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Crítica | Doctor Who: Ópera Gótica, de Paul Cornell

por Rafael Lima
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Equipe: 5º Doutor, Tegan, Nyssa
Espaço: Manchester, Tasmânia, Gallifrey
Tempo: 1993

Antes de escrever sobre Ópera Gótica, é importante dar o contexto de sua publicação. Quando o livro foi lançado, em Julho de 1994, pela Virgin Books, a Série Clássica havia sido cancelada há cinco anos, durante a era do Sétimo Doutor. Entretanto, a mesma Virgin Books havia criado, em 1991, o selo New Doctor Adventures que dava continuidade às aventuras do Sétimo Doutor, e que na época, já contava com vinte oito volumes.

A editora decidiu então contemplar os seis primeiros doutores da Série com seus próprios romances originais, criando outro selo. O escolhido para iniciar a empreitada batizada de Virgin Missing Adventures foi Paul Cornell, que optou pelo Quinto Doutor para estrelar seu título, em uma aventura que, embora possa ser lida isoladamente, também funciona como sequência e prequel (sim, viagens no tempo podem dar dor de cabeça) de Colheita de Sangue, que havia sido o ultimo romance VNA a ser lançado.

Na trama, após os eventos de Snakedance, o Doutor levou suas companheiras Nyssa e Tegan para 1993, na Tasmânia, onde todos poderiam relaxar e se divertir, especialmente o Doutor, que ali participou de um torneio de críquete. Mas Ruath, uma Time Lady do futuro, chega a Manchester e passa a reunir os vampiros da Inglaterra para um plano que visa despertar Yarven, o Messias vampiro. A Gallifreyana não só pretende iniciar a era dos mortos-vivos para todo o Universo, mas também acertar velhas contas com o Doutor. Pra piorar a situação, Nyssa é mordida por uma das criaturas. O Time Lord agora deve correr contra o tempo não apenas pra impedir que uma noite eterna caia sobre a Terra, mas também pra salvar Nyssa de um destino pior do que a morte.

Eu esperava algo diferente do livro. Afinal, Paul Cornell é conhecido por tramas que apelam fortemente para a emoção do público e dos personagens, vide os romances Timewyrm: Revelação e Amor e Guerra, ou os roteiros para a Nova Série, Father’s Day e o arco Human Nature/The Family Of Blood. Temos aqui o que a capa e o título do livro prometem: uma aventura gótica com vampiros sedentos. É uma ótima história, com ação, drama e humor, mas não possui as notas emocionais profundas dos melhores trabalhos de Cornell. O livro tem um ritmo excelente e um crescendo de tensão bem conduzido. O início bucólico, com a equipe da TARDIS relaxando no Tasmânia é bem dividido. Do outro lado, a ameaça crescente de Ruath gera um primeiro ato que apresenta muito bem os potenciais dramáticos da narrativa.

O resto da trama não perde o ritmo, movendo-se com agilidade através de sequências de impacto, que parte de uma escala mais pessoal para uma escala global. O fim de alguns capítulos parece, inclusive, ser estruturado para lembrar o fim de alguns episódios, como um gancho fantástico onde o sol começa a desaparecer e vampiros começam a sair de seus esconderijos. A obra paga tributo aos dois arcos sobre o tema na Série Clássica, State Of Decay e The Curse of Fenric. Mas mais do que isso, Cornell referência diversas obras vampirescas, como Drácula de Bram Stocker; A Hora do Vampiro de Stephen King; As Crônicas Vampirescas de Anne Rice, e o filme Garotos Perdidos. Cornell tem consciência da natureza horrorífica de sua história e não só apresenta sequências gráficas, mas ideias bem macabras, como o bebê vampiro voador, por exemplo.

Entretanto, o autor comete alguns erros que depõem contra o livro. Se o 1º ato da trama gira em torno da tentativa de Ruath em capturar o Doutor para drenar todo o seu sangue e ressuscitar Yarven, torna-se um pouco incoerente que, na primeira dificuldade, Ruath decida sacrificar sua própria regeneração e doar o sangue ela mesma. E apesar de eu não ter nada contra um fan service bem colocado, Cornell interrompe a história principal para abrir um capítulo no meio do livro mostrando ações Gallifrey pra explicar como Ruath chegou à Terra, algo que já havia ficado claro no começo da obra. Não pude deixar de sorrir por rever Flavia, Spandrell, Romana II e a semente de sua carreira política, mas meu senso crítico não pode deixar de me dizer que essa passagem parecia fazer parte de outro livro, não do que eu estava lendo.

