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Crítica | Dominion (2016)

por Guilherme Coral
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estrelas 5,0Break in the sun till the sun breaks down
And death shall have no dominion.

– Dylan Thomas

Tido como um dos maiores poetas modernos, o galês Dylan Thomas, mais conhecido pelo seu poema Do not go gentle into that good night, referenciado em inúmeras outras obras, como Doctor Who e Interestelar, tem sua importância discutida até hoje por críticos e estudiosos da poesia. A verdade é que sua persona, quase a de um rock star, em virtude da bebida e apresentações, tanto na rádio da BBC, quanto ao vivo, indiscutivelmente influenciou sua recepção, o tornando uma figura muito popular. Thomas morrera bastante cedo, aos 39 anos, durante um de seus tours em Nova York e sua prematura morte ainda é objeto de discussão.

Dominion, dirigido e roteirizado por Steven Bernstein, o filme traz justamente esses momentos finais do poeta, uma dramatização do famoso dia no qual ele dissera ter bebido dezoito shots de whisky no pub White Horse. Interpretado por Rhys Ifans o que vemos é uma figura decadente do autor, que, entregue à bebida, passa suas horas finais nesse bar, recordando suas apresentações e lamentando a distância de sua esposa, Caitlin (Romola Garai), que permanecera no país de Gales, junto de seus filhos, enquanto ele realizava seu tour por Nova York.

O interessante é que, mesmo entregue ao álcool, colocado como a típica figura alcoólatra que assola o bar, há um forte romantismo inerente à sua figura. A mera forma como fala é poesia e o roteiro trabalha em cima das críticas ao poeta nesse seu retrato. Thomas já fora criticado pela forma como faz uso da palavra em seus poemas, tendo sido acusado de ser tão viciado nelas quanto na bebida em si. Esse fator é colocado em evidência na obra cinematográfica, ele é apaixonado pela linguagem e sua sonoridade, da mesma forma que suas poesias se destacam justamente pela forma como soam – são feitas para serem declamadas e a vontade, ao ler cada uma delas, é justamente essa.

Rhys Ifans, que já aparecera recitando os trabalhos do autor no centenário deste realizado pela BBC, encarna essa triste figura de forma totalmente apaixonante. Sua potente voz e a forma como dialoga nos faz acreditar, de fato, que alguém pode conversar daquela maneira. É uma verborragia, mas uma que nos cativa imediatamente, seu alcoolismo não é doença, é charme e nos vemos tão atraídos por sua figura quanto a jovem fã que é retratada no longa-metragem. O cigarro e o whisky são seus companheiros nesse dia final, como um homem que espera e até ansia pela morte.

De fato, o roteiro de Bernstein insere a concepção desse triste fim aos poucos na narrativa, através da figura do médico interpretado por John Malkovich. Mais que um doutor, porém, ele representa a morte em si – é frio, distante e logo cedo descobrimos que não aprecia a poesia de forma alguma, representando o iminente fim do autor. As consultas de Thomas e a sessão de necropsia são espertamente inseridas no texto a fim de nos preparar para o evento e, é claro, construir a tensão em nós. A cada copo de álcool, sentimos como se o fim de Dylan estivesse chegando, como um lento suicídio e declínio, que perfeitamente é colocado em oposição com os flashbacks de seus recitais, demonstrando toda a glória do autor, prestando uma bela homenagem a ele, através dos trechos lidos por Ifans e criando uma narrativa não-linear em Dominion, que efetivamente nos deixa sem saber o que irá acontecer a seguir, deixando-nos cada vez mais imersos e angustiados.

A simbologia presente no texto, todavia, não para no médico. No White Horse vemos duas importantes figuras, constantemente ao lado do protagonista. A primeira é o barman, Carlos (Rodrigo Santoro), a outra é um cliente, também sentado ao bar, Felix (Guy Sprung). O primeiro representa o diabo, tentando o poeta através da conversa e oferecendo a ele constantes doses do whisky. Santoro nos traz uma atuação cativante e misteriosa, não sabemos efetivamente quem ele é, somente que trabalha ali e a forma como se despreocupa com a atitude de Thomas em relação ao álcool apenas aumenta nosso desconforto. Do outro lado temos Deus, ou o anjo, Felix que constantemente acautela o autor, pedindo para que pare – até, enfim, desistir. Naturalmente que ambos podem representar a consciência do protagonista, mas o papel que Felix desempenha na sociedade reitera a primeira interpretação.

Dylan é colocado aqui como uma figura incompreendida por todos, especialmente por sua esposa. O interessante é como o texto trabalha com esse aspecto discretamente, colocando a possível culpa na maneira como fala, sua paixão pela palavra que o faz dizer tudo de forma extensa e sonora, muitas vezes comprometendo a mensagem em si. O ato de nomear cada shot é um perfeito exemplo disso, a prova efetiva de seu amor pela linguagem e, é claro, o resumo da forma como encara a vida, perfeitamente representando sua trajetória desde que entrara no White Horse.

Essa incompreensão de sua mulher é colocada através das cartas e da pergunta “você me ama?”, que aparece mais de uma vez na projeção. Dylan é incapaz de simplesmente dizer sim – ele precisa contornar, fazer de cada diálogo algo único e belo. O que sente por ela, contudo, é deixado claro para nós. Primeiro porque os trechos nos quais aparece são os únicos com cor, enquanto o restante da obra permanece em preto e branco, segundo pela sua aparição fantasmagórica no pub, que ainda faz uma homenagem ao cinema clássico, utilizando um efeito similar às obras cinematográficas de outrora.

De fato, há um cuidado muito grande de Bernstein com o visual de seu filme. Com sua longa carreira como diretor de fotografia, ele opta por uma filmagem, quase que na totalidade em preto e branco – não somente para nos transportar para o passado, como para representar essa depressão do protagonista, que encontra na bebida o único consolo nessa sua solidão. E Antal Steinbach, diretor de fotografia do longa, nos entrega quadros verdadeiramente hipnóticos, com um trabalho de iluminação que soa natural, até o momento que a narrativa pede que não seja – ele brinca com o conceito da luz teatral, colocando em foco personagens em determinados momentos. A decupagem ainda faz um ótimo trabalho ao ocultar o restante do White Horse, é criada uma atmosfera enigmática e somente temos dimensão do que está à volta dos personagens centrais quando a narrativa assim o pede.

Dominion é um daqueles filmes que nos deixa completamente apaixonados por ele, uma obra cinematográfica com identidade, tanto textual quanto imagética, que nos imerge completamente nessa trajetória vertiginosa de Dylan Thomas. Certamente um dos melhores filmes do ano, que permanecerá gravado em nossas memórias, tão quanto a poesia do autor.

Dominion — EUA, 2016
Direção:
 Steven Bernstein
Roteiro: Steven Bernstein
Elenco: Rhys Ifans, Rodrigo Santoro, John Malkovich, Romola Garai, Zosia Mamet, Tony Hale
Duração: 101 min.

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