Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 2X12 e 13: Army of Ghosts / Doomsday

Crítica | Doctor Who – 2X12 e 13: Army of Ghosts / Doomsday

por Rafael Lima
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A primeira parte da Season Finale formada por Army of Ghosts/Doomsday, abre de maneira pomposa, com uma narração de Rose contando-nos o quanto o seu encontro com o Doutor mudou a sua vida e como ela mostraria a história de como ela morreu. A Série Clássica nunca tratou a saída de um companion como um evento de tal magnitude, e quando paramos pra pensar, Rose nem foi a primeira companion da Nova Série a partir, pois o Capitão Jack e Mickey, já haviam deixado a tripulação. Claro, por mais carismáticos que estes dois fossem, eles eram companions secundários, com o objetivo de tensionar ou evidenciar o laço existente entre a dupla principal. Para quem conheceu Doctor Who pela Nova Série, este não era um show sobre as aventuras do Doutor, e sim do Doutor e Rose. Mas estou me adiantando, pois apesar da partida de Rose ser anunciada como o evento principal do Finale, há muito mais para se analisar neste arco.

O drama tem início com o retorno da TARDIS à Londres contemporânea, para uma visita a Jackie. Mas logo Rose e o 10º Doutor são informados de aparições translúcidas por todo o planeta, que estão sendo tratadas como fantasmas. Investigando a situação, a dupla, acompanhada involuntariamente por Jackie, segue o sinal que origina a aparição dos fantasmas até a Torre de Canary Wharf, descobrindo que os “fantasmas” são frutos de experiências do Instituto Torchwood, sob o comando de Yvonne Hartman, na tentativa de abrir uma misteriosa esfera vinda do vácuo entre dimensões conhecido como “O Vazio”. O Doutor é capturado e seus avisos sob os perigos da experiência chegam tarde para evitar a invasão dos “fantasmas”, na verdade os Cybermen do “Mundo de Pete”, que derrotados pela Resistência de sua realidade, invadem a nossa.

Army of Ghosts/Doomsday possui uma unidade tonal maior que a Season Finale anterior. Army of Ghosts começa de forma muito cativante, com a visita á Powell Estate, onde percebemos que o Time Lord já adotou a mãe de sua companion como família, com as provocações entre eles sendo muito mais amistosas. As brincadeiras com cultura pop como o 10º Doutor e Rose brincando de Caça-Fantasmas dá uma leveza a esta parte inicial que será quebrada aos poucos.

Army of Ghosts encerra o grande arco da temporada, mais uma vez marcado por uma palavra-chave. Diferente do que houve na 1ª Temporada, nós já sabemos o significado da palavra-chave, o instituto que investiga atividades alienígenas, fundado pela Rainha Vitória. Com as citações feitas à organização ao longo da Temporada e a ameaça da Rainha, se esperava que Torchwood fosse a grande vilã aqui, mas não é. A líder de Torchwood, Yvonne Hartman surge como uma vilã carismática, que merecia mais atenção. Ela representa as principais críticas do conceito de Torchwood, como a xenofobia, o caráter imperialista e a insistência do ser humano em brincar de Deus diante de uma força que não compreende. Mesmo a problematização do Doutor como protetor falho da Terra devido à sua ausência levantada em The Christmas Invasion é bem defendida. Mas o potencial destes conflitos só tem a superfície arranhada para dar lugar à ameaça alien. O arco Torchwood acaba por ser uma promessa não cumprida.

O arco é uma sequência direta de Rise of the Cybermen / The Age of Steel e Graeme Harper, que também dirigiu o arco que reintroduziu os androides na série, é competente ao explorar as suas características mais assustadoras, como em sua primeira aparição em uma área em obras da Torre de Canary Wharf, onde capturam e fazem lavagem cerebral em uma analista do instituto (Freema Agyeman, antes de ser escolhida para viver Martha Jones na 3ª temporada); ou as próprias cenas de conversão ocorridas Off Screen. Entretanto, o roteiro não parece ter muito a dizer sobre os Cybermen. Na Nova Série, os monstros metálicos foram reinventados como sendo vítimas de uma mente insana, mas O conceito não é reaproveitado (excetuando a cena em que vemos uma lágrima descendo pelo rosto metálico de uma Yvonne Cyber convertida). Os Cybermen cumprem o seu papel como monstros, mas Davies não tem interesse neles como personagens. O mesmo, entretanto, não pode ser dito dos Daleks, e o surgimento de quatro deles de dentro da esfera ao fim de Army of Ghosts funciona como um choque tanto para Rose quanto para nós, pois fomos preparados para uma história Cyberman.

