram vida à Matt Murdock, Frank Miller é, provavelmente, o mais importante. Em sua primeira e mais longa permanência com o Demolidor, Miller ficou de 1979 a 1983, transformando o personagem de um herói padrão para algo especial e que viria a moldar sua própria essência. Depois, em 1986, Miller, dessa vez acompanhado de David Mazzucchelli, volta para o relativamente breve, mas absolutamente marcante e inesquecível arco conhecido como A Queda de Murdock, levando o herói ao inferno e trazendo-o de volta.

Pouco mais de sete anos depois, Frank Miller voltaria para contar, de forma definitiva, a origem do Demolidor, em uma minissérie em cinco edições intitulada simples e aptamente de O Homem Sem Medo. John Romita, Jr. é o desenhista que o acompanha dessa vez e o artista estava no auge de sua forma, produzindo um de seus mais aclamados trabalhos.

O objetivo de Frank Miller, ao voltar para o herói que literalmente recriou, foi botar ordem na casa. Ele já havia reformulado completamente a origem do herói, dando corpo à vida pré-Demolidor de Matt Murdock, mas nunca de maneira completa e dedicada. Como ele havia feito justamente isso em 1987 ao escrever o arco Ano Um, na revista do Batman, no ano seguinte em que lançou a inesquecível Batman – O Cavaleiro das Trevas, resolveu fazer a mesma coisa com o Demolidor. Ou quase a mesma coisa.

É que Ano Um, como o nome diz, trabalha o início da carreira de Bruce Wayne como o Batman. O Homem Sem Medo começa antes, uma espécie de Ano Zero, em que vemos, em detalhes, como era a vida de Matt Murdock antes até do acidente com lixo radioativo que lhe tirou a visão. Vemos o menino Matt Murdock. Amado pelo pai que o mantém estritamente na linha como jovem estudioso para impedir que ele siga pelo seu caminho, Matt já demonstra seu lado destemido desde o começo, com Miller fazendo agradáveis e inteligentes ligações com seu ainda distante futuro como Demolidor, incluindo o uso de máscara, do cassetete e o apelido Daredevil que ganha dos valentões da escola . Vem então o acidente, o envolvimento de seu pai com a máfia, a descoberta de poderes e o treinamento com Stick, um ninja que vê potencial no garoto.

Em apenas cinco edições, Miller não tem muito tempo a perder. Ele basicamente dedica, de maneira estanque, um número para cada assunto. O primeiro lida com o acidente e treinamento com Stick, além da morte do pai; o segundo com a vingança de Matt, sua ida à faculdade de Direito e amizade com Foggy e o primeiro encontro com a misteriosa Elektra Natchios; o terceiro com o romance com Elektra e o surgimento do Rei do Crime; o quarto com a vida adulta de Matt e sua amizade com uma menina chamada Mickey que é sequestrada e o início de seu resgate e, finalmente, no quinto, o encerramento do resgate de Mickey.

Daredevil page final

Reparem os traços de Romitinha

Os únicos dois números que fluem direta e facilmente de um para o outro, contando duas partes de um mesmo mini-arco, são os dois finais, em que vemos nascer um protótipo do Demolidor. Nos demais, torna-se essencial o conhecimento do trabalho anterior de Frank Miller, pois o autor não entra nos detalhes, apenas nos deixa entrever o que ele já desenvolvera antes. Dentro da proposta de Miller, seu trabalho funciona muito bem, mas o leitor tem que ter em mente que ler O Homem Sem Medo sem antes conhecer o resto do trabalho de Miller (basicamente seu envolvimento com Elektra na saga da primeira metade da década de 80 e com o Rei do Crime no arco de 1986) é como ver um filme a partir da sua metade ou até sua metade. Muita coisa fica subentendida e até incompleta.

De toda forma, trata-se de mais um trabalho corajoso de Frank Miller à frente do Demolidor. Afinal de contas, com exceção das capas de cada número e da última splash page do último número, não vemos Matt Murdock de uniforme. O máximo que ele chega a vestir é uma roupa preta improvisada, com um lenço no rosto que lembra o do Punho de Ferro. E é esse um dos elementos que faz dessa minissérie uma leitura fascinante. Nós esperamos ver o Demolidor como o conhecemos, mas facilmente nos esquecemos do herói e olhamos a pessoa. Detidamente. Detalhadamente.

Conhecemos o Matt criança, o Matt adolescente, o Matt jovem adulto e, finalmente, o Matt herói. É um crescimento e um desenvolvimento orgânico, crível e muito bem construído. Aprendemos primeiro a gostar do ser humano falho para depois descobrirmos o herói invencível. Essa humanidade que Miller já havia emprestado ao herói em seus arcos narrativos fica muito evidente aqui, com todo o esforço do autor em nos fazer esquecer do Demolidor de vermelho (ou de amarelo, depende) e nos fazer lembrar do homem por detrás da máscara. Esse é um enfoque que não seria possível nos primórdios do trabalho de Miller, mas que, em 1993, depois de ter provado que seu toque mágico era capaz de reerguer qualquer herói, era simplesmente o caminho natural a se tomar.

Daredevil Elektra final

O primeiro encontro de Matt e Elektra

E John Romita Jr., nos desenhos, não poderia ter sido uma escolha melhor. Com seus famosos traços cheios de “rabiscos”, ele consegue dar uma dinâmica fenomenal a toda à obra, mesmo quando ele trata de quadros estáticos, apenas com diálogos. E, seguindo a linha de não mostrar o herói uniformizado, Romitinha não trabalha o famoso radar do Demolidor desenhando-o nos quadros. Particularmente, nunca gostei da representação do radar em desenho e em O Homem Sem Medo, o desenhista simplesmente trabalha com rostos, passos e muito silêncio, sem nem mesmo onomatopeias. Uma perfeita maneira de nos passar, visualmente, a cegueira de Matt.

A Elektra de Romitinha também é um espetáculo à parte, com um enorme cabelo esvoaçante negro que ao mesmo tempo é usado para dar relevo à sensualidade da assassina ninja e para marcar seu perigo e sua violência. Aliás, a violência gráfica é algo do que o artista não foge. Ao contrário até. Ele encara o desafio de frente e mostra aquilo que precisa mostrar para dar efetividade aos seus quadros. Nem mais nem menos. Assim, mesmo sem fazer as páginas sangrarem como alguns de seus pares, ele consegue transmitir o que precisa aos leitores.

Com O Homem Sem Medo, Frank Miller encerraria sua brilhante carreira diante de um dos mais famosos heróis da Marvel. Um herói que ele destruiu, refez e reconstruiu, legando aos autores que se seguiriam, o enorme ônus de manter a qualidade de seu trabalho. E, convenhamos, eles conseguiram, pois, com exceção de alguns baixos, os anos seguintes seriam repletos de altos muito altos.

Demolidor: O Homem Sem Medo (Daredevil: The Man Without Fear, EUA)
Roteiro: Frank Miller
Arte: John Romita, Jr.
Editora (nos EUA): Marvel Comics
Editora (no Brasil): Panini (houve outras)
Lançamento (nos EUA): outubro de 1993 a fevereiro de 1994
Lançamento (no Brasil): julho de 2009 (edição mais recente, encadernada, da Panini)
Páginas: 148 páginas

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