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Crítica | Doctor Who: Last Christmas

por Giba Hoffmann
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Fechando o primeiro ano de Peter Capaldi na pele do 12º Doutor, Last Christmas acabou sendo o meu Especial de Natal favorito estrelando essa encarnação do Time Lord. Provavelmente ele já inicia a corrida na vantagem ao trazer vários dos ingredientes que eu considero essenciais para um bom episódio do tipo: cenários e temas festivos utilizados ao ponto da breguice, temáticas sentimentalistas e reflexivas para combinar com a época, a participação em carne e osso (ou quase) de Papai fucking Noel (Nick Frost) — claro, devidamente munido de um arsenal de armas natalinas… Sério, o que mais se pode esperar de um especial festivo?

Bem, aí é que entram alguns fatores de “desempate”: que tal pontuar com algumas homenagens a grandes clássicos da ficção científica em uma trama excepcional, dar sequência diretamente ao arco de personagem dos protagonistas após o season finale e embalar tudo com a gloriosa presença destacada de “Merry Xmas Everybody”, do Slade, na trilha sonora incidental?

Retomando os ganchos deixados pelo season finale anterior de forma um tanto inusitada, iniciamos o episódio com uma reunião que acaba acontecendo antes do que se poderia esperar — e em condições ainda mais inimagináveis. Minutos após receber a visita do Papai Noel em sua casa, Clara Oswald (Jenna Coleman) vê a TARDIS se rematerializar novamente pela primeira vez em muito tempo, e é levada por um Doutor particularmente fora de espírito festivo para investigar uma crise em uma base de pesquisas no Polo Norte. A dupla chega a tempo de descobrir um ataque em curso de criaturas grotescas: os Dream Crabs, espécie de facehuggers que digerem os cérebros de suas vítimas lentamente. Com metade da equipe já comprometida, nossa dupla de protagonistas precisa encontrar a forma certa de derrotar esses alienígenas antes que seja tarde — e, por algum motivo, o Papai Noel pode ser a chave para obter as respostas!

Lembro-me que, quando anunciado o tema do episódio, não me empolguei muito com a ideia — um Especial de Natal onde nossos heróis tem que ajudar o Papai Noel a salvar o Natal? Eu provavelmente já estava cansado desse clichê quando toda minha referência sobre o assunto eram meia dúzia de gibis da Turma da Mônica! No entanto, logo fui provado errado: abrindo com a excelente renderização do Papai Noel de Nick Frost e seus ajudantes élficos Dan Starkey e Nathan McMullen, que em nenhum momento se preocupam em exagerar demais na galhofagem, temos uma troca de tonalidade notável após o tom melancólico do final de temporada anterior. Ainda que sem botar muita fé, a abertura já nos estimula e faz a ponte para um reencontro que, não fosse assim, provavelmente soaria forçado e anti-climático. O trio continua a roubar a cena e fazer valer a investida na ideia a cada aparição em tela, e a revelação sobre sua real natureza acaba sendo muito bem justificada pelo elemento onírico que vai se tornando central na trama.

E aí entra outro ponto forte do episódio: os terrificantes Dream Crabs. Sua particularidade é mais uma das invenções do horror psicológico simples e eficiente de Steven Moffat: desprovidos de qualquer tipo de receptores sensoriais, mas com imensos poderes psíquicos, o método de caça dos alienígenas consiste em tomar como alvo toda e qualquer representação mental deles. Conforme sumariza o Doutor: “Se você pensou em um Dream Crab, então há um Dream Crab chegando mais perto de você!”

A produção consegue brincar muito bem com a troca brusca de tonalidade, mantendo sempre a qualidade: da bravataria do Doutor com o Papai Noel para um clima bem construído de horror/sci-fi no centro de pesquisas para então, bem no meio da imersão, reencontrarmos o Bom Velhinho. Depois disso tudo, temos tempo ainda para um epílogo emotivo que explora o próximo passo da relação entre o Doutor e Clara — nada mal para um único episódio!