Doomsday mantém o tom do primeiro episódio, mas em um ritmo mais ágil. Davies introduz o Culto de Skaro, um grupo de Daleks surgido durante a Time War que tem como objetivo desenvolver planos e estratégias que Daleks normalmente não pensariam. É uma adição coerente à mitologia dos personagens, pois se comunica perfeitamente com a visão que Davies manteve desses monstros durante o seu mandato. Os Daleks de Davies não são só alienígenas genocidas, mas seres que estão lutando contra a própria extinção, o que constantemente entra em conflito com suas crenças e sua cultura. Não sei dizer se este é o meu Finale favorito da Era Davies. De fato, podemos dizer tratar-se do arco de fim de Temporada menos ambicioso escrito pelo showrunner, e talvez por isso, o melhor arquitetado. Os pontos de virada funcionam bem, nenhum personagem é subaproveitado e a resolução do conflito não depende de nenhum Deus ex Machina, com o plano final do Décimo Doutor para deter os Cybermen e os Daleks sendo lentamente formado diante de nossos olhos durante Doomsday.

Mas falemos da partida da Rose, e faremos isso abordando o casal protagonista. Em sua primeira temporada, Tennant conseguiu tornar o seu Doutor bem diferente da versão de Christopher Eccleston, mas em muitos aspectos uma evolução do 9º. E é especialmente em sua relação com Rose que as semelhanças e diferenças do 10º Doutor em relação ao seu antecessor surgem. Eu creio que este Doutor está tão apaixonado por Rose, quanto ela por ele. Este é um Time Lord que flerta de volta e não vê problemas em passar uma tarde “na casa da sogra”. Ele está disposto a viver certas emoções, embora tenha consciência da impossibilidade do relacionamento. Paradoxalmente, o 10º Doutor está muito mais conectado a sua natureza alienígena e conformado que, cedo ou tarde, Rose ira embora. O 9º Doutor não consegue mandar Rose pra longe sem dizer adeus em The Parting of the Ways. O 10º, entretanto, está pronto para jogá-la em um mundo paralelo onde ele nunca mais ira vê-la sem dizer uma palavra, isso enquanto ela declara o seu amor e lealdade por ele. Enviá-la para longe não é o que o Time Lord quer, mas ele vê além do ingênuo discurso de amor eterno adolescente de Rose.

Com Rose, a coisa é mais complicada. Seus detratores dizem que ela perdeu a função após a 1ª Temporada, e que sua participação na 2ª Temporada era apenas para alimentar o romance com o Doutor. Eu discordo, pois ela tem uma jornada dramática clara em sua segunda temporada. Rose deixa de ser somente a protegida do Time Lord para tornar-se a sua parceira. Um passo natural de seu desenvolvimento na temporada de estreia, mas que cobra um preço. Ela lida com a morte com a mesma objetividade que o Doutor lida, quando preciso, e mesmo sua malícia e sarcasmo diante dos Daleks mostra o quanto a personagem evoluiu. Mas em suas conversas com a mãe, percebemos que, para Rose, qualquer vida que não envolva salvar o Universo cruzando o tempo e espaço não vale a pena ser vivida. Rose tem verdadeira ojeriza de voltar a viver qualquer tipo de “vida normal” algum dia, classificando toda a sua vida antes do Doutor como sendo inútil. A companion vai tão longe a ponto de sugerir que a vida da mãe não teve significado, o que a torna bastante antipática justamente em sua história de despedida. Todo o seu discurso onde sem hesitar, ela escolhe ficar ao lado do Doutor, afastando-se da mãe para sempre exala o egoísmo de uma paixão adolescente que realmente irrita. É compreensível, mas não menos irritante.

