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Crítica | Doutor Estranho (Trilha Sonora Original)

por Guilherme Coral
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estrelas 5,0

  • Leiam nossa crítica do filme sem spoilers aqui e com spoilers bem aqui.
  • A trilha já está disponível em aplicativos como o Spotify.

Foi-se o tempo nos quais os filmes de super-herói contavam com uma melodia emblemática, um leit-motif que permanecia conosco após o término da projeção, que nos fazia cantarolar por dias e dias depois de termos assistido a obra. A verdade é que isso tem se apagado consideravelmente nos longa-metragens atuais e são raros os casos nos quais a música tema permanece tão icônica quanto o próprio filme. Façamos um teste: cantarole alguma música de Capitão América: Guerra Civil ou Batman vs. Superman. Conseguiu? Muito provavelmente não. Agora pense em O Império Contra-Ataca, Indiana Jones, Batman (do Tim Burton). Imagino que a melodia tenha vindo direto à cabeça, não? Eis o problema das trilhas sonoras atuais.

Não que alguns casos não fujam à regra – Star Trek, do próprio Michael Giacchino nos entrega um excelente tema, que permanece o mesmo em todos os filmes do reboot – algo facilmente “cantarolável” e que ainda cumpre sua função narrativa. Isso quer dizer que as trilhas atuais, em sua maioria, são ruins? Não, elas cumprem sua função dentro de um longa-metragem, contribuem para o tom de cada cena, mas, sejamos honestos, você compraria um CD de uma dessas trilhas? São músicas que simplesmente não existem fora do filme à que estão intrinsecamente ligadas; não é uma Imperial March, que até hoje se faz presente em dezenas de subprodutos de Star Wars e é reorquestrada centenas de vezes a cada ano, ganhando diferentes versões por fãs, seja a banda de garagem que adapta o tema para a guitarra, o baixo e a bateria ou bandas já estabelecidas como Epica.

A trilha de Doutor Estranho, contudo, já começou parecendo querer fugir à regra. A primeira música liberada na internet, Master of the Mystic, que é tocada nos créditos finais, soa totalmente diferente de tudo que estamos acostumados, até mesmo para os padrões das trilhas sonoras clássicas de John Williams ou Danny Elfman. Giacchino, nessa faixa, que demarca o tema do longa-metragem, faz uma mistura do rock psicodélico dos anos 60/70 com o barroco. É como se Bach tivesse se juntado com Pink Floyd (uma das bandas preferidas do diretor Scott Derrickson) e criaram juntos uma música, uma fusão inusitada entre o cravo e a guitarra.

E, por falar em cravo, Giacchino faz uma brincadeira com uma das fases da história da música na qual o instrumento ganha maior destaque e nos traz a faixa Go for Baroque, uma melodia que perfeitamente retrata a ancestralidade da magia retratada na obra. É um tom puramente místico, uma variação do tema principal do longa, que parece nos jogar direto em um jogo de Castlevania. Abaixo vocês podem conferir uma das melodias da talentosa Michiru Yamane – comparem com a música de Giacchino e me digam se não parecem fazer parte da mesma obra.

O tema principal de Doutor Estranho também pode ser escutado em outras variações em faixas como Ancient Sorcerer’s Secret e Strange Days Ahead, que utiliza um tom mais contemporâneo a que estamos acostumados, a fim de garantir uma atmosfera mais épica, que se encaixa perfeitamente com o que vemos em tela. Se não se lembram das cenas nas quais essa variação aparece, basta recordar de Strange flutuando pela primeira vez no primeiro combate contra Kaecilius. Aqui o compositor faz um uso evidente de um coro acompanhando instrumentos de sopro e corda. O cravo ainda está presente, mas sutilmente, o foco vai para os instrumentos metálicos, que evocam a grandiosidade da magia presente na tela e não o seu hermetismo.

Essa é a linguagem que se mantém na maioria das músicas. As vozes, em geral, aparecem em tom dramático e estão presentes nos momentos que visam nos impressionar, seja a distorção espacial através da magia ou na manipulação do tempo através do Olho de Agamotto. As cordas são uma constante e o tom psicodélico presente na música dos créditos reaparece mais de uma vez, de forma mais contida, dialogando com a atmosfera do que é mostrado na tela e acrescentando algo a mais. A exceção é A Long Strange Trip, que evoca toda a loucura da viagem astral de Strange logo quando ele chega em Kamar-Taj. Estamos diante aqui de uma obra audiovisual por excelência, que se sustenta tão fortemente no som quanto na imagem.

Giachinno cria um ponto fora da reta através de The Hands Dealt, ele foge do Barroco e cai direto no Romantismo através de uma sonata que nos remete imediatamente à Sonata ao Luar, de Beethoven, como já fora dito na crítica com spoilers do filme. O piano é o foco aqui, acompanhado por sutis cordas e instrumentos da família dos metais, que ganham mais espaço conforme chegamos ao fim da faixa, demonstrando uma coesão em seu trabalho, que diminui o som do piano a fim de dar espaço para as músicas posteriores.

A trilha de Doutor Estranho, enfim, consegue fugir da mesmice presente na grande maioria das produções atuais do gênero. Temos aqui uma obra que não apenas ajuda a fortalecer o tom de determinada cena e sim músicas que acrescentam algo a mais a cada sequência, se tornando tão importantes quanto a imagem dentro do longa-metragem. Com uma música tema facilmente “cantarolável”, Giacchino nos entrega um destaque dentre as trilhas de filmes de super-heróis, com melodias ousadas, estranhas (eu não poderia deixar de falar isso) e com identidade própria. Esse sim é um disco que compraríamos.

Doctor Strange (Original Motion Picture Soundtrack)
Composto e conduzido por Michael Giacchino
Gravadora: Hollywood Records
Estilo: Trilha Sonora
Ano: 2016

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