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Crítica | Django/Zorro (graphic novel)

por Ritter Fan
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estrelas 4,5

A reunião de Django com Zorro em uma graphic novel parece uma daquelas coisas mais óbvias do mundo depois de feita, mas que ninguém em sã consciência imaginaria de antemão. E o melhor é que Quentin Tarantino, escrevendo roteiro original de quadrinhos pela primeira vez e em parceria com Matt Wagner, autor do revival de Zorro pela Dynamite Comics, respeita a mitologia dos dois heróis, um criação recentíssima do próprio Tarantino e outro próximo a completar 100 anos(!!!) desde sua primeira aparição em All-Story Weekly, de agosto de 1919 pela mente criativa de Johnston McCulley, prolixo autor de obras pulp da época.

Com isso, o resultado é uma graphic novel que funciona – e foi anunciada como sendo – como uma continuação de Django Livre, filme de 2012 e primeiro faroeste de Tarantino cujo roteiro original pré-filmagem foi convertido em outra graphic novel excepcional, cuja crítica pode ser lida aqui. Além disso, Django/Zorro funciona como uma continuação ou, melhor dizendo, uma espécie de epílogo para a carreira heroica de Don Diego de la Vega, o precursor das identidades opostas quando com e sem uniforme, como Clark Kent/Superman, Bruce Wayne/Batman e Peter Parker/Homem-Aranha.

E por que epílogo? Porque Tarantino e Wagner são cuidadosos em localizar temporalmente os dois protagonistas, evitando invencionices. Django tem sua origem em 1858 e a história que vemos se passa alguns anos após os eventos do filme e Zorro tradicionalmente tem sua época de atuação traçada justamente até a primeira metade do século XIX, donde se conclui que, para o encontro fictício acontecer sem que as mitologias sejam feridas de morte, Don Diego de la Vega deveria estar já mais velho, ao final de sua carreira, exatamente o que Tarantino e Wagner fazem em sua narrativa.

Como inicialmente Os Oito Odiados era para ser uma espécie de continuação de Django Livre, não é surpresa alguma ver que a HQ começa exatamente igual ao segundo faroeste de Tarantino: um pistoleiro (Django) para uma carruagem no meio-oeste americano dizendo que seu cavalo morrera e nela embarca de carona com seu aristocrático passageiro (Don Diego). As semelhanças acabam aí, mas não dá para esconder aquele sorriso de reconhecimento que o leitor terá se souber um pouquinho da gênese do oitavo (mas, na verdade, nono) filme do diretor. De toda sorte, depois de revelar suas verdadeiras intenções e atuar de acordo, Django chama atenção de Don Diego e o segundo propõe ao primeiro que atue como seu guarda-costas em uma missão que tem pela frente. Hesitantemente, Django aceita e ambos partem para a propriedade do Arquiduque do Arizona, Gürko Langdon, em época anterior à anexação oficial do território aos Estados Unidos (o que só aconteceria em 1912).

E é na construção de Langdon que percebemos o lado “tarantinesco” do roteiro, já que o personagem, sinistro desde sua introdução, tem uma complexa história pregressa de anos em que ele forja sua “herança” e, por consequência, seu título nobiliárquico. Contados em longos flashbacks, o maior deles logo no segundo número da HQ, a “origem” de Langdon consegue ser ainda mais fascinante do que a parceria entre Django e Zorro, já que os roteiristas costuram uma rica história que leva em consideração fatos históricos como a dominação da Coroa Espanhola de boa parte do território que hoje forma os EUA, além de aspectos fictícios presentes nos mais intrincados filmes de intriga palaciana.

Poder-se-ia dizer que a atenção exacerbada dada a Langdon no passado está em descompasso com a proposta da graphic novel, mas a grande verdade é que essa construção toda mostra-se necessária para entendermos o contexto sócio-político da época e a visão escravagista da aristocracia local. E não é que simpatizemos com a situação. Muito ao contrário! O trabalho de Tarantino e Wagner serve justamente para nos deixar enojados assim como toda a delicada e lenta construção de Calvin Candie e do próprio personagem que Django tem que assumir (o de especialista em luta “mandingo”) no terço final do filme serve para nos tirar do estupor e para servir de prelúdio para toda a violência a partir daí. Portanto, se o leitor realmente entender que se trata de um raciocínio “tarantinesco” colocado em forma de quadrinhos, saberá apreciar o que os americanos chama de slow burn da história que faz uso esparso tanto de Zorro quanto de Django em ação e muito menos dos dois efetivamente juntos.