A prova da boa construção do roteiro é que, mesmo se apoiando fortemente em um plot twist principal, a trama se mantém interessante mediante novas revisitações. Na verdade, trata-se do tipo de história que é ainda mais legal de se acompanhar com o benefício de saber mais sobre o que se está passando. Às referências a elementos de Alien e O Monstro do Ártico, citados diretamente em tela, se somam a um caos onírico de fazer inveja a A Origem e brinca com vários dos elementos do enredo de forma astuta e interessante. Não se trata do plot twist pelo plot twist, mas do tipo de surpresa que intriga e contribui tanto com a trama quanto com os arcos pessoais dos personagens.

O showrunner novamente se mostra particularmente habilidoso no delineamento desse tipo de premissa onde se coloca em suspensão a “confiabilidade do narrador”, coisa que pode até parecer simples quando bem executada, mas não é. Revisitando o episódio agora, notei que o 12º Doutor, em especial, acabou contando com excelentes histórias do gênero, notadamente nos excelentes Sleep No More e Extremis.

Essa combinação se prova promissora em termos do estilo dessa encarnação do Doutor, que adota uma postura mais pré-emptiva e investigativa em relação às ameaças do que é tradicional para o personagem. Convenhamos: mais do que um andarilho espaço-temporal, o 12º é um Time Lord com ansiedade que passa horas (dias?) dentro de sua TARDIS hipotetizando sobre os métodos de caça do predador perfeito! Ou seja, acompanhá-lo na investigação desses cenários é divertido do início ao fim, já que sua impaciência crescente revela não só a antissociabilidade divertida que lhe é característica, mas também o entusiasmo e a paixão por compreender o que se passa, mostrada da forma mais sincera possível.

Ou seja, a trama é um prato cheio para essa versão do personagem, e Capaldi entrega aqui o mesmo espetáculo à parte de sempre, com um jogo muito bom contra personagens como os já citados Papai Noel e Clara, mas também com o elenco de cientistas excêntricos da base de pesquisas, dentre os quais o grande destaque acaba sendo Shona (Faye Marsay). Lembro que na época da exibição torci demais para que a personagem retornasse como companion na próxima temporada, fosse substituindo Clara, fosse adicionando-se ao “time da TARDIS”.

Eu não era fã da Clara desde a introdução da personagem, e acho que a relação dela com o 12º Doutor, embora contasse com seus elementos bacanas, acaba sofrendo pelos momentos ruins da personagem. Que a cena final tenha me feito ficar feliz pela reviravolta que a manteve na série (apesar do sonho inicial ser uma belíssima cena de despedida para  a companion) atesta a favor da qualidade do momento em vender o lado bom da personagem para um de seus detratores.

Por fim, o capítulo encontra espaço ainda para fazer algo que sempre acho muito legal de se ver em Doctor Who: a quebra da quarta parede e a exploração metalinguística com o caráter fictício das aventuras do Doutor. A divertida bravata entre o Doutor e o Papai Noel retoma esse traço, visto mais recentemente em Robot of Sherwood e explorado mais a fundo no clássico The Mind Robber. Se tem um personagem fictício que se dá bem com esse tipo de brincadeira é justamente o Doutor! E, na verdade, nada mais justo que aconteça aqui, já que tecnicamente a primeira quebra da quarta parede da série provavelmente se deu no episódio The Feast of Steven, quando William Hartnell decide, do nada, desejar aos espectadores em casa um Feliz Natal!

Last Christmas aposta em uma mistura eclética de estilos e tonalidades e sai vencedor em todas as frentes, tomando seu tempo para explorar suas premissas de forma envolvente e apoiando-se na combinação sem falhas de um roteiro inventivo, direção sólida e elenco excelente para entregar o que se tornou, com o tempo, meu segundo especial natalino favorito da série, apenas não batendo o sensacional A Christmas Carol.

Doctor Who: Last Christmas (Reino Unido, 25 de dezembro de 2014)
Direção: Paul Wilmshurst
Roteiro: Steven Moffat
Elenco: Peter Capaldi, Jenna Coleman, Nick Frost, Samuel Anderson, Dan Starkey, Nathan McMullen, Faye Marsay, Natalie Gumede, Maureen Beattie, Michael Troughton
Duração: 60 min.

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