Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 10X03: Thin Ice

Crítica | Doctor Who – 10X03: Thin Ice

por Luiz Santiago
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estrelas 3,5

spoilers! Confira todas as críticas para a 10ª Temporada aqui. Confira as críticas para tudo o que temos do Universo de Doctor Who aqui

A maioria dos climatologistas e historiadores concordam que fatores como os baixos ciclos de radiação solar, aumento de atividades vulcânicas, mudanças na circulação das correntes oceânicas, diminuição da população mundial e ajuda das esperadas alterações climáticas que o planeta sofre de tempos em tempos, contribuíram para o que se convencionalizou chamar de “Pequena Era do Gelo”. Criado em 1939 pelo geólogo holandês François E. Matthes, o termo designa um período de comportamento atípico no clima da Terra (a data mais antiga de registro para esta Era é 1300 e a mais recente é 1850), que trouxe invernos ainda mais frios e prolongados para todo o globo, mas especialmente nas áreas para o Norte e Sul dos trópicos de Câncer e Capricórnio. Durante este período, o rio Tâmisa, no Reino Unido, corria mais lentamente (devido a posição dos arcos muito estreitos da Antiga Ponte de Londres) e costumava a congelar. De 1608 a 1814 foram realizadas as Frost Fairs, que consistiam desde acampamentos e atrações de circo até tendas onde se vendiam todo tipo de coisa no leito congelado do rio. Thin Ice, o terceiro episódio desta 10ª Temporada de Doctor Who, se passa no penúltimo dia da última Frost Fair da História: 4 de fevereiro de 1814.

Seguindo-se imediatamente à parada inesperada do Doutor e Bill, após “acalmarem” os emojibots barrigudinhos de Smile, Thin Ice firma aquilo que já havíamos sentido como tom da temporada: um retorno ao modelo de narrativas clássicas da série, mesclando elementos da versão de 1963 – 1989 e da era RTD. Não temos apenas o pequeno caso da semana, mas uma progressiva adição de elementos temáticos desta Temporada, como as lutas internas do Doutor para se encontrar após perder a memória de alguém que amava; o misterioso juramento que o fez se auto-exilar na Terra e o cofre onde [alguém] está guardado. As três batidas (eu contei três!) e o monólogo um pouco raivoso e desesperador de Nardole indicam que existe um perigo grande ou algo muito importante à vista, e isso deve aparecer logo na sequência, vide o título do próximo episódio: Knock Knock.

A estrutura desses capítulos, que é completamente diferente de tudo o que Steven Moffat fez na série até agora, talvez tenha maior impacto porque estamos diante de uma nova companheira e tudo se torna uma grande descoberta. Bill mais uma vez mostra que é uma personagem estupenda e reage com uma naturalidade há muito não vista na série (para falar a verdade, desde Martha Jones, que inclusive teve a mesma preocupação de Bill com sua melanina, em The Shakespeare Code). Sendo o nosso olhar, ela descobre cada espaço, se espanta, se emociona com as mortes — aqui temos uma das poucas vezes em que uma criança realmente morre num episódio da série –, reage com paixão às injustiças e cosias ruins que acontecem ao redor do Doutor. Outra coisa que o roteiro de Sarah Dollard (que também escreveu Face the Raven) nos trouxe, foi a conexão bastante orgânica com os tempos, não só dos dois viajantes, mas a conclusão de tudo, com a inserção de Nardole servindo chá, Bill procurando na internet coisas sobre a “grande serpente do Tâmisa”, a ótima piadinha com a moeda e, claro, a sequência diante do cofre.

O problema de Thin Ice é que exceto as suas ótimas introdução e finalização, não existe grande preocupação em tornar a trama relevante num duplo aspecto: em si mesma e para a temporada. Claro que isso pode ser bem amarrado lá pelos últimos episódios, mas pelo menos aqui, os acontecimentos parecem isolados, como uma espécie de filler de luxo, para ser franco. A diferença é que estamos falando de algo muitíssimo bem dirigido (é a estreia de Bill Anderson na série), muitíssimo bem atuado e com uma direção de arte, figurinos e fotografia novamente impecáveis. Nesse meio, porém, existem coisas que não mostram apenas homenagem, mas estranhas repetições, como o fato de o Doutor novamente deixar uma decisão histórica nas mãos de sua companion, como feito com Clara, Courtney Woods e a astronauta em Kill the Moon.

