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Crítica | Doctor Who: Assunto Grave, de Justin Richards

por Luiz Santiago
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Equipe: 6º Doutor, Peri
Espaço: Ilhas Dorsill, Grã Bretanha
Tempo: c. 2000

O título original desse livro de Justin Richards, Grave Matter, possui um ótimo duplo sentido, referindo-se também a um “assunto tumular”, “questão de túmulo” (“assunto sério” é uma das traduções possíveis — assim como a que eu escolhi, uma das que menos spoilers dá). A capa oficial do livro reforça esse lado macabro, com a imagem de uma sepultura sendo quebrada por dentro, como se o morto tivesse ressuscitado e estivesse voltando ao nosso mundo, como nos maiores clichês dos filmes de zumbis. E aqui vai uma confissão: as capas dessa coleção da BBC Past Doctor Adventures são definitivamente podres. É extremamente difícil encontrar uma de boa qualidade na internet e, quando se encontra, não dá para cortar e usar como imagem de destaque, porque ela perde qualidade. Por isso que eu gosto das capas de outra editora de livros de Doctor Who, a Virgin Books!

Sem muita pretensão de chocar o leitor ou desde cedo gerar medo, Richards começa o livro de forma lenta, até mais do que deveria, contextualizando a chegada do Doutor, juntamente com Peri, a uma das ilhas Dorsill. Em duas palavras, poderíamos definir a primeira parte da aventura como algo “estranhamente gótico”. O cenário, confesso, me agrada bastante: céu cinzento, muita névoa, isolamento com o mundo exterior. “Não temos estranhos aqui“, diz um dos nativos em certo momento da história. Esse tipo de cenário normalmente assusta as pessoas, mas no meu caso, me faz sentir bastante confortável, de certa forma marcado pela geografia, o que talvez tenha influenciado a minha leitura pois eu só fui sentir mesmo a ameaça a partir do capítulo quatro, Anachronisms.

O Doutor se regenerou há pouco tempo (esses eventos ocorrem entre os arcos Vengeance on Varos e The Mark of the Rani) mas muito de sua personalidade às vezes rude, embora muito companheiro e com um brilhantismo tremendo na resolução dos problemas — para mim, o 6º Doutor é um dos mais criativos e sagazes de todos — se faz perceber, assim como os ajustes de sua relação com Peri, ainda assustada pelo desequilíbrio da regeneração do Senhor do Tempo em The Twin Dilemma. Aqui, a parceria entre os dois é muito bonita, marcada por preocupações de ambos os lados, e há uma frase poderosa que definitivamente entrega tudo o que esta encarnação do Doutor foi:

Talvez você não goste de mim. Talvez você não goste do que eu faço, do que eu terei que fazer. Mas eu estou aqui para ajudar e talvez eu seja a única ajuda que você terá.

Após apresentado o grande problema e definidos os papéis dos aldeões e dos “estranhos na ilha”, o livro cai um pouco de qualidade. A história volta a um ritmo desnecessariamente lento o com cenas que de alguma forma não acrescentam nada à trama principal. O leitor fica às voltas quando se fala nos Denarians pela primeira vez (Justin Richards, o piadista, nomeou o vilão como uma brincadeira de pronúncia bizarra para DNA) e os comportamentos estranhos de humanos (zumbis!?) e animais (zumbis?!) não se fixa muito bem, embora as cenas em que Peri é atacada por uma coruja e uma raposa sejam tensas e muito bem construídas. Não dá para não relacionar um pouco com a loucura dos bichos em um certo filme de Alfred Hitchcock.

O meu momento favorito de todo o livro, mais do que as boas jogadas do Doutor no final, para curar a ilha da infecção dos Denarians, é quando ele e Peri estão em um pub se divertindo com os habitantes locais. Justin Richards cria uma atmosfera tão gostosa que o leitor se sente ao lado do Doutor, bebendo a cerveja local (Fisherman’s Ruin) e falando amenidades. Aí também se delineia a interação do Doutor com a fofoqueira da vila, a senhorita Tattleshell, que como ele, observa com certo fascínio as “crianças brincando”. Pela quantidade de demonstrações comportamentais do Doutor, eu diria que este livro serve como base para se entender de fato as nuances mais delicadas dessa encarnação.

O clima meio Homem de Palha, meio Vampiros de Almas estampado no livro termina com uma deixa incômoda (no bom sentido), que é quando as gaivotas infectadas voam da ilha que o Doutor curou para a ilha principal do arquipélago Dorsill. Muito coerente com o gênero e com tudo o que foi trabalhando ao longo dos capítulos, esse estágio final prova que mesmo na mais “bem feita” das intervenções do Time Lord, sempre sobra uma migalha que pode resultar em consequências catastróficas no futuro, algo que aprendemos claramente desde a sua primeira encarnação.

Assunto Grave (Grave Matter) — Reino Unido, 1º de maio de 2000
Autor: Justin Richards
Editora: BBC Books
247 páginas

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