Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 2X04: The Girl in the Fireplace

Crítica | Doctor Who – 2X04: The Girl in the Fireplace

por Rafael Lima
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The Girl in the Fireplace é um episodio bem atípico no que diz respeito às participações de figuras históricas em Doctor Who. Diferente de personalidades como Charles Dickens, e a Rainha Vitória, Madame de Pompadour, uma cortesã e amante de Luis XV, Rei da França, não chega a ser um nome mundialmente conhecido, mesmo que seja considerada uma das figuras mais proeminentes daquele país do Século XVIII. Talvez por isso, Russell T. Davies, e o roteirista Steven Moffat não tentam desconstruir a mítica em torno de Madame de Pompadour. De fato, eles reforçam a lenda em torno da cortesã, destacando o encanto e respeito que ela provocava em todos à sua volta, através de uma tocante história de amor, onde os robôs assassinos são apenas um detalhe.

Na trama do episódio, acompanhamos a chegada do time da TARDIS à bordo de uma nave espacial aparentemente deserta. Enquanto exploram o lugar, o 10º Doutor, Rose e Mickey encontram uma lareira do Século XVIII, que guarda um buraco no Universo e que permite que eles se comuniquem com uma menina de 1727, chamada Reinette, que está em seu quarto na França. Enquanto tenta descobrir o que está ocorrendo com a nave, o Doutor faz constantes viagens através do portal da lareira, tornando-se uma constante e marcante presença ao longo de toda a vida de Reinette, destinada a se tornar a célebre Madame de Pompadour.

Com The Girl in The Fireplace, Moffat traz muitos dos elementos narrativos e temáticos que se tornariam centrais durante as suas primeiras temporadas como showrunner da série no futuro. Começando pelo tom de fábula que permeia boa parte do episódio, percebido desde o primeiro encontro entre o Doutor e Reinette, onde a menina é salva por seu “amigo imaginário” de monstros escondidos debaixo da cama. A visão do Doutor como essa figura de fantasia e o uso dos monstros como representação de medos primais é parte integrante da visão que o roteirista tem de Doctor Who — assim como o plot do “amigo imaginário”, que retorna à vida de uma garota em sua fase adulta para ajudá-la a confrontar os seus terrores de infância, seria reaproveitado ao longo da 5ª Temporada da série, com Reinette sendo uma espécie de predecessora de Amy Pond.

Mas é o gosto do roteirista por utilizar a viagem no tempo para brincar com a perspectiva dos personagens, o recurso que mais se destaca. No já citado primeiro encontro entre o Doutor e Reinette ainda criança, descobrimos que nos poucos segundos em que o Time Lord levou para ativar o portal da lareira e chegar ao quarto da menina, meses se passaram para ela, o que surpreende tanto o público quanto o protagonista. São estes encontros e desencontros que guiam toda a narrativa e é curioso observar que enquanto para o Doutor e seus companions a história acontece no período de no máximo um dia (se muito), e para Reinette, uma vida inteira se passou.

O que nos leva ao verdadeiro coração de The Girl in The Fireplace, que é o romance entre o Doutor e Reinette. No arco The Empty Child/ The Doctor Dances, Moffat abordou brevemente e de forma divertida a vida sexual do Time Lord, mas aqui o roteirista vai mais fundo e nos faz pensar se o Doutor pode mesmo se apaixonar. Um tema muito propício dentro de uma temporada entrecortada pela tensão romântica entre o Doutor e Rose e vindo na sequência de School Reunion, que entre outras coisas, tratava da inevitabilidade da solidão do protagonista.

Moffat não ignora os aspectos mais humanos da relação entre o Doutor e Reinette, ao mostrar a futura Madame de Pompadour já crescida, reencontrando o Doutor, só para beija-lo apaixonadamente. O Time Lord não só fica surpreso por encontrar a menina já adulta, como claramente percebe o quão atraente ela se tornou. Mas embora a tensão sexual esteja presente, a atração física não cumpre papel central na dinâmica dos dois personagens. O Doutor, afinal, é um alienígena, e suas interações muitas vezes ocorrem de forma diferente, o que é representado de maneira precisa na cena em que o Doutor estabelece um link telepático com a cortesã para tentar descobrir por que os Homens-Relógio da nave a perseguem. O texto é ágil em expor o quão íntima é esta conexão (reutilizando a metáfora da dança de The Doctor Dances) e ao fim da cena, podemos dizer que Reinette conhece melhor o Doutor do que a grande maioria de seus companions, justificando o impacto que ela tem sobre ele.

Grande parte do sucesso do episódio se deve a grande química de cena entre David Tennant e Sophia Myles (o casal chegou a namorar fora da tela por um ano). Tennant continua a trabalhar as camadas dramáticas do 10º Doutor, expondo tanto a sua persona descontraída quanto a melancolia que o personagem pode esconder, como vemos na bela e triste cena final. Sophia Myles também está ótima como Reinette, retratando-a como uma mulher curiosa e intuitiva, que reconhece a natureza alienígena do Doutor e as implicações de se apaixonar por ele.

Com a história centrada em Reinette e no Doutor, os companions acabam ficando em segundo plano, embora o ciúme que Rose tem do Doutor seja explorado de forma interessante, sem com isso tornar a personagem chata ou antipática, com ocorreu em School Reunion. Já Mickey, em sua primeira viagem como companion oficial, não tem muito o que fazer, embora tenha algumas cenas cômicas divertidas, e demonstre sensibilidade na cena final ao perceber do que o Doutor realmente precisava naquele momento.

Se o roteiro e as atuações são fortes, os aspectos técnicos não ficam atrás. Após Tooth and Claw, Euros Lyn volta a se destacar na direção de The Girl in The Fireplace, fazendo uso preciso de close-ups para valorizar os momentos mais emocionais, ao mesmo tempo em que sabe valorizar o excelente desenho de produção, que cria uma interessante dicotomia entre o ambiente sombrio, sujo e futurista da nave, em oposição à suntuosidade e as cores (vermelho e dourado principalmente) dos ambientes da França do Século XVIII. Os Homens-Relógio não são monstros memoráveis, mas tem um design interessante, e um visual inquietante, com ou sem máscara. E não há como comentar este episódio sem citar a belíssima trilha sonora de Murray Gold, que com Madame de Pompadour entrega um dos mais lindos e delicados temas que já compôs para a série.

The Girl in The Fireplace é um dos grandes episódios da temporada, e o primeiro grande clássico da era do 10º Doutor. O roteiro de Moffat, aliado aos excelentes valores de produção do episódio, uma direção inspirada de Euros Lyn, e a magnética química de cena de David Tennant e Sophia Myles entregam uma das histórias mais belas e românticas contadas por Doctor Who na televisão. Madame de Ponpadour não poderia pedir uma homenagem melhor.

Doctor Who- 2×04. The Girl in The Fireplace (Reino Unido, 06 de Maio de 2006).
Direção: Euros Lyn
Roteiro: Steven Moffat
Elenco: David Tennant, Billie Piper, Noel Clarke, Sophia Myles, Ben Turner, Jessica Atkins, Angel Coulby
Duração: 45 Min.

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