O autor trabalhar bem a equipe da TARDIS, apropriando-se do Quinto Doutor de forma muito habilidosa. O estilo bom-moço e cavalheiro desta versão do Time Lord cria um contraste muito bem-vindo com o aspecto mais gótico da trama. A parceria entre o Doutor e suas companions, especialmente com Tegan, rende os momentos mais divertidos da obra. Cornell parece ainda brincar com o fato de a versão de Peter Davison ser considerada a encarnação “mais vulnerável” da Série Clássica. A própria vilã da história aponta esta encarnação como tal, ao escolher o seu período de tempo para atacar. Mas o autor também destaca a força desta encarnação através de seu forte senso de proteção às companions, sob a sombra da ainda recente perda de Adric.

Quanto a Tegan Jovanka, o autor capta a essência da companion com perfeição. A jovem continua marrenta, resmungona, mas absolutamente leal aos seus amigos, funcionando tanto como alívio cômico quanto como o coração desta equipe da TARDIS. O livro a encontra em um momento muito frágil, ainda traumatizada por seu mais recente encontro com a entidade Mara em Snakedance, por isso, chega a ser tocante a forma empática como ela se coloca diante da nova condição de Nyssa, pois sabe como é carregar um mal incontrolável dentro de si. Nyssa acaba tendo a jornada dramática mais bem desenhada do trio ao ver-se pouco a pouco se transformando, após ser mordida pelo bebê-vampiro. Cornell descreve de forma eficiente a angústia da personagem, que sente a sede de sangue minando a sua lucidez até o ponto onde ela se torna um perigo para os seus amigos, desencadeando a assustadora sequência do ataque a Tegan. Não diria que Cornell consegue transformar Nyssa em uma personagem interessante ou carismática, mas cria um drama bacana de acompanhar.

A maioria dos coadjuvantes são muito bem trabalhados. O casal de vampiros Jake e Madeleine são especialmente interessantes por representarem a complexidade que esses monstros podem ter, mostrando-se vilões mais instigantes que os principais antagonistas da obra. O casal representa uma juventude hedonista e egoísta, mas não são maus no sentido maniqueísta. Sim, eles não sentem remorso em matar para prolongar a própria vida, mas tentam garantir que os momentos finais de suas vítimas sejam prazerosos. Cornell ainda insere a figura de Victor Lang, um fervoroso pastor religioso que se torna uma peça importante na batalha entre Yarven e o Doutor, e desperta um interesse especial em Madeleine. O personagem é bem construído e sua presença é importante para algumas discussões sobre crença e a natureza do bem e do mal que o autor levanta, pena que a reviravolta envolvendo o personagem acabe sendo previsível demais.

Os vilões principais aqui também acabam sendo um pouco superficiais. Yarven é o Lord vampiro clássico, com a honra aristocrática que esconde a sua selvageria vampiresca. Ruath já é mais interessante em sua loucura sobre teorias que versam a respeito da suposta ligação genética dividida entre vampiros e Time Lords, que poderia ser o segredo de uma raça superior. Sua conexão com o Doutor, que remete ao dia de sua partida de Gallifrey, poderia ser melhor explorada. Algumas vezes Ruath é reduzida ao arquétipo da mulher desprezada, mas ainda assim, o plot acaba jogando uma luz interessante no passado do Doutor, ou Theta, para os íntimos.

Opera Gótica é um começo forte para o selo Missing Adventures, sendo uma história que homenageia tramas clássicas e modernas de vampiros, de uma forma que só Doctor Who sabe fazer. O volume dá suas escorregadas e por pouco perde a chance de ser excelente, mas ainda assim é uma ótima leitura, daquelas que merecem ser conhecidas pelos whovians.

Doctor Who: Opera Gótica (Goth Opera). Reino Unido- 21 Julho de 1994
Virgin Missing Adventures #01
Autor: Paul Cornell
Editora Original: Virgin
Páginas: 238

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