Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – Série Clássica: The War Games (Arco #50)

Crítica | Doctor Who – Série Clássica: The War Games (Arco #50)

É o fim da linha para o Segundo Doutor.

por Luiz Santiago
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Equipe: 2º Doutor, Jamie, Zoe
Espaço: Escócia / The Wheel in Space / Planeta não nomeado / Planeta Gallifrey, primeiro julgamento do Doutor.
Tempo: abril de 1746 (retorno de Jamie) / 2068 (retorno de Zoe) / 309.906 (zonas de guerra) / Indeterminado

Após três anos interpretando um dos personagens mais icônicos da ficção científica na TV, Patrick Troughton resolveu que era chegado o momento de seguir em frente e deixar a série.

Seu anúncio caiu como uma pequena bomba no colo da BBC, que, pela primeira vez desde o impasse da saída de William Hartnell em The Tenth Planet, encarava a possibilidade de cancelar Doctor Who (muito embora a questão fosse menos grave aqui do que na temporada seguinte, onde de fato a possibilidade de cancelamento foi posta na mesa).

Após algumas mudanças na grade de arcos a serem produzidos para a 6ª Temporada, The War Games apareceu como uma bem-vinda e épica ideia de última hora. Seu enredo foi prontamente aceito por Derrick Sherwin, que então estreava como produtor da série (por um curto tempo, assinando apenas os arcos The War Games e Spearhead from Space), após ter editado e escrito o arco The Invasion. A primeira ideia que se tinha era: se este for realmente o último arco da série, é bom que seja feito da melhor maneira possível.

E que bom que a produção permitiu que fosse assim!

O quase totalmente brilhante roteiro de Malcolm Hulke e Terrance Dicks faz um breve tour pela série até aquele momento de sua história, passando pelo tom educativo, colocando poderes alienígenas em cena – com bastante sutileza e mistério – e desenvolvendo elementos que se tornariam essenciais para a continuação do show nos anos seguintes e que permitiriam toda a amplitude de um cânone cada vez mais intricado.

Após a terrível aventura em The Space Pirates, o Doutor, Jamie e Zoe chegam a um local parecido com a Terra em plena 1ª Guerra Mundial. Num primeiro momento, o Doutor acredita que está nas trincheiras, em 1917, e parte de seu julgamento inicial vem dessa interpretação errônea do ambiente muito bem disfarçado. O fato é que a TARDIS se materializara em um planeta não nomeado mas similar à Terra, onde um povo chamado War Lords, ajudado por um Time Lord renegado, The War Chief (um companheiro do Doutor da época da Academia conhecido como Magnus), agrupava soldados de várias guerras terráqueas até 1917. O objetivo final dos Senhores da Guerra era formar um Exército de grandes soldados e então partir para dominar a Via Láctea.

O plano de conquista parece mais bobo posto assim do que contextualizado e, apesar de ter o seu ponto de estranheza, funciona bem no enredo do arco. Os disfarces temporais e todos os outros tropeços narrativos acabam sendo entendidos e aceitos pelo espectador à medida que as novidades e os chocantes cliffhangers dos 10 episódios do arco aparecem.

Com uma premissa interessantíssima e um final simplesmente inesquecível, The War Games só encontra seu verdadeiro ponto negativo em parte dos episódios de desenvolvimento. O texto se alonga demasiadamente na brincadeira de gato e rato entre o Doutor, os Senhores da Guerra e seu colega Time Lord, uma espécie de loop que tem sua graça no início mas vai se tornando cansativo à medida que se repete. Não fossem a constante aparição de novos (e ótimos!) personagens, o arco teria bem menos brilho.

Em compensação a esse desenvolvimento em partes pouco objetivo, temos atuações de primeira linha em cena, cenários simples mas maravilhosamente bem trabalhados, uma ótima trilha sonora e encadeamento excitante dos fatos, o que coloca o Doutor e seus companions em pontos separados do cenário e os fazem passar por obstáculos diferentes, dando a cada um o devido destaque. Talvez seja por isso que nos momentos em que os vemos juntos no decorrer dos episódios sentimos uma grande alegria e lamentamos amargamente quando chega o momento da despedida final, uma despedida um tanto fria pelo modo como os Time Lords a arquitetam, mas mesmo assim, bastante emotiva.

Temos também o exemplar trabalho da equipe técnica, que mesmo com parcos recursos (para vocês terem noção, foram usados os cenários abandonados do filme Oh! Que Bela Guerra!, do diretor Richard Attenborough) fez milagres e conseguiu dar uma constituição épica para todo o ambiente da história.

