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Crítica | Duas Garotas Românticas

por Rafael W. Oliveira
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A história do “gênero” (ou seria forma?) musical nos diz que, após seu surgimento inovativo no final da era do cinema mudo, seriam os anos 50 e 60 a grande época dourada deste gênero que tomou força após o período da Segunda Guerra Mundial, onde até mesmo sua proposta de transportar o espectador para uma realidade impossível. e ao mesmo tempo palpável, se tornou quase um ato político e social. Os musicais existiam para, sendo mais humanista, encher o coração do público de alegria, satisfação e uma sensação de bem-estar em suas projeções, e parafraseando uma menção do crítico Roger Ebert (bastante citadas em textos que li sobre este filme por aí), “bons filmes nos tornam pessoas melhores”, e ao levantar novamente tal consideração tão poética, não há como não nos remeter para Jacques Demy e seu êxito mágico em Duas Garotas Românticas, intocável mesmo após exatos 50 anos de seu lançamento.

Uma extensão natural de Os Guarda-Chuvas do Amor, Duas Garotas Românticas se mantém firme e seguro em seu potencial de cativar graças ao sentimento que Demy abraça em cada frame de seu filme: o amor. Já indicado pelo título, as duas garotas românticas Delphine (Catherine Deneuve) e Solange (Françoise Dorléac) são irmãs gêmeas, “nascidas sob o signo de gêmeos”, que se vêem envoltas por seus sonhos sobre o parceiro ideal quando a movimentada cidade de Rochefort recebe uma quermesse, que tal qual as próprias, nos trazem personagens igualmente contagiados e ludibriados pelo sentimento do amor, o que os leva a uma série de encontros e desencontros na pequena cidade que carregam e acentuam seus desejos pelo par amoroso, seja devido a uma pintura exposta numa galeria, seja por términos do passado motivados por razões hilárias, ou seja pela simples trocas de olhares entre dois indivíduos. Duas Garotas Românticas é sobre o amor em suas mais variadas buscas embalado pelos números musicais mais vívidos que o “gênero” já teve o prazer de conceber.

E é ainda gratificante que, mesmo com a queda da popularidade nos musicais com o passar dos anos (a relutância em investir nesta proposta em uma época cética como a nossa é lamentável), o filme de Demy ainda influencie o resgate (ou ao menos a venda dessa ideia) dessa ode ao sentimento que tão influenciou recentemente Damien Chazelle e seu La La Land – Cantando Estações, apenas para citar um exemplo, para muitos, banal. De qualquer forma, é na habilidade com que o diretor entrelaça seus personagens embalados por canções agradabilíssimas e charmosas para falar de amor que Duas Garotas Românticas nos fisga e nos leva para 120 minutos de puro prazer que, por mais previsível que seja (o culminar final dos personagens, afora um certo desvio promovido pelo roteiro, não é difícil de adivinhar), em nenhum momento deixa de ser um grande deleite. É na simplicidade que Duas Garotas Românticas se transmite e conquista.

Simplicidade esta que também é transbordada nas presenças magnéticas de Deneuve e Dorléac (esta última tendo falecido três meses após a estreia da obra), irmãs na vida real e absortas numa sintonia, seja ela na química ou na sincronia de seus movimentos, que elevam a experiência do filme para algo ainda mais prazeroso. Claro, há de ser um tanto incômodo a visão certamente machista que impera sobre as personagens (a necessidade pela busca de uma companhia masculina), mas é indispensável olhar para o filme como uma realização influenciada pelos reflexos de seu tempo, e nisso, Demy consegue transformar o desejo das duas irmãs pelo amor ideal numa jornada que também se transmite para os outros personagens, igualmente absortos nas desilusões e expectativas que a paixão traz consigo. e quão é poder ver até Gene Kelly nessa empreitada?

Assim, não foi apenas no vibrante e absolutamente atraente contraste de cores entre os figurinos e em suas músicas que completam o mundo mágico e multicolorido de Demy que Duas Garotas Românticas construiu seu status. Antes de tudo, é um filme dos mais puros sentimentos, deveras orgulhoso de sua entrega para aquilo que chamamos de amor, e ao fim de tudo, o espectador se sentirá energizado, feliz e contagiado pela alegria transmitida pelas duas garotas românticas e seus desencontros. É um filme para o espírito.

Duas Garotas Românticas (Les demoiselles de Rochefort) — França, 1967
Direção:
 Jacques Demy
Roteiro: Jacques Demy
Elenco: Catherine Deneuve, George Chakiris, Françoise Dorléac, Jacques Perrin,  Michel Piccoli, Jacques Riberolles, Grover Dale, Geneviève Thénier
Duração: 120 min.

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