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Crítica | Fabulosa X-Force: A Solução Apocalíptica

por Giba Hoffmann
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Contém spoilers. Confira mais quadrinhos de X-Men aqui.

No mundo dos quadrinhos mutantes, mesmo antes dos tempos de relaunches anuais, não era incomum que, após o encerramento de uma série ou fase bem-sucedida e inovadora (combinação infelizmente rara), sucedesse-se a tentativa de dar continuidade a determinada “pegada” com uma nova equipe criativa. Os resultados normalmente não obtiveram muito sucesso: Exilados sem Judd WinickSurpreendentes X-Men sem Joss WhedonWolverine e os X-Men sem Jason Aaron – todos exemplos de séries de sucesso e destaque que foram em frente após a saída de seus criadores, apenas para se verem sem sua fagulha criativa original.

Nesse sentido, Fabulosa X-Force vinha com a difícil missão de suceder a fase bem recebida de Craig Kyle e Christopher Yost, que desenterraram o título e conseguiram a façanha de associar as palavras “X-Force” e “boa escrita”, de modo que puderam coexistir na mesma frase pela primeira vez desde sua criação no ano de mil novecentos e noventa bolsos no meu peitoral musculoso. Contrariando todas as previsões, o que a dupla Rick Remender e Jerome Opena conseguiram atingir já desde sua estreia não apenas manteve o nível de escrita dos melhores momentos da run anterior, mas conseguiu espaço para inovar em aspectos narrativos e visuais ao ponto em que talvez seja essa, afinal de contas, a fase definitiva da X-Force nos quadrinhos até hoje (OK, a concorrência não é tão acirrada assim!).

Reunindo uma equipe curiosa de personalidades díspares, temos aqui uma nova formação do time de extermínio que passa da tutela firme de Scott Summers para um Logan desacreditado e pessimista, em parceria com Warren. É bem interessante a forma como vemos Wolverine e Anjo herdando o projeto de Ciclope e operando por conta própria. Antes utilizados por suas habilidades e confiabilidade e relutantemente aceitando as missões de assassinato ordenadas pelo autoproclamado líder da espécie mutante, agora eles tomam para suas próprias mãos a tarefa de seguir com o ingrato trabalho, o que funda uma dinâmica ainda mais interessante do que a que o time tinha anteriormente.

O clima pessimista da empreitada é resumido perfeitamente pelo fato de que sua base de operações é um galpão criado pelo Anjo para ser um tipo de cápsula do tempo ou memorial da equipe, em um eventual futuro pós-extermínio da espécie mutante. Por entre um museu de trajes clássicos, fotos e hologramas contando a história dos X-Men, vemos os heróis se reunirem clandestinamente para planejar ações que vão contra tudo aquilo que as figuras ali representadas defendiam. Esse é o tipo de ideia que o roteiro consegue inserir de forma sucinta e com precisão, enriquecendo e construindo o status quo da nova equipe sem muitos rodeios e de forma surpreendentemente orgânica.

Fazem parte da equipe ainda Psylocke, que sabia a respeito da antiga X-Force e agora está ali para ajudar Warren a lidar com seu lado Arcanjo, o glamoroso ladrão Fantomex e o mercenário tagarela Deadpool. Com os dois últimos roubando a cena, vemos ao longo do desenvolvimento do arco que a escolha do elenco não teve nada de aleatório. Cada personagem tem suas motivações e reações aos acontecimentos da trama bem explorados, em meio à criação de quatro novos vilões, longas e empolgantes cenas de ação e um dilema ético como cereja do bolo – e tudo isso em apenas quatro edições!

Temos aqui um Deadpool escrito com rara inspiração: balanceando o conhecido humor nonsense (com direito às tradicionais quebras de quarta parede e trocadilhos nível piadas do Louro José manchando levemente cenas fodásticas de ação), a vocação para cenas de ação badass e os lados mais frágeis da personalidade de Wade, esse primeiro arco deve surpreender o leitor descrente com a participação do mercenário tagarela num contexto de equipe. Remender consegue inserir as piadas textuais em momentos-chave com muita precisão, resultando em um humor situacional que muitas vezes soa mais forçado nos próprios títulos focados no mercenário do que aqui.

O benefício se estende também ao fato de que, ao contrário do que costuma acontecer usualmente nas histórias focadas no personagem, sua escrita aqui é comedida e ele não é tão espaçoso quanto estamos acostumados a vê-lo – ao ponto em que, na sequência final, o leitor pode ficar curioso a respeito do que Deadpool está pensando da coisa toda, já que ele se expressa apenas pelos desenhos fantásticos de Opena. Ao mesmo tempo, em nenhuma passagem importante da trama o personagem fica relegado a papel de parede – é Wade Wilson que está ali, identificável mesmo quando não está cobrindo a página com seus balõezinhos amarelos. Veja bem – este quadrinho me fez querer que Deadpool falasse um pouquinho mais. Que tipo de tecnologia celestial é essa!?

Por sua vez, o resgate da galhofeira criação de Grant Morrison, Fantomex, cumpre o papel interessante de inserir na narrativa os elementos do personagem que inicialmente foram concebidos num contexto de auto-sátira e levá-los a sério e ao extremo, para o benefício do personagem e de toda a trama. Nesse sentido, o roteiro se inspira em grande parte na abordagem morrisoniana, em especial nos termos de gênero e tonalidade da história, que se aproxima muito mais de uma ficção científica do que de uma trama super-heroica propriamente dita.