Todavia, o grande destaque de The War Games é a primeira aparição dos Time Lords em Doctor Who, junto com a justificativa do por quê o Doutor saiu de Gallifrey (ele diz que estava entediado, mas essa é apenas uma das muitas explicações) e também o fato de ele ter roubado uma TARDIS. A sequência final, em Gallifrey, mostra o quanto os Time Lords podem ser seres odiosos e com certeza entendemos a angústia do Doutor em não querer voltar para seu planeta, fazendo-o de maneira forçada nos eventos do final do arco.
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“Temporada 6-B” ou “o Doutor e a CIA”

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Para informações complementares: A Linha do Tempo do 2º Doutor.

A CIA (Celestial Intervention Agency), foi criada pelo Alto Conselho de Gallifrey para impedir que as regras do espaço-tempo fossem modificadas pelos Time Lords ou outros povos que pudessem manipular linhas temporais. A regra de não-interferência (estabelecida na série já em Os Astecas) é o ponto central da Agência e o motivo pelo qual o 2º Doutor é preso, levado a julgamento e condenado ao exílio na Terra (a regeneração forçada foi um “a mais” infame dos Time Lords).

Existe um cruzamento entre diversas produções do Universo Expandido de Doctor Who e The War Games que parece extremamente orgânico e faz sentido narrativo e locacional dentro dos eventos do arco, o que nos coloca em par com a ideia de uma “Temporada 6-B”, que segue a seguinte sequência:

a) Antes do episódio 10 de The War Games, nos momentos em que a ação se centra em outros personagens, o Doutor parte temporariamente com a TARDIS e vive os eventos de War Crimes, recebendo logo depois, o conselho e sua 8ª encarnação em Os Oito Doutores.

b) Ao ser julgado, o Doutor espera por sua sentença em momentos que não vemos no arco. Este ponto de sua linha do tempo estabelece a seguinte questão: ele é posto em “liberdade assistida” pelos Time Lords, enquanto ainda discutem sobre o processo. No episódio 10 de The War Games temos apenas um vislumbre disso, uma cena de ócio dele jogando paciência sozinho. Pois bem, entendemos que em um momento elíptico entre um fade próximo àquela cena do Doutor jogando paciência e a sentença final, o réu é empregado temporariamente pela CIA e uma contra-proposta à sentença (de morte) inicial é feita, ainda no começo do livro Jogo Mundial, se o Doutor ajudasse os TL naquela ocasião, ele seria apenas exilado, não morto.

c) Segue-se mais um ciclo de aventuras, com Jamie voltando temporariamente a partir de The Two Doctors; e o Doutor voltando a encontrar John e Gillian.

d) Após os eventos de Scientific Adviser o Doutor é levado novamente para Gallifrey e sua sentença final é proclamada. Todavia, uma outra linha narrativa extra-TV se estabelece. O Doutor consegue escapar dos Time Lords e se estabelecer na Terra por um tempo, como fugitivo (aparentemente a TARDIS não conseguiu levá-lo para outro lugar). São desse período de breve fuga imediatamente antes da regeneração forçada as seguintes aventuras: Action in Exile, The Mark of Terror, The Brotherhood, U.F.O. e, por fim, The Night Walkers, aventura na qual os Time Lords fazem uma armadilha para o Doutor, o capturam e então forçam sua regeneração.

A era do 2º Doutor foi marcada por um melhor desenvolvimento dos roteiros dentro da ficção científica e por um grande acréscimo de elementos importantes na mitologia da série. O ar didático foi desaparecendo aos poucos e deu lugar a tramas mais detetivescas, cada vez com menos presença de “monstros aliens” e maior foco em problemas típicos da Terra ou, em alguns casos, com a ligação entre essas duas vertentes de problemas. Ares de James Bond (que seria a marca da era do 3º Doutor) delineiam os arcos da 6ª Temporada e The War Games, a aventura final, foi um verdadeiro preparativo ou um primeiro passo – em Doctor Who é sempre assim, não é mesmo? – para o que viria nos anos seguintes.

Mais uma página era virada (e em grande estilo!) no Grande Livro das Aventuras do Time Lord Cujo Nome Não Sabemos.

The War Games (Arco #50) – 6ª Temporada

Direção: David Maloney
Roteiro: Malcolm Hulke, Terrance Dicks
Elenco principal: Patrick Troughton, Frazer Hines, Wendy Padbury, Jane Sherwin, Philip Madoc, David Savile, Edward Brayshaw

Audiência média: 4,94 milhões

10 episódios (exibidos entre 19 de Abril e 21 de Junho de 1969)

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