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Crítica | Dr. Fantástico

por Rafael W. Oliveira
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Stanley Kubrick não é tido como um dos melhores diretores do cinema à toa. Ambicioso e megalomaníaco como era, uma das principais metas do diretor era trazer, para cada gênero, a sua obra-prima definitiva. Um objetivo insano? Certamente que sim, mas a eterna busca pela perfeição de Kubrick em seus filmes o levou a obter êxito em quase todas as suas empreitadas. Neste caso, Dr. Fantástico é a contribuição do diretor para o gênero da comédia, o que não deixa de ser uma surpresa, visto que Kubrick já era visto como um sujeito mal-humorado e moralmente repulsivo por todos com quem trabalhava, ou seja, fazer rir estava bem longe de ser o forte do diretor.

Inicialmente, Dr. Fantástico seria um drama político sobre a Guerra Fria, mas ao se deparar com os absurdos do livro de Peter George (no qual o longa é baseado), Kubrick viu a oportunidade de trazer uma visão diferenciada ao tratar um tema pesado e intimista com uma extensa dose de sátira. Mas ao contrário de O Grande Ditador, onde Charles Chaplin trouxe seu humor singular para um tema forte como o nazismo, o humor de Kubrick é ainda mais ácido e caricatural, no objetivo de expor a ridícula premissa de algo como a Guerra Fria, onde duas superpotências se armam até os ossos para manter a paz.

“Senhores, não briguem, aqui é a Sala de Guerra!”

Mesmo sendo o gênio que era, Kubrick jamais teria obtido tal êxito em Dr. Fantástico sem a presença de uma figura carimbada do gênero, o inigualável Peter Sellers, que aqui interpretada nada menos que três personagens, todos extremamente distintos entre si. Kubrick também contou com a presença do lendário George C. Scott, que mais tarde viria a afirmar que a melhor performance de sua vida seria aquela vista em Dr. Fantástico.

De maneira inteligente e criativa, Kubrick e seu co-roteirista Terry Southern criam uma trama de ficção através de fatos e boatos que circulavam na época: o general Jack D. Ripper (Sterling Hayden) ordena um ataque não autorizado a União Soviética após sua certeza de que os comunistas estariam envenenando a água potável de todo o mundo. O capitão Mandrake (Sellers) tenta impedir o ataque, mas sem sucesso. Quando o real problema é descoberto, o presidente dos EUA Merkin Mufflin (Sellers mais uma vez) reúne o Conselho de Guerra e descobre que não há como impedir o ataque, uma vez que a bomba está no ar e se encontra incomunicável.

Dr. Fantástico nos traz um grande número de sequências e diálogos emblemáticos, onde o Kubrick carrega o filme de uma ironia fina e sutil, mas também agressiva e voraz, o que talvez explique o desgosto de alguns que esperavam uma comédia feita unicamente de risadas grosseiras. Dr. Fantástico não faz rir o tempo todo, mas poucos filmes conseguiram ser tão sarcásticos quanto este, sem deixar que as risadas fizessem com que o espectador esquecesse do real objetivo do diretor: expor os absurdos de um fato histórico que marcou a história dos EUA.

Com seu elenco, o filme apenas ganhar em charme e interesse. Peter Sellers tem aqui um dos momentos mais geniais de sua carreira, onde sua interpretação tripla expõe o quão talentoso o ator era. Sua performance como o personagem-título, um sujeito de óculos escuros, sorriso maníaco e cuja mão direita que tem vida própria insiste em fazer saudações nazistas é, em especial, um dos grandes momentos que o gênero da comédia já teve. É humor negro de primeira linha.

Obviamente, Dr. Fantástico desagradou e ofendeu a diversos espectadores puritanos na época de seu lançamento, e mesmo hoje o filme ainda funciona como uma cutucada na ferida daqueles envolvidos na Guerra Fria. Ainda assim, o filme ainda é considerado uma das realizações mais emblemáticas de seu gênero e uma das grandes obras-primas do mestre Stanley Kubrick.

Dr. Fantástico (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, Reino Unido, 1964)
Roteiro: Stanley Kubrick e Terry Southern, baseado em livro de Peter George
Direção: Stanley Kubrick
Elenco: Peter Sellers, George C. Scott, Slim Pickens, Sterling Hayden, Keenan Wynn, James Earl Jones
Duração: 93 min.

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