Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Dylan Dog – Vol. 1: O Despertar dos Mortos-Vivos

Crítica | Dylan Dog – Vol. 1: O Despertar dos Mortos-Vivos

por Luiz Santiago
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Dylan Dog, o “Investigador” ou “Detetive do Pesadelo”, foi criado por Tiziano Sclavi e teve seu visual majoritariamente elaborado por Claudio Villa, que se baseou na imagem do ator Rupert Everett, no filme Memórias de um Espião (1984) para compor o visual final do personagem. Nomeado em referência ao poeta Dylan Thomas, o detetive estreou na Itália em outubro de 1986, com o álbum O Despertar dos Mortos-Vivos, trazendo clara inspiração nas obras de George A. Romero, especialmente no filme Despertar dos Mortos (1978), uma boa pedida para dar início ao primeiro título de terror da Sergio Bonelli Editore.

A história começa com uma sequência claustrofóbica na mansão de Sybil, onde a arte de Angelo Stano adota uma verdadeira cadência cinematográfica, com planos de detalhes no ambiente e no rosto da mulher perseguida pelo zumbi do próprio marido. Não há explicação imediata para nada. Pegamos a ação em andamento, vemos o início de seu desfecho e então paramos em um corte oportuno que dá para o início das investigações, quando Sybil resolve procurar Dylan Dog — aparentemente sem saber muito bem quem era o detetive — para cuidar do caso.

À primeira vista, a trama parece uma bagunça imensa. Saímos de uma eletrizante sequência de terror que homenageia e não deve nada a Romero (ele voltaria a ser citado na obra e até um famoso frame de Despertar dos Mortos apareceria em uma página, assim como a citação de um outro filme de terror, Um Lobisomem Americano em Londres) para uma sequência cômica na casa de Dylan Dog, com a entrada mais que triunfal de Groucho em cena. A óbvia referência ao mais ácido e espirituoso dos irmãos Marx e mesmo a dubiedade de este ser, de fato, o próprio Groucho Marx é um dos elementos mais louváveis do personagem e sua presença em toda a história é válida, não resumindo-se só às piadas mais questionáveis, niilistas e, pasme, engraçadas possíveis.

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A história já começa eletrizante…

Entre um ponto e outro, nossa percepção é a de que estamos em um ciclone de informações, ao mesmo tempo que ganhamos material para construir a personalidade de Dylan Dog, seu secretário e, ao menos como ideia, de seu Universo particular. Algumas brincadeiras referenciais aparecem também nesse aspecto, como o fato de DD tocar clarinete quando precisa pensar meticulosamente sobre alguma coisa. Há aí uma clara brincadeira com o violino de Sherlock Holmes, muito embora as semelhanças do processo investigativo entre os dois homens terminem por aí. Dylan é sério em seu trabalho, mas não tem o nível de minúcia imediata para tudo ao seu redor, como Sherlock. Ele é um excelente farejador de pistas e parece sempre absurdamente informado, mas não tem grandes explosões egoicas ao revelar detalhes daquilo que observa.

Uma das cenas onde é possível ver o roteiro desenvolver outro lado do processo investigativo do detetive do pesadelo é no momento em que ele interroga o Doutor Xabaras (anagrama de Abraxas, um dos nomes do Diabo, na versão do quadrinho). O tipo de pergunta e a forma como ele enfrenta o perigo do zumbis, seja neste momento ou mais à frente, já novamente em companhia de Groucho e Sybil, nos dá ainda mais alguns indícios de seu processo racional e habilidades de encontrar saída para situações impossíveis.

Toda a primeira metade do texto prende o leitor pela engenhosidade na mescla de horror, humor e trajetória de investigação. Cabem aí referências ao compositor Mussorgsky, à sonata para violino de Giuseppe Tartini — música favorita de Dylan Dog — chamada Trilo do Diabo (existe um bom número de teorias da conspiração e mitos sobre a composição desta sonata, todas tendo o Diabo como protagonista, vale a pena procurar e ouvir a sonata, que certamente é um desafio para qualquer violinista tocar, especialmente o terceiro movimento) e ao macabro e genial conto A Especialidade da Casa, de Stanley Ellin. O leitor acompanha ávido o desenrolar da história e jamais vê a presença dos zumbis como um empecilho para aproveitar os bons elementos de terror. Não existe nada forçado em relação ao por quê a contaminação existe — a explicação científica é mais que satisfatória — e o papel de Dylan Dog em todo o processo se engrandece à medida que o perigo aumenta e algumas coisas saem dos limites.

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Em busca de um plano perfeito.

O roteiro só encontra um verdadeiro impasse em seu andamento quando o Doutor Xabaras começa uma longa narração sobre seus planos e sua própria personalidade. Estas informações que até poderiam vir do próprio Doutor, mas não de uma maneira didática e justamente no momento em que a história caminhava para o seu clímax. Com nuances de Re-Animator (1985), mas de maneira bastante teórica, o texto nos prepara para a última perseguição que, embora traga o esperado final patético que normalmente temos com os zumbis (e vejam que quando digo isso não estou falando necessariamente de forma negativa. Entendam este “típico final patético” exatamente pela condição dessas criaturas, seu desejo e o caminho único de sua relação com os humanos), não tem a mesma força ou a mesma capacidade de engajar o leitor, posto que o desfile de clichês e caráter da perseguição deixam de ser novidade e ultrapassam um pouco a linha do exagero.

Voltando aos trilhos no momento final, temos o roteiro sendo fiel à própria matéria de investigação de Dylan Dog. Depois de passar o que passou nesta investigação, foi um grande acerto de Sclavi colocar um específico acontecimento bem no encerramento da história…

Se um leitor se impressionar demasiadamente pelo título já batido desta estreia de Dylan Dog nos quadrinhos e, por isto, torcer o nariz e deixar o volume de lado, certamente perderá uma ótima obra de terror e humor (combinação que nem sempre dá bons resultados, mas aqui segue muito bem). Não é sempre que o início de um título de HQ arrisca e acerta tanto. Este primeiro volume de Dylan Dog obviamente está entre os bons exemplos.

Dylan Dog — O Detetive do Pesadelo #1: L’alba dei Morti Viventi (Itália, outubro de 1986)
Editora original: Sergio Bonelli Editore
No Brasil: Editora Record, agosto de 1991
Roteiro: Tiziano Sclavi
Arte: Angelo Stano
Capa: Claudio Villa
100 páginas

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