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Crítica | Demônio (2010)

por Leonardo Campos
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Experimente trocar o elevador contemporâneo pela barca do Auto escrito por Gil Vicente no período histórico que convencionamos chamar de Humanismo. A lógica é a mesma, isto é, tal como na peça do português, temos no filme produzido por M. Night Shyamalan, um grupo de pessoas pecadoras que são julgadas pelo administrador do mitológico “inferno”: o diabo, ser que aqui não veste Prada, tampouco é acompanhado por um competente advogado, faz a festa infernal dentro de um elevador num luxuoso edifício empresarial na Filadélfia. Parte integrante das Crônicas da Noite, projeto de Shyamalan em seu momento preambular quando lançado em 2010, Demônio nos apresenta uma narrativa organizada em torno de personagens que são penalizados dentro do esquema “crime e castigo” de nossa sociedade. Focada numa história da mitologia sul-americana, a produção deflagra a passagem da entidade sobrenatural em nosso plano, focada na busca por almas de indivíduos condenados.

Neste processo, claro, a presença maligna faz o seu trabalho e permite que o roteiro de Brian Nelson estabeleça uma série de alegorias sobre relacionamentos interpessoais, culpabilidade, lei do retorno, dentre outros tópicos que tornam a narrativa empolgante como entretenimento e com algumas doses de reflexão para aqueles que também estão interessados em problematizar o seu material diletante de consumo. Dirigido por John Erick Dowdle, o filme começa com uma citação bíblica, do livro Pedro, capítulo 05, versículo 08. Na menção, temos como destaque: “estejam alertas e vigiem (…) o Diabo, o inimigo de vocês, anda ao redor como leão, rugindo e procurando a quem possa devorar”. Assustador, não? É com esse direcionamento que o filme avança, narrado por uma voz que descobriremos, logo adiante, ser de um dos vigilantes do edifício, Ramirez (Jacob Vargas), um homem de fé e temente ao que é proveniente do demoníaco. Ele é quem tenta o tempo inteiro reforçar o caráter da situação sobrenatural que testemunha, descredibilizado pelos demais até o desfecho cheio de revelações.

De cabeça para baixo, o filme já abre e se estabelece como uma narrativa onde as coisas parecem estar todas fora do lugar. Os acordes intensos, mescla de metal com sopro, oriundos da textura percussiva de Fernando Velázquez, condutor da trilha sonora, estabelecem o clima soturno. Um suicídio coloca o detetive Bowden (Chris Messina) no caso, aparentemente uma cena de crime, situação que se revela ser algo muito mais transformador para as vidas de todos os envolvidos. O homem que se jogou do 35º andar deixou um bilhete tenebroso, algo que leva algum tempo para ser devidamente interpretado, período suficiente para as forças das trevas cumprirem a missão agendada para aquele dia. Com necessidades dramáticas devidamente definidas, Bowden é um alcoólatra em recuperação. Há cinco anos, sua esposa e filho foram vítimas de um sinistro de trânsito com resultados fatais. O pior: a pessoa responsável por tudo fugiu da cena e deixou para trás apenas um bilhete com escrito “me desculpe”.

Voltemos ao presente. Cinco pessoas adentram o elevador para resolverem as suas questões no tal edifício. Eles não se conhecem e estranhamente, um solavanco ocorre como o preâmbulo para a fixidez do meio de transporte vertical dos transeuntes do empreendimento. Lá, a fé, a resignação, os segredos e os medos de todos serão testados, indivíduos acossados num espaço claustrofóbico, captado de maneira bastante eficiente pela direção de fotografia espetacular de Tak Fujimoto, adequada ao se movimentar cautelosamente pelo elevador cenográfico e permitir que as sensações já esperadas pelos espectadores sejam transformadas em angústia. Tudo isso é fruto do design de produção de Martin Whist e dos efeitos visuais supervisionados por Rocco Passionino, setores que transformam as paletas e ampliam os significados das paletas apresentadas em Demônio, filme que também ganha pontos por seu assertivo design de som, assinado por Kelly Oxford. Som e imagem, justapostos, transformam a experiência estética da produção em algo bem acima da média.

No que concerne aos aspectos dramáticos, por qual motivo esses personagens foram colocados no interior de um elevador? Todos são pecadores, descobriremos, mas um deles é o próprio Diabo, personificado. Será a moça que foi presa por chantagear homens casados? A idosa ladra pode ser uma suspeita convincente? O vendedor que abalou a vida de tantas pessoas com esquemas de agiotagem é quem está por detrás de tudo? Será o recepcionista do edifício que no passado, teve em sua ficha criminal o ataque a uma pessoa com um taco de beisebol? Ou devemos desconfiar mais do mecânico que esconde um trauma do passado que possui ligação direta com os conflitos psicológicos do detetive Bowden? Você, caro leitor, se não conhece, precisará assistir até o desfecho para compreender as conexões desse filme que não faz feio em contar uma história com coesão e mesmo moralista em suas interpretações, cria uma atmosfera de terror que faz jus ao seu título, Demônio, um entretenimento sagaz e inteligente.

Interessados em saber quem comanda esse “Auto do Elevador Infernal”?

Demônio (Devil) — EUA, 2010
Direção: John Erick Dowdle
Roteiro: Brian Nelson
Elenco: Bojana Novakovic, Bokeem Woodbine, Caroline Dhavernas, Chris Messina, Geoffrey Arend, Jacob Vargas, Jenny O’Hara, Joe Cobden, Joshua Peace, Logan Marshall-Green, Matt Craven
Duração: 85 min.

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