Grande parte do desenvolvimento da trama ocorre em volta das habilidades absurdas de Fantomex: EVA – seu sistema nervoso externo, autônomo e senciente que também serve de nave espacial – e seu confuso poder de engano são muito bem explorados aqui. Ao invés de um ataque à base dos Purificadores, a missão de estreia da equipe envolve se enfiar em trajes espaciais e partir rumo à Lua dentro de uma nave que é parte do corpo de Fantomex, para enfrentar inimigos… bem mais inusitados!

Os Cavaleiros Definitivos são simplesmente sensacionais. Se no restante da história Remender se preocupa em construir em cima de referências e recompensar o leitor mais ávido pelos detalhes da cronologia mutante, a criação da mais nova iteração dos Cavaleiros do Apocalipse é onde ele consegue dar seus pulos e entregar suas contribuições mais autorais. Indo contra as expectativas da fórmula já mais do que batida de converter personagens já conhecidos em formas distorcidas a serviço das finalidades apocalípticas da Fome, Morte, Peste e Guerra, temos aqui quatro figuras idiossincráticas sendo apresentadas como as versões definitivas desses arautos. Arquétipos de diferentes épocas e locais: um minotauro grego (bônus: filho mutante de Sócrates!), uma gueixa de Edo, um mago persa e um baterista de batalha da guerra civil americana. Escolhas absurdas que não tinham nenhum direito de funcionar tão bem quanto funcionam!

O papel do detalhismo e estilo do traço de Jerome Opena  em realizar esses conceitos não tem como ser superestimado. Tanto nas cenas da intensa batalha na lua quanto nas rápidas recontagens das origens de cada um, a coisa simplesmente cativa e funciona. Confiante no poder da arte, o roteiro de Remender consegue se manter sucinto, com soluções elegantes como a de dedicar uma página para cada um dos flashbacks dos vilões, e um bom espaçamento entre as narrativas internas via caption box ao longo das intensas cenas de batalha.

Após cenas de luta intensas e marcantes, encontramos tempo ainda para um dilema ético interessantíssimo, que traz um novo twist na premissa da X-Force de serem “heróis que matam”, se aproveitando muito bem dos lugares-comuns da clonagem e ressurreição de vilões no universo mutante para se estabelecer de forma orgânica. Trata-se, é claro, da revelação de que o Clã Akkaba reviveu Apocalipse – como um infante En Sabah Nur que nada sabe sobre os desenvolvimentos daquele que lhe serviu de molde. A solução definitiva aqui não envolve mais assassinar um William Stryker da vida, mas sim uma criança para todos os efeitos inocente.

É notável como a narrativa vai nos dando pistas e mostrando a arrepiante realidade do jovem infante, que vai sendo educado por Ozymandias e pela Nave (em uma adorável versão “professorinha que dá reguada na sua mão se você errar o ditado”!) nas crenças radicais de sua versão original, como que recebendo uma herança dessa versão de si mesmo a qual ele próprio não faz ideia do que signifique. Paralelamente, vemos o quão torturante é para Warren trazer consigo sequer um resquício do ódio que o antigo Apocalipse lhe conferiu em sua transformação em Morte, e o quanto ele luta para se libertar desse legado de violência cega, mesmo com a ajuda de Betsy.

Assim, no encontro entre um Warren que vai perdendo espaço para a personalidade de Arcanjo com a jovem criança que grita por socorro já que os “mutantes maus” vieram atacá-la, temos a fórmula para uma bela sequência dramática. Enquanto que a X-Force já ultrapassou de longa data o dilema moral clássico do super-herói entre matar ou não matar em situações extremas, aqui as apostas aumentam no sentido em que o que está em jogo é o dilema clássico do “Hitler bebê”, familiar aos espectadores de Genesis of The Daleks The Magician’s Apprentice. É justo sacrificar a criança inocente para eliminar o genocida que existe apenas em potencial?

Que a sequência final tome a forma de uma situação dramática típica de Doctor Who é mais uma confirmação dos bons frutos que o arco colhe em investir em uma inventiva abordagem sci-fi para os mutunas, escolha que em termos de narrativa e tonalidade sempre me parece uma boa aposta. O roteiro segue um ritmo impecável, demorando-se o tempo exato nas cenas de luta e encerrando o arco de forma chocante e repentina. Após o tiro de Fantomex, nenhum dos personagens exceto ele declaram uma só palavra, os visuais ficando encarregados de nos mostrar o misto de emoções extremas do desfecho dramático. É certo que a empreitada não seria a mesma sem a arte fantástica de Opena, cuja arte-finalização maestral recebe as cores de Dean White. Trata-se de um desses quadrinhos em que roteiro e arte trabalham em perfeita sintonia, e o resultado é um pequeno clássico para a biblioteca dos mutantes.

A Solução Apocalíptica utiliza-se do misto entre a rica cronologia mutante e ideias novas para entregar um arco sucinto e impactante, ideal para a abertura de uma série. Trazendo um cast notável de personagens, a narrativa se sente à vontade de cara para utilizá-los de uma forma um pouco diferente do que se poderia imaginar, mantendo sempre a sensação de mistério e de possibilidades imprevisíveis de desenvolvimento. Frustrar expectativas não é nada difícil, mas frustrá-las apresentando algo realmente marcante e inventivo no lugar é um verdadeiro desafio que, por sorte, esse arco de estreia consegue encarar muito bem.

Uncanny X-Force v1 #1 a 4 (EUA, Dezembro de 2010  Março de 2011)
Publicação no Brasil: X-Men Extra #119 a 121 (Ed. Panini, Novembro de 2011 a Janeiro de 2012)
Roteiro: Rick Remender
Arte: Jerome Opena, Dean White
Capa: Esad Ribic
Editora: Marvel Comics
Editoria: Axel Alonso
Páginas: 100

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