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Crítica | Estranhos Prazeres

por Guilherme Coral
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O cyberpunk, nascido nos anos 1980, surgiu já em sua época de ouro, que durou até o fim dos anos 1990, nos proporcionando filmes como Blade RunnerAkiraGhost in the Shell Matrix. Esse tão característico estilo, que marca não somente o aspecto visual das obras, como suas próprias narrativa, pode ser enxergado como um precursor do relativo pessimismo que encontraríamos na ficção atual, em específico nas muitas distopias que surgiram a partir do sucesso de Jogos Vorazes. O subgênero, contudo, como o seu nome já sugere, nos traz distopias abaladas ou definidas pela tecnologia, com cidades sujas, marcadas pela desigualdade social, trazendo, em geral, um protagonista marginalizado. Dito isso, é seguro afirmar que, considerando seus primeiros filmes, Kathryn Bigelow estava em seu próprio território quando dirigiu Estranhos Prazeres.

Aqueles que assistiram Black Mirror, especificamente o episódio The Entire History of You, sentirão uma estranha familiaridade com esse quinto longa-metragem da diretora. Somos apresentados à uma Los Angeles distópica no fim do milênio passado. Nessa cidade suja e violenta, encontramos Lenny Nero (Ralph Fiennes), um ex-policial que agora ganha a vida vendendo pequenos discos contendo experiências específicas de determinadas pessoas, possibilitando que terceiros, através de uma espécie de dispositivo de realidade virtual, possam presenciar esses momentos tão distantes de suas próprias vidas – não apenas assistindo, como sentindo cada aspecto desses pequenos trechos. O que Lenny não esperava é que um psicopata acabaria matando uma das prostitutas que vendia tais experiências, “gravando” a morte da garota, a colocando em um disco próprio, que acaba chegando nas mãos do ex-policial. Junto de sua amiga, Mace (Angela Bassett), Lenny inicia sua investigação, sabendo do risco que ele próprio corre.

A premissa criada por James Cameron certamente já é capaz de nos cativar logo nos minutos iniciais do filme. Mesmo tendo sido filmado há mais de vinte anos, Estranhos Prazeres se mantém perfeitamente atual, especialmente com o, cada vez maior, surgimento de tecnologias de realidade virtual. Claro que estamos falando de um passo além do simples VR, mas não há como não traçar paralelos perturbadores com o que vemos nos dias de hoje. Assim como na já citada série, Black Mirror, o que vemos aqui é o lado negro da tecnologia, que reflete a própria malícia do homem, capaz de subverter qualquer coisa, transformando uma fonte de prazer sensorial em pura violência.

O grande problema do roteiro de Cameron e Jay Cocks é que praticamente toda a novidade da obra já se esgota nos primeiros quarenta minutos, antes mesmo da metade da projeção. É construído uma extensa e lenta introdução, capaz de nos envolver, mas sem mergulhar na problemática central, apenas pontuando aqui e lá o que aconteceria em breve. Nisso, o roteiro esgota muito da sua primária fonte capaz de manter nosso interesse, além de, é claro, dilatar, desnecessariamente, a narrativa da obra, tornando-a grande e cansativa demais, especialmente levando em conta que não temos mais nada de novo para ver. Com o universo completamente apresentado e desenvolvido caímos na velha trama policial, quando facilmente o texto poderia trabalhar esses dois aspectos em conjunto e não burocraticamente um após o outro.

Felizmente, enquanto o roteiro demonstra-se hesitante, não confiando como deveria em seu espectador, Kathryn Bigelow sabe minimizar os tropeços do texto. Trabalhando majoritariamente com planos mais fechados, ela cria uma forte sensação de claustrofobia no espectador, algo intensificado pela noite constante, ocasionalmente iluminada por luzes neon. As sequências em primeira-pessoa expandem tal questão, ao passo que nos sentimos presos em um outro corpo, como se nós próprios estivéssemos utilizando o aparelho de realidade virtual. A caracterização das ruas caóticas desse universo distópico, contudo, não fazem dessa “viagem” algo fascinante e sim perturbador, revelando plenamente a decadência daquela sociedade, que dialoga com a própria marginalização do protagonista.

Aliás, não há como observar a fotografia da obra sem, automaticamente, pensarmos nos filmes noir, que tanto inspiraram o subgênero em questão. Naturalmente que a trama detetivesca, estabelecida a partir de certo ponto no filme, contribui para essa percepção, mas a fotografia escurecida e as fumaças na rua diretamente constroem essa atmosfera. É seguro dizer, portanto, que Estranhos Prazeres funciona muito melhor pela sua atmosfera e visual do que pelo roteiro em si, que demonstra grande burocracia em sua estrutura narrativa.

Dito isso, o resultado dessa obra ainda é, em geral, positivo, nos fisgando de imediato e tendo certos problemas para nos manter atentos ao longo da projeção. Se todos os envolvidos na produção acertassem tanto quanto Bigelow na direção, então teríamos um filme muito melhor. De qualquer forma, é um bom exemplar do cyberpunk, mesmo que esteja bem abaixo das melhores obras do subgênero.

Estranhos Prazeres (Strange Days) — EUA, 1995
Direção:
 Kathryn Bigelow
Roteiro: James Cameron, Jay Cocks
Elenco: Ralph Fiennes, Angela Bassett,  Juliette Lewis, Tom Sizemore,  Michael Wincott, Vincent D’Onofrio, Glenn Plummer, Richard Edson
Duração: 145 min.

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