Essas diferenças de encarar o relacionamento ficam evidentes na cena em que o Doutor executa o seu plano, e Rose, recusando-se a ser mandada embora, retorna para auxiliar o amado. Toda a cena com os Daleks sendo sugados para dentro do “Vazio”, enquanto Rose escorrega lentamente para a morte certa é muito bem dirigida por Harper, e quando ela enfim é sugada pelo vórtice, compartilhamos o desespero do Doutor, até que Pete a salva no último minuto, enfim reconhecendo a jovem como sua filha. O que se segue é uma das despedidas mais evocativas da história da série, com uma Rose em prantos batendo na parede de seu lado do mundo paralelo, implorando pra ser mandada de volta, enquanto do outro lado, o Doutor lentamente caminha a parede onde estava o portal, e calmamente toca o último vestígio da ligação entre os dois mundos, sentindo Rose (supostamente) pela ultima vez, ao som da belíssima trilha Doomsday composta por Murray Gold. É extremamente poético e revelador sobre o romance dos dois e a perspectiva humana e alienígena da separação. Rose, em lágrimas, deve consolar-se com a sua família, enquanto o Doutor deve seguir sozinho.

É uma pena que não contente com este sequência, Davies decida passar por cima da sutileza para inserir uma nova despedida (onde descobrimos que Rose não morreu de fato, só foi dada como morta em nosso mundo). É na baía de Bad Wolf no mundo de Pete que o Doutor consegue surgir holograficamente por tempo limitado em uma despedida muito mais melosa, e parecendo ter sido feita para agradar aos shippers do casal. Lá, descobrimos que Rose conseguiu praticamente tudo o que quis, uma família completa, uma vida confortável longe das privações de Powell Estate e uma fuga de uma vida mundana, já que se tornou uma agente da Torchwood daquela realidade (em uma oportunidade perdida de fazer a personagem valorizar o heroísmo e a aventura que pode ser encontrada em uma vida normal), ficando apenas sem o Time Lord que ama. Nada mal comparada ao destino de outros companions da Nova Série.

Army of Ghosts/Doomsday é basicamente uma história sobre Rose, e traz o melhor e o pior da personagem. Talvez uma despedida tão elaborada fosse preciso, pois sem a garota, a série passaria praticamente por uma reinvenção na temporada seguinte. Com o Doutor derrubando uma última lágrima por sua companheira e o surgimento inexplicável de uma noiva maluca a bordo da TARDIS, Doctor Who parecia pronta para seguir em frente com bom humor e otimismo, vide a hilária reação do Doutor à noiva misteriosa em sua nave.

Apesar dos tropeços, e do total desperdício do conceito de Torchwood, o arco final da temporada consegue cumprir os seus principais objetivos, fechando a história do núcleo de Rose de maneira adequada, com os bons retornos de Pete, Jackie, e principalmente um Mickey, totalmente transformado e amadurecido. Isso em uma aventura divertida e emocionante com a presença de dois dos monstros mais populares da série e momentos de comédia, ação e drama genuíno. Mas não posso deixar de observar que apesar de todo o drama da partida de Rose em Army of Ghosts/Doomsday, a garota só partiria de fato quando Steven Moffat e Matt Smith assumiram a série anos depois, já que a lembrança de sua ausência é um incômodo elemento da 3ª Temporada, e a iminência de seu retorno perpassaria toda a 4ª Temporada. Mas isso já é outra história, que nada tem a ver com esta competente Season Finale.

Doctor Who 2X12 e 13: Army of Ghosts/Doomsday (Reino Unido, 1º de Julhe e 8 de Julho de 2006)
Direção: Graeme Harper
Roteiro: Russell T. Davies
Elenco: David Tennant, Billie Piper, Camille Coduri, Noel Clarke, Tracy Ann Oberman, Raji James, Freema Agyeman, Hadley Fraser, Oliver Mellor, Barbara Windsor, Shaun Dingwall, Andrew Hayden Smith, Paul Kasey, Nicholas Briggs
Duração: 90 Min.

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