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Crítica | Doctor Who: A Face do Inimigo, de David A. McIntee

por Rafael Lima
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Equipe: Brigadeiro Lethbridge Stewart, Benton, Mike Yates, Ian, Barbara, Harry Sullivan (com diminuta participação do 3º Doutor e Jo Grant).
Era: UNIT –  Ano 5
Espaço: Terra/Reino Unido. Terra Paralela/Reino Unido/Lua.
Tempo: Anos 70.

Há um momento no arco televisivo The Claws Of Axos, em que o Mestre é capturado pela UNIT e, por um momento, assume as funções do Terceiro Doutor. Essas cenas não ocupam só dez minutos daquela história, mas é um dos momentos mais divertidos do arco. Em A Face do Inimigo temos uma deliciosa extensão daquela ideia, com uma trama inteira girando em torno da aliança entre a UNIT e o vilão.

Situado durante o arco The Curse Of Peladon, o livro acompanha a UNIT investigando o reaparecimento de um avião desaparecido, que surge com danos que não podem ter ocorrido na Terra e com o cadáver de um homem que está vivo em outro local. Ao mesmo tempo, um assalto a banco provoca tensão entre o crime organizado. Logo, os dois casos começam a apresentar estranhas conexões. Com o Doutor e Jo fora da Terra, o Brigadeiro se vê obrigado a recorrer à ajuda de um dos mais mortais inimigos da UNIT, o Mestre.

David A. McIntee nos entrega o que seria chamado na Nova Série de uma história Doctor Lite. Ou seja, a participação do Doutor e de sua companion atual é mínima, restringindo-se a uma aparição no prólogo e no epílogo. Mas o leitor não tem tempo de sentir falta da dupla, devido a trama vertiginosa que utiliza muito bem os seus personagens.

Na metade inicial, o livro traz poucos elementos de ficção científica, assemelhando-se mais a um misto de thriller policial e espionagem. Há a presença de situações clássicas desses gêneros, como o detetive em busca por vingança, interrogatórios brutais e tensas reuniões de criminosos. Tais trechos trazem generosas doses de ação, e nos revelam mais sobre o que o Mestre (ou Victor Magister) aprontava quando não estava atazanando o Terceiro Doutor.

McIntee tem a ousadia de fazer a história evoluir para uma digna sequência de um das aventuras mais populares da Era UNIT, Inferno, ao nos revelar o que aconteceu à “Terra Inferno” após os eventos daquela saga. O autor amplia o mundo apresentado no clássico arco ao dar vislumbres de acontecimentos que se desenrolaram de forma diferente naquela realidade, sejam eventos históricos ou versões alternativas de arcos da Série Clássica.

Temos a volta de dois velhos companions, Ian e Barbara, agora casados e com um filho. De início, estranhei a escolha de utilizar o casal, recrutados para prestar consultoria na investigação. Liz Shaw parecia uma opção mais adequada, por já ter trabalhado com a UNIT. Mas é criado um cenário que torna coerente Ian ser convocado.

A Face do Inimigo retrata bem os dois professores. Barbara faz o que fazia melhor na série, atuando como a consciência do grupo. Mas faltou um conflito próprio para ela, que acaba sendo usada só para impulsionar o conflito do marido. Já Ian é posto em uma situação bem sombria. Ao crer que Barbara está morta em certo ponto da trama, o professor entra em uma espiral de desespero que o leva perto do suicídio. Há uma passagem tocante em que Ian relata ao Mestre o momento em que percebeu estar apaixonado pela esposa durante as viagens com o Doutor, que transmite perfeitamente o sofrimento de Chesterton. Sofrimento esse que é lindamente manipulado pelo criminoso Time Lord.

Os personagens da UNIT também estão muito bem retratados, especialmente o Brigadeiro Lethbridge Stewart, que surge em um momento de dúvida sobre a possibilidade de coexistência entre a sua profissão e sua vida pessoal. Mas os melhores momentos do líder da UNIT estão mesmo em suas ácidas interações com o Mestre. As trocas de farpas extremamente polidas trazem os melhores diálogos do livro.

Pergunte a si mesmo. Eu já neguei alguma coisa que eu fiz? Eu já menti sobre qualquer coisa? Me orgulho dos meus supostos crimes, Brigadeiro. Acho que você vai descobrir, que em muitos aspectos, sou o homem mais honesto que já conheceu.

O Mestre, explicando por quê o Brigadeiro deve confiar nele.

Claro que eu não posso terminar o texto sem falar da forma como o autor escreve bem o Mestre. A versão de Roger Delgado para o vilão continua sendo a minha favorita, e McIntee a captura de forma impecável. Além da já citada rivalidade com o Brigadeiro e a manipulação do luto de Ian, as interações do Time Lord com a vilã da história, Marianne, são especialmente bem escritas, estabelecendo um verdadeiro jogo de manipulação entre os dois personagens.

Mais do que meramente retratar fielmente o Mestre da Era UNIT, A Face do Inimigo o desenvolve de uma forma que a Série Clássica nunca conseguiu. Temos ótimos insights da mente do vilão, expondo a forma como ele enxerga seus inimigos e a raça humana, e como rapidamente se adapta as diversas situações que surgem, seja como prisioneiro da UNIT (em trechos que me remeteram a Dragão Vermelho de Thomas Harris) ou em suas andanças pelo submundo criminoso de Londres. Vemos também um breve vestígio de humanidade do vilão, ao presenciarmos o seu encontro com a contraparte da Terra Inferno, que tomou caminhos bem diferentes daqueles escolhidos pelo Mestre da nossa Terra.

Apesar dos muitos acertos, existem alguns problemas que impedem o livro de David A. McIntee de ser melhor do que é. A certa altura da história, o autor introduz uma subtrama desnecessária estrelada pelo futuro companion Harry Sullivan, que surge como mero fan service, e podia perfeitamente ter sido retirada da trama. O desfecho do romance é muito bom, mas acredito que teria se beneficiado de um epílogo um pouco mais desenvolvido. Por fim, embora a prosa de McIntee seja muito boa na maior parte do tempo, há passagens em que ao alternar os pontos de vista de vários personagens na mesma cena, acaba roubando o ritmo da mesma.

Apesar dessa escorregadas, A Face do Inimigo é uma ótima história de Doctor Who, mesmo sem o Doutor. Uma verdadeira carta de amor a Era do Terceiro Doutor e a versão do Mestre de Roger Delgado.

Doctor Who: A Face do Inimigo (The Face Of The Enemy). Reino Unido, 5 de Janeiro de 1998
BBC Past Doctor Adventures #07
Autor: David A. McIntee
Editora Original: BBC Books
Páginas: 246

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