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Crítica | Deuses do Egito

por Leonardo Campos
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Sabe aquelas apresentações de trabalhos estudantis que, em detrimento do conteúdo exposto, focam mais nos efeitos do power point e tornam tudo risível e tedioso? Essa talvez seja a relação mais próxima a se fazer ao assistir as longas cenas de batalha deste tedioso épico. Dirigido por Alan Proyas, de O Corvo, Deuses do Egito já coleciona uma série de polêmicas logo em seus primeiros momentos de exibição pública: a crítica se dividiu em detonar o filme pela sua falta de qualidade no que diz respeito ao roteiro, entretanto, mais grave ainda, é a crítica acerca do habitual transformação da narrativa em uma exposição de personagens africanos embranquecidos.

Prestes a se tornar rei, o deus Horus (Nikolaj Coster-Waldau) tem os seus olhos arrancados por seu tio Set (Gerard Butler), o deus da escuridão. Decidido a usurpar o trono, o “escurecido” e poderoso tio bane o sobrinho do reino, transformando o local em uma terra de escravidão e ode ao ouro. Para tentar recuperar a coroa, Horus vai contar com o apoio de Bek (Brenton Thwaites), um ladrão bondoso dedicado a salvar a vida da sua amada “mortal”, ferida durante uma das numerosas cenas de fuga e perseguição do filme.

Como filme, Deuses do Egito é uma piada enorme, daquelas bem mal contadas, todavia, há algumas coisinhas que o tornam possível de não ter uma síncope durante a sessão: a versão cinematográfica da sala das Duas Verdades. O clima estabelecido e os efeitos especiais razoáveis tornam este trecho minimamente interessante.

De acordo com a mitologia egípcia, ao chegar ao local depois da morte, a pessoa é julgada sob o olhar do deus Osíris e mais 42 juízes. O coração é colocado na balança, tendo como contraponto uma pluma. Se o coração pesar mais, a pessoa é transformada em um demônio e condenada a vagar pelos caminhos do mal. Se der o contrário, a pessoa ganha a vida eterna de paz num local de brilho intenso. Mais próximo da mitologia cristão que prega o paraíso x inferno, impossível.

No filme, a passagem para o paraíso depende da quantidade de ouro que o individuo tenha para garantir a sua vida após a morte. São as indulgências, como aprendemos nas aulas de história do Ensino Médio, quando os professores retratavam a Idade Média, lembra-se? Esse trecho é curioso e desperta certo interesse. Vamos, então, aos problemas, haja vista que as boas qualidades já foram apresentadas.

Há, no filme, um excesso de exibição dos torsos masculinos. Problema em apresentar a beleza dos homens? Não, principalmente se eles forem interessantes como o hedônico Gerard Butler. O grande problema é que isso tornou-se o centro nervoso da trama, em detrimento do roteiro, um fiapo de texto que nos oferece tediosas cenas de ação que parecem intermináveis.

O roteiro é fraco, quase um chá, se comparássemos com outras tramas épicas de estilo “café”. Os produtores, mais preocupados com os efeitos e as cenas de ação, transformaram o filme numa longa partida de videogame, esquecendo que a proposta é cinematográfica. Nada contra o estilo, pois tramas como Corra Lola, Corra conseguiram pegar a “essência” dos games e trazer para o formato cinematográfico, mas falta bom senso no kitsch Deuses do Egito.

Falando em kitsch, nada contra o estilo. Moulin Rouge – Amor em Vermelho, talvez o maior manifesto cinematográfico contemporâneo, é a representação máxima do kitsch, o que não o impediu de ser uma das obras mais versáteis e belas do cinema dos anos 2000. Uniu linguagem do cinema com estética barroca, cultura do videoclipe e da publicidade, associado ao estilo romântico na pintura e na literatura, e mesmo assim, dentro do seu “desiquilíbrio”, conseguiu mostrar que uma trama bem dirigida pode arriscar a mescla de estilo sem prejudicar o roteiro. O contrário, entretanto, acontece no épico situado no Egito.

Por fim, mas não menos importante na lista de problemas, há a tradição hollywoodiana na representação dos personagens. Australianos, escoceses e ingleses assumem a centralidade narrativa em uma trama situada ao norte da África. Preso aos padrões de Cleópatra, Os Dez Mandamentos, O Príncipe da Pérsia e tantos épicos do mesmo quilate, o filme não se preocupa com tornar a narrativa diferenciada, de acordo com a demanda contextual de um mundo globalizado e multicultural. Seria a falta de atores negros para ocupar papeis de destaque no filme?

Sabemos que não. Os deuses do Egito devem estar se contorcendo no alto de seus respectivos postos. O espaço cênico ganhou uma versão cinematográfica nacional horrenda com o “picotado de novelinha” Dez Mandamentos, agora temos como referência esse épico que quase nos cega de tanto brilho oriundo do ouro.

Voltando ao que foi abordado na abertura da crítica, Deuses do Egito é uma espécie de apresentação de power point ruim: muitos efeitos, com alguns momentos que parecem nos oferecer algo interessante, mas que se perdem com os efeitos exagerado à seguir. São 100 minutos de muita afetação, diálogos bizarros e passagens pouco brilhantes (metaforicamente), até porque ouro é o que não falta.

E mais uma vez, já assistiu às infames apresentações de trabalho com o fundo branco e as letras amarelas? Pois é, Deuses do Egito é assim, tão dourado que não nos permite enxergar o conteúdo, o não desenvolvimento dos seus personagens e possíveis questões políticas que poderiam permitir uma associação metafórica entre os temas do passado e as bifurcações sociais do presente. Em suma, desperdício de dinheiro numa trama que tinha tudo para ser muito mais envolvente.

Deuses do Egito (Gods of Egypt) – Austrália / EUA, 2016.
Direção: Alex Proyas
Roteiro: Burk Sharpless e Matt Sazama
Elenco:  Nikolaj Coster-Waldau, Brenton Thwhaites,  Courtney Eaton, Gerard Butler, Elodie Yund, Geoffrey Rush, Rufus Sewell, Bruce Spence, Bryan Brown, Chadwick Boseman
Duração: 127 min.

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