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Crítica | El Gran Calavera

por Ritter Fan
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Como meu colega Luiz Santiago deixou claro em sua crítica de Gran Casino, filme anterior de Luis Buñuel, o diretor, apesar de preso pelas amarras ditadas pela necessidade de se fazer um filme comercial, conseguiu inserir elementos surrealistas suficientes para dar um ar “buñuelesco” ao seu trabalho. No entanto, a plateia não gostou muito e Gran Casino foi um relativo fracasso, o que o afastou das telas por mais dois anos, como se os 15 anos anteriores já não tivessem bastado.

Assim, a volta de Buñuel ao cinema mexicano se deu sob supervisão ainda mais estrita de sua direção, para evitar que seus maneirismos afastassem o público de seu segundo filme no país, El Gran Calavera. Escrito pelo casal Janet e Luis Alcoriza com base em peça de Adolfo Torrado, a obra é uma comédia cheia de reviravoltas envolvendo o milionário perdulário Ramiro de la Mata (Fernando Soler) e sua família sanguessuga composta por seu irmão Ladislao (Andrés Soler), sua cunhada Milagros (Maruja Grifell), seu filho Eduardo (Gustavo Rojo) e sua filha Virginia (Rosario Granados). Ramiro, com saudades de sua esposa falecida, entrega-se à bebida e não se importa mais com o trabalho ou mesmo com a família, preferindo entregar dinheiro para não se aborrecer. A coisa começa a mudar quando seu outro irmão, o médico Gregorio (Francisco Jambrina) entra em cena e resolve tomar medidas radicais para salvar o irmão: aproveitando-se de um mal súbito de Ramiro no meio da festa de noivado da filha, Gregorio convence a família toda a fingir que um ano se passou e que a empresa do irmão faliu, deixando-os na pinimba.

Quando Ramiro acorda, ele se vê em uma humilde moradia, com toda sua família trabalhando (algo absolutamente inédito!). Isso lhe faz muito mal e, não demora muito, ele decide se matar, mas é impedido por Pablo (Rubén Rojo), um jovem humilde que mora por perto. Esse encontro fortuito faz Ramiro descobrir a farsa e ele, junto com seu irmão sério, Gregorio, resolvem pregar uma peça nos familiares que não fazem nada a não ser tirar dinheiro de Ramiro.

A produção da fita é impecável, com cenários convincentes tanto para a parte “rica” quanto para a parte “pobre” da narrativa, além de fazer muito bom uso de filmagens em locações, como ruas e becos. O roteiro, escrito milimetricamente para agradar a maior demografia possível, trabalha bem as expectativas e a estrutura padrão dos filmes. Em 30 minutos toda a trama está estabelecida, nos 30 minutos seguintes ela dá uma reviravolta e se desenvolve e, nos 30 minutos finais, todas as peças vão se encaixando adequadamente da maneira que o espectador espera que se encaixem desde o comecinho. Não há invenciones. Não há nada que não seja a “história que queremos ver”. Uma produção típica de Hollywood, mas em pleno México.

Nada de errado nisso, se o diretor não fosse Buñuel. Aqueles que conhecem a obra do diretor sabem que seguir as regras está longe de ser a melhor característica dele. Afinal de contas, não se pode esperar nada padrão de quem começa a vida diretorial criando Um Cão Andaluz e A Idade do Ouro. Mas El Gran Calavera seria seu último filme “não Buñuel”.

No entanto, isso nem de longe quer dizer que a obra seja ruim. Na verdade, de seus filmes que traem sua própria formação, El Gran Calavera talvez seja o melhor. No mínimo, é o mais agradável e o mais correto, muito graças ao que o diretor consegue extrair de seus atores, com especial destaque para Fernando Soler, notadamente no primeiro terço do filme, vivendo um Ramiro completamente embriagado. A atuação é divertida e trágica ao mesmo tempo e, quando vemos que a película parte mesmo para o exagero, com situações completamente improváveis, relaxamos de vez e deixamos a narrativa nos tomar com bastante facilidade e esquecemos que estamos vendo Buñuel. Afinal de contas, se tem uma coisa que os 15 anos do diretor meio que no “exílio”, auxiliando na direção de 18 filmes espanhóis que ele se recusou a assinar, ensinou para ele foi como se despir de de si mesmo e fazer algo asséptico o suficiente para ser aceito pelas massas.

Só que Buñuel é Buñuel e, mesmo tolhido em sua criatividade, ele não deixou de inserir, aqui e ali, sequências curiosas, como a sensacional abertura em que vemos Ramiro, em uma apertada cela de prisão que divide com um sem número de “colegas”, tentando achar seu próprio pé em meio a um emaranhado de pés. E isso só para Buñuel, na tomada seguinte, nos revelar, a médio plano, que a cela, na verdade, é muito maior que acreditávamos e que os prisioneiros estavam todos juntos sem muita razão de ser. Outro momento que fica na lembrança é a tomada final, com a câmera seguindo a família De la Mata por detrás, com todos dando os braços uns para os outros. Momento estranho, típico de comédia pastelão nonsense, mas que funciona para lembrar aos mais atentos que o diretor não é tão bobo quanto parece.

El Gran Calavera é divertimento garantido, ainda que divertimento não seja aquilo que costumeiramente lembremos ou esperemos quando Luis Buñuel vem à mente. Mas ele não vai nos deixar esquecer disso já em seu próximo filme…

  • Crítica originalmente publicada em 18 de março de 2013. Revisada para republicação em 21/03/2020, em comemoração aos 120 anos de nascimento do diretor e da elaboração da versão definitiva de seu Especial aqui no Plano Crítico.

El Gran Calavera (Idem, México – 1949)
Direção: Luis Buñuel
Roteiro: Janet Alcoriza, Luis Alcoriza (com base em peça de Adolfo Torrado)
Elenco: Fernando Soler, Andrés Soler, Maruja Grifell, Gustavo Rojo, Rosario Granados, Francisco Jambrina, Rubén Rojo
Duração: 92 min.

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