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Crítica | Doctor Who: Os Quatro Doutores

por Luiz Santiago
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Spoilers!

Planeta Marinus, ano A10%? (sim, este é o ano — e eu ainda me pergunto a necessidade que o roteirista Paul Cornell viu em inventar um ano maluco para um evento que se construiu muito bem com a tag “através do tempo”) da Time War. O War Doctor segue em suas peregrinações pelo Universo, lutando contra os Daleks e tentando salvar o que pode. Aqui em Os Quatro Doutores, ele está nas primeiras aventuras de sua timeline (esta é a perspectiva de cronologia que temos até o momento em que escrevo este texto, maio de 2016) e Only the Monstrous ainda não havia acontecido. O Guerreiro é colocado aqui diante de um problema ético-moral pela espécie dominadora do planeta (o 1º Doutor já havia experimentado isso duas vezes, uma de forma menos filosófica em The Keys of Marinus e outra mais densa, em Domain of the Voord) e o evento fica em aberto, com uma deixa para o futuro, que será o cerne de uma saga multi-doutores.

O problema desta jornada é que, de gracinha em gracinha, a começar pelo título pouco verdadeiro, o roteiro se perde e, ao invés de divertir, confunde desnecessariamente o leitor em mais de uma passagem. O título fala de 4 Doutores, mas o War Doctor e o 9º Doutor possuem apenas uma pequena participação e um cameo, respectivamente, de modo que não deveriam contar como Senhores do Tempo válidos para a trama em si. Mas é isto que acontece. Paul Cornell conta o flashback do War Doctor como um dado angular para a minissérie, não apenas como um fato adicional. Em segundo lugar, essa aventura de 4 Doutores (que na verdade é uma aventura de apenas 3 Doutores) tenta colocar em cena difíceis paradoxos temporais e acaba dando um nó que só se desata no final, de maneira bastante sem graça.

Depois da capa de destaque, homenageando o Queen, esta é a segunda melhor variante da minissérie.

Depois da capa de destaque, homenageando o Queen, esta é a segunda melhor variante da minissérie.

Para que a leitura não seja marcada por perguntas adicionais, é preciso que o leitor saiba de três coisas aqui. A primeira, que o velho Time Lord líder dos Voords é um 12º Doutor alternativo. A segunda, que a companion do 10º Doutor aqui é Gabby Gonzalez, que começou a viajar na TARDIS a partir de Revolutions of Terror (2014), logo depois do Especial de Natal The Next Doctor. A terceira, que a companion do 11º Doutor é Alice Obiefune, que começou a viajar na TARDIS a partir de After Life (2014), após o díptico The Pandorica Opens / The Big Bang.

Considerando essas informações, fica mais fácil embarcarmos nesta tentativa de impedir um paradoxo temporal sem saber que se trata de uma armadilha e, em um momento futuro, descobrir a farsa, mas mesmo assim, prosseguir com ela para que não fique nenhum resquício de memória do que aconteceu.

O roteiro de Paul Cornell é uma cópia da base narrativa de The Day of the Doctor, inclusive com as mesmas explicações para o esquecimento que os Doutores terão após esta aventura. A diferença entre as tramas é que aqui era possível criar coisas bem mais importantes para os próprios Doutores, a longo prazo, do que sentar-se em um tablado confortável de explicações e repeti-las. A situação, as companions e o próprio inimigo mereciam uma atenção melhor.

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Outro ponto que atrapalha a leitura é a linha paralela do 11º Doutor comprando quadrinhos em Paris, no ano de 1923. Enquanto Clara tenta salvar o dia do jeito que acha que devia e enquanto as companions tentam colocar ordem na bagunça que é esse encontro de Doutores (esqueçam a simpatia agressiva desse tipo de encontro!) o texto fica repetindo algo sobre esses quadrinhos — e há citações a Asterix e referência indireta a Tintim — mas depois descobrimos que se trata de um MacGuffin que até tem um conteúdo interessante mas 100% inapropriado para esse tipo de aventura, servindo mais como fan service do que como elemento de roteiro, pois o que o interior do pacote proporciona a Gabby (o toque do Anjo) poderia muito bem ser conseguido de outra forma, afinal, a cena se passa em uma cidade fora do tempo inteiramente focada em tecnologia, além do fato de termos paradoxos entrecruzados: um a mais, um a menos, não faria diferença alguma.

A arte de Neil Edwards não ajuda muito a recepção da obra, funcionando mais em caracterização de cenário do que anatomias, a quem fica devendo muito. Ivan Nunes faz um bom trabalho na coloração das edições, focando nos detalhes das TARDISes agrupadas e da cidade dos Voord, que acaba tendo uma excelente aparência (Edwards capricha bastante nos desenhos aqui). Uma pena que as faces dos Doures e da Clara sejam praticamente irreconhecíveis em alguns quadros — mas isto não constitui um problema, afinal, é uma releitura, eles não precisam se parecer totalmente com os atores, mas um apuro dos desenhos de pessoas precisa ser cobrado, algo que certamente está faltando aqui.

O final alegre e despreocupado da história, assim como as tentativas de incluir piadas e pequenas tiradas humorísticas ao longo da aventura tem impacto pequeno sobre o espectador. É um grande alívio quando chegamos ao final. Os Quatro Doutores não é o que podemos chamar de algo completamente descartável, mas é uma história para ler uma vez, e nunca mais.

Doctor Who: The Four Doctors (Reino Unido, EUA, 2015)
Editora original:
Titan Comics
Roteiro: Paul Cornell
Arte: Neil Edwards
Cores: Ivan Nunes
Letras: Richard Starkings, Jimmy Betancourt
120 páginas

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