Portanto, o foco, aqui, está nos personagens. Django se beneficia da memória mais recente do filme e ganha menos exposição, mas aprendemos sobre ele aquilo que é necessário mesmo para quem não conhece o personagem: ele é um ex-escravo que, sob os auspícios de um mentor, tornou-se um caçador de recompensas que deixou sua esposa protegida em lugar incerto e não sabido. Don Diego de la Vega, por outro lado, apesar de qualquer leitor de quadrinhos e consumidor de cultura pop tenha mais do que obrigação de conhecer os detalhes sobre o personagem, ganha mais construção que é inserida de maneira inteligente especialmente nos três primeiros números da história. Ao mesmo tempo, a arte de Brennan Wagner passa visualmente exatamente o que é o personagem: um aristocrata delicado durante o dia (o primeiro figurino que ele usa, com direito a sombrinha, já resume exatamente a natureza fantástica do personagem) e um justiceiro vestido de preto que marca suas vítimas com um “Z” de noite.

Mas, claro, parte-se da premissa que pelo menos alguma coisa do centenário personagem tenha ficado guardado no inconsciente coletivo, especialmente a importância de seu criado mudo (sem hífen) Bernardo para Don Diego. O mesmo vale para Django, cujo conhecimento da história pregressa fica por conta do leitor ter ao menos ouvido falar no longa-metragem que o trouxe à vida.

O foco, portanto, fica mesmo em Langdon e seu esquema de décadas para chegar ao ponto em que o encontramos na história. A escravidão também ganha relevo – é o objetivo tanto de Zorro quanto de Django libertá-los -, mas de maneira diferente do tradicional, em que vemos os negros africanos sendo (ab)usados em plantations de algodão. Em Django/Zorro, a força escravocrata tem seu uso em minas de metais preciosos que enriquecem os cofres do arquiduque, algo que é apenas mencionado em Django Livre.

A arte de Esteve Polls, como mencionado, não só trabalha sensacionalmente bem a recriação dos personagens com seus respectivos figurinos, como cria poderosas sequências de ação, normalmente com o uso de splash pages e uma progressão de quadros diferenciada da narrativa, digamos, “normal”, quase que emulando a montagem dos filmes de Tarantino. Há um controle eficiente da narrativa visual especialmente quando diálogos não se fazem presentes, demonstrando um azeitamento entre as duas pontas criativas que ainda é ajudado pelo delicado trabalho de cores de Brennann Wagner, que usa paletas de cores muito características para cada personagem e que formam um conjunto harmônico e muito potente.

Com diálogos elegantes e uma cadência típica de filmes de Tarantino, Django/Zorro é uma graphic novel que se parece muito com um filme do diretor. Tanto que é impossível encerrar a leitura sem imaginar como seria essa dupla nas telonas. Mesmo que nunca a vejamos por lá, a HQ supre parte dessa curiosidade que ela mesmo cria e o próprio Tarantino, em seu prólogo, deixa um teaser sensacional: e se Django se encontrasse com o Cavaleiro Solitário, também conhecido erroneamente por essas bandas como Zorro? Hummm, mais do que interessante, não?

Django/Zorro (EUA – 2014/15)
Contendo: Django/Zorro #1 a #7
Roteiro: Quentin Tarantino, Matt Wagner
Arte: Esteve Polls
Cores: Brennan Wagner
Letras: Simon Bowland
Editoras originais: Vertigo Comics, Dynamite Comics
Datas originais de publicação: de novembro de 2014 a maio de 2015
Editora no Brasil: ainda não publicado no Brasil
Páginas: 306 (versão encadernada americana)

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