Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who 9X03 e 4: Under the Lake / Before the Flood

Crítica | Doctor Who 9X03 e 4: Under the Lake / Before the Flood

por Luiz Santiago
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estrelas 5,0

Instalação de mineração subaquática “The Drum”, Caithness, Escócia, 2119. Este é o cenário e o tempo onde o fantástico arco escrito por Toby Whithouse (School Reunion, The Vampires of Venice, The God Complex e o díptico iniciado por A Town Called Mercy) se desenvolve, e mais uma vez traz o Doutor refletindo sobre sua mortalidade; demonstrando surpresa diante dos fatos como se os tivesse experimentando pela primeira vez (falamos sobre isso no podcast de Under the Lake); e, finalmente, expondo a maturidade de sua relação com Clara, que desde The Magician’s Apprentice dava sinais de estar bem à frente daquela que tivemos na 8ª Temporada.

A grande vitória de Under the Lake & Before the Flood é que tudo o que se prometeu para o arco está nele. A base dramática permaneceu intacta nos dois capítulos; todos os personagens foram bem desenvolvidos e permaneceram relevantes do início ao fim da aventura; a trama possuiu uma apropriada resolução; o vilão foi muito bem desenvolvido e ofereceu uma boa ameaça, embora não completamente amedrontadora; e Before the Flood foi finalizado de uma maneira instigante, cíclica, interligando o começo — que quebra a 4ª parede, nos fazendo voltar para The Feast Of Steven, o primeiro episódio da Série Clássica em que isso aconteceu, em meio ao gigantesco arco The Dalek’s Master Plan — com o final, fazendo valer a ideia geral do episódio (e do arco), que era o Paradoxo de Bootstrap ou Paradoxo Ontológico ou Ciclo Casual.

Nós entendemos a ocorrência de Under the Lake como uma “aventura de passagem”. Fica claro para o espectador que o Doutor e Clara viveram uma série de aventuras depois que o Senhor do Tempo levou o pequeno Davros “para casa” em The Witch’s Familiar e, por acaso, acabam chegando à mina “The Drum”, no século XXII. Como disse antes, uma aventura de passagem. Mas que serviu para colocar o Doutor diante de um paradoxo, não o primeiro que ele enfrenta (aventuras como City of Death e The Curse of Fenric na Série Clássica + Father’s Day, Blink, Time CrashThe Big Bang Time & Space na Nova Série + The Time Machine na Big Finish são exemplos óbvios) e não o único que veremos ainda nesta 12ª versão do Doutor, posto que a explicação para a existência de Caecilius em The Fires of Pompeii e John Frobisher em Torchwood: Children of Earth ainda está por vir e com certeza algum tipo de paradoxo temporal estará envolvido nas duas explicações.

O diretor Daniel O’Hara tomou o inteligentíssimo roteiro de Toby Whithouse como caminho para um arco que se mantém unívoco na proposta mas possui duas partes com identidades opostas. Under the Lake é uma aventura quase exclusivamente de horror, mesclando o gênero com os ingredientes básicos e Doctor Who. Já Before the Flood é um episódio puramente sci-fi, no sentido mais teórico possível, colocando o Paradoxo de Bootstrap como coluna central do texto e em torno dela criando uma intervenção do Doutor na malha do tempo, um acontecimento que não poderia acabar de outro jeito senão da forma como começou, ou seja, perguntando para o público e para Clara: “quem, de fato, compôs a 5ª Sinfonia de Beethoven?”.

A concepção e a exibição dos episódios foram igualmente geniais porque a ordem, na verdade, é esta: o episódio 4 acontece antes do episódio 3; mas os eventos do 4 só foram possíveis porque o Doutor os viu acontecendo no 3º episódio. O exemplo com Beethoven é a melhor forma para pensar esta dinâmica e a transformação dela em material para a série foi feita com bastante competência por toda a equipe de produção, que a cada núcleo narrativo desenvolvia o drama corrente e não deixava que o fio da meada (as migalhas para a geração do paradoxo) se desvanecesse.

O elenco tem uma perfeita dinâmica de grupo e todos os atores estão excelentes em seus papeis. O destaque aqui vai para a inclusão que Doctor Who mais uma vez realiza, escalando uma atriz surda, Sophie Leigh Stone (Cass) e oferecendo-lhe um papel respeitoso, importante e bem localizado na história, em uma sincronia perfeita com Zaqi Ismail (Lunn), o tradutor da linguagem de sinais britânica (British Sign Language ou BSL) para o Doutor e o público. E o melhor de tudo é que os momentos em que Lunn está fora de cena, Cass continua falando com Clara e não há legendas, nada disso. Tanto o respeito à linguagem como o tratamento natural para o fato de ser uma língua como qualquer outra mostra o zelo da produção e o seu compromisso humanitário. Doctor Who é mesmo uma série sensacional. Outro destaque é a participação de Corey Taylor, vocalista do Slipknot e da Stone Sour, fã da série, e que aqui faz o rugido do Fisher King, que aliás, possui um design bárbaro. A cena em que ele está de frente para o Doutor, imponente, olhando ameaçador para o “pequeno Time Lord” é de uma beleza estética absurda, um dos melhores takes do episódio.

Inteligente, angustiante, bem escrito, bem dirigido e bem produzido (a variação de locação; o uso da trilha sonora como criação de atmosfera e depois como narrativa; os figurinos e a fotografia que muda de abordagem sensitiva do primeiro para o segundo capítulo bastariam para fazer este arco superior, pelo menos neste aspecto, ao arco que o antecedeu), Under the Lake & Before the Flood trouxe para o público um paradoxo sem ter que explicar seu funcionamento simplesmente com Wibbly wobbly, Timey Wimey. A justificativa se enquadra em uma teoria já existente na ficção científica e não foi necessário rebootar o Universo ou fazer mágica para que as coisas acontecessem. A 9ª Temporada de Doctor Who segue sem falhas até o momento, com dois arcos de tirar o fôlego. Que Rassilon continue abençoando este ano e que isto se mantenha daí para melhor. Posso ouvir um amém?

Em tempo: No Universo da série, Beethoven existiu sim! O Doutor só o utilizou como exemplo para nos ensinar a base do Paradoxo de Bootstrap, mas ele não nega a existência do compositor. Todavia, fica subtendido que a 5ª Sinfonia não foi composta pelo músico, mas sim pelo Doutor. Quer dizer, o Doutor levou para Beethoven a Sinfonia que Beethoven tinha composto, embora Beethoven não a tivesse composto, de modo que o Doutor precisou “juntar as notas” e entregar a Beethoven para que Beethoven tivesse composto e o Doutor tivesse que “juntar as notas” e…

Doctor Who 9X03 e 4: Under the Lake / Before the Flood (Reino Unido, 2015)
Direção: Daniel O’Hara
Roteiro: Toby Whithouse
Elenco: Peter Capaldi, Jenna Coleman, Arsher Ali, Morven Christie, Neil Fingleton, Zaqi Ismail, Paul Kaye, Sophie Leigh Stone, Colin McFarlane, Steven Robertson, Peter Serafinowicz, Corey Taylor
Duração: 46 min.

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