Há um limite entre a homenagem, a referência e a cópia ou repetição; e o limite é o tipo de uso que se faz desses elementos, depois que eles já apareceram na série. O caso da decisão entregue a Bill se mostra incômodo porque a semelhança não é acompanhada de nada além dela mesma. E vejam que estamos falando de uma companion diferente, com personalidade diferente e em uma situação que merecia sim maior intervenção do Doutor. Eu consegui ver o propósito daquele dilema da Lua-Ovo em Kill the Moon, basicamente parte dos conflitos entre Clara e o Senhor do Tempo. Aqui, porém, isso pareceu solto e, no mínimo, irresponsável. Segue no mesmo caminho o vilão racista e sexista Sutcliffe. A única coisa positiva que vejo em sua presença é ele ter sido o canal para um belíssimo discurso humanitário do Doutor. Fora isso, o típico grande comerciante da Era Regencial Britânica (estamos mais ou menos no período de Taboo, outra série britânica que indico veementemente) com seus discursos odiosos que não convence e tem atitudes e um final monstruosamente patéticos. Melhor seria que ele nem existisse no episódio.

Em contrapartida, o texto de Sarah Dollard também traz coisas muito boas que refletem discussões dos nossos tempos, como o Doutor falando de whitewashing da História, citando Jesus como exemplo; as citações e referências (olha aí a diferença!) de que o Doutor esteve algumas outras vezes em Frost Fairs em Londres, destacando-se às que ele foi acompanhado por Vicki e Steven (Frostfire) e por Mai Kondo (The Frozen), justamente porque essas duas aconteceram nesta feira de 1814. Há também uma boa referência à um “outro tipo de Frost Fair” que esta encarnação do Doutor visitou, em Silhueta e, para terminar, a excelente piadinha com alguém chamado “Pete”, que “pisou em uma borboleta e foi apagado da História“, além da volta de um apelido que o Doutor ganhou em The Zygon Invasion: Doctor Disco.

Thin Ice é um episódio divertido. Há um tipo muito elegante e sacana de humor, excelência técnica e dramatúrgica (pelo menos da parte da dupla protagonista), mas eu ainda espero por algo que denote o fim de uma era. Estamos na última temporada de um Doutor, de um showrunner e provavelmente de uma companion também (eu realmente espero que não, porque Bill é maravilhosa). Uma temporada com Missy e Saxon e provavelmente mais algumas outras grandes surpresas, como Gallifrey e afins. O que vejo, todavia, é um estranho isolamento dos episódios em si mesmos (exceto em The Pilot), que acaba dando um ar anticlimático para uma temporada tão importante. E sim, eu entendo que é só o começo e que ainda faltam 10 episódios regulares + um Especial para o verdadeiro fim. Mesmo assim. Falta um pulo para fora da caixa. E eu espero que isso venha logo.
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P.S.: nas citações para a feira, eu considerei mas não listei a que é citada pelo 11º Doutor em A Good Man Goes To War (ele com River Song e Steve Wonder em uma frost fair) porque não me lembrava de que lá era citada data alguma, e eu só queria destacar mesmo a feira de 1814, para fazer sentido com o presente episódio. Agradeço à leitora Mônica Barros pela confirmação de que lá é dito explicitamente que é 1814.

Doctor Who – 10X03: Thin Ice (Reino Unido, 29 de abril de 2017)
Direção: Bill Anderson
Roteiro: Sarah Dollard
Elenco: Peter Capaldi, Pearl Mackie, Matt Lucas, Nicholas Burns, Asiatu Koroma, Peter Singh, Simon Ludders, Tomi May, Austin Taylor, Ellie Shenker, Kishaina Thiruselvan, Badger Skelton, Guillaume Rivaud
Duração: 45 min.

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