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Crítica | Desventuras em Série – Vol.1: Mau Começo, de Lemony Snicket

por Luiz Santiago
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Lemony Snicket é o pseudônimo do escritor Daniel Handler. Enquanto procurava uma editora para publicar o seu primeiro romance, The Basic Eight (lançado em 1998, pela Thomas Dunne Books), Handler recebeu da Harper Collins uma carta dizendo que não havia interesse do grupo em lançar um romance adulto, mas que estavam procurando escritores para um romance infantil. O autor respondeu dizendo que não tinha nenhuma experiência no ramo, mas foi incentivado pela seguinte frase “escreva algo que gostaria de ter lido quando tinha cerca de 10 anos”. Adaptando trechos não acabados de escritos aposentados em sua gaveta, o autor deu início à famosa saga Desventuras em Série, que estreou com o volume Mau Começo, em 1999.

Talvez por não ser, à época, um escritor infanto-juvenil estabelecido e por adentrar pela primeira vez ao gênero, Lemony Snicket conseguiu trazer um grande número de inovações para a construção da história dos irmãos Violet, Klaus e Sunny Baudelaire (sobrenome como referência propícia ao escritor de As Flores do Mal), que recebem do Sr. Poe, o executor do testamento da família, a informação de que seus pais haviam morrido no incêndio que destruíra a casa.

O elemento metalinguístico está presente em brincadeiras à la “psicologia reversa”, que consistem no autor falar diretamente ao leitor, dando conselhos para largar o livro e avisando o quanto a trama será desagradável, cheia de coisas impensáveis e não prazerosas. Quando não faz isso diretamente, ele coloca o chamado em reflexões que apontam para o mesmo caminho, como no trecho abaixo:

Há muitos tipos de livros no mundo, o que faz sentido, porque há muitos e muitos tipos de pessoas, e os gostos são diferentes. Por exemplo, pessoas que detestam histórias em que acontecem coisas horríveis a criancinhas deveriam fechar este livro imediatamente.

Embora o livro traga provocações frequentes em obras deste público-alvo, existem inúmeras pistas inseridas para leitores mais velhos e experimentes. Aqui, eu poderia começar pela característica das “virtudes” de cada um dos irmãos, sendo Violet a parte prática desse universo, Klaus a parte teórica e Sunny a força física, mesmo que reduzida a quatro dentes afiados. Em complemento, a referência a Edgar Allan Poe e ao poeta Edgar Albert Guest, representados nos nomes dos filhos do Sr. Poe, ou a referência ao Big Brother de 1984, através a fixação do Conde Olaf por olhos, são piscadelas para um outro tipo de leitor, além dos adolescentes.

Como os momentos felizes são pouquíssimos ao longo do livro e aprendemos a sofrer e odiar os personagens coadjuvantes (exceto a Juíza Strauss), a sensação que a leitura nos dá é que a investigação em paralelo feita pelo próprio autor e a forma como o drama dos irmãos nos é apresentado coloca público como um tipo de detetive, ou talvez um “espectador para palpites”, recurso dinâmico que, ao contrário das chamadas do tipo “não leia este livro“, jamis enjoam.

SPOILERS

Depois que o Conde Olaf, na última tentativa de colocar as mãos na herança das crianças, força-os a encenar uma peça chamada O Casamento Maravilhoso, dois problemas nos ocorrem. O primeiro, que a justificativa para a falha no plano de Olaf é… boba demais. Fácil demais. Depois de toda a jornada, confesso que me incomodou ver alguém tão brilhante quanto Violet sair com “eu assinei com a mão errada, então o casamento não está valendo“. O segundo problema é a construção do personagem Conde Olaf.

Na maior parte do livro o leitor está diante de construções sólidas de eventos e personagens. A escrita de Snicket é exigente no encadeamento dos fatos, no cultivar do nosso ódio pelo Sr. Poe e na representação física, psicológica e emotiva das figuras que compõem livro. Para a maioria também existe um motor de ação, especialmente para as três crianças. Mas o Conde Olaf, o vilão da história (embora eu ainda consiga odiar o Sr. Poe um pouquinho mais que ele) e sobre quem o texto deveria ter dissecado componentes do passado, trazendo coisas que nos dissessem o porquê agia daquela maneira, simplesmente não ocorre. Eu já sei que mais informações serão dadas sobre ele no futuro da série, mas a ausência de algo maior já nessa estreia é sentida.

A tradução brasileira, realizada por Carlos Sussekind é bastante satisfatória e o tradutor foi bastante feliz nas escolhas feitas para adaptar os inúmeros jogos de palavras que o original tem, mas que não fariam nenhum sentido em uma tradução literal, dada a diferença de raiz gramatical entre as duas línguas (anglófona e lusófona). Algumas dessas brincadeiras são aproveitadas com o máximo de aproximação possível. Em outras, o tradutor conseguiu achar caminhos bem interessante para substituí-las.

Mau Começo vem com uma chave de prata para entrarmos na saga. A trama é divertida, cheia de boas ideias e um senso de cumplicidade que criamos com os irmãos para vencer seus obstáculos que nos engaja na trama, à medida que também investigamos, que damos palpite e que odiamos o Sr. Poe. Ao cabo, concluímos que este é o livro perfeito para pessoas lamentosas que vivem dizendo que não aguentam mais sofrer. Sabem de nada, inocentes.

Desventuras em Série: Mau Começo (A Series of Unfortunate Events: The Bad Beginning) – EUA, 30 de setembro de 1999
Autor:
Lemony Snicket
Ilustrador: Brett Helquist
No Brasil: Cia. das Letras, 2001
Tradução: Carlos Sussekind
150 páginas

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