Home TVEpisódio Crítica | Fargo 1X01: The Crocodile’s Dilemma

Crítica | Fargo 1X01: The Crocodile’s Dilemma

por Ritter Fan
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Fargo 1X01 im des

estrelas 5

Leia a crítica da 1ª temporada completa: Fargo – 1ª Temporada.

O improvável aconteceu: Fargo, o sucesso cult de 1996 dos irmãos Coen foi transformado em série de TV. Mas não é só, pois algo ainda mais improvável aconteceu em seguida: a julgar pelo primeiro episódio – The Crocodile’s Dilemma – estamos diante de uma das mais incríveis séries de 2014. Cedo demais para afirmar algo assim? Talvez. Mas o resto da série, de apenas 10 partes, terá que cair muito – muito mesmo – de qualidade para afetar essa magnífica abertura.

E não pensem vocês que Fargo (a série) é uma adaptação direta de Fargo (o filme). Nada disso. A série, capitaneada pelo showrunner Noah Hawley (Bones) com a benção dos próprios Joel e Ethan Coen, que figuram como produtores executivos, é uma antologia na linha de True Detective, ou seja, uma narrativa finita de uma temporada que será completamente alterada (inclusive os atores) na segunda e tem no filme apenas sua inspiração. Bem, talvez um pouquinho mais do que apenas a inspiração. A série é, espiritualmente, Fargo na TV, mas ela é tão semelhante quanto diferente do marcante filme dos Coen. Compliquei?

Então deixe-me explicar. Aliás, explicar apenas não, exemplificar. Basta ver a abertura do episódio, que mimetiza exatamente a do filme, inclusive com os famosos dizeres na linha de que “é baseada em fatos reais, mas que nomes foram alterados, mas o resto foi mantido em respeito aos mortos”. Além disso, vemos uma estrada gelada, no meio do nada e um automóvel dirigido por um silencioso e carrancudo homem. Há barulho humano vindo do porta malas e, de repente, animais atravessam a estrada fazendo com que o motorista perca o controle. O homem do porta malas, apenas de roupa de baixo, consegue escapar, mas o motorista parece mais preocupado com o cervo que ele inevitavelmente atingiu. Em outras palavras, em apenas poucos minutos, Hawley, que escreveu o roteiro, nos passa exatamente a atmosfera da obra dos Coen, ao mesmo tempo introduzindo elementos suficientes para fazer de sua série algo distinto. É como se estivéssemos no “universo de Fargo”, mas tratando de uma outra parte dele, uma parte suspeitamente parecida em termos de ambientação, mas diferente em termos de personagens.

Mas, mesmo nas diferenças, vemos similaridades que são bem vindas. Não demora e somos apresentados a Lester Nygaard (Martin Freeman fazendo o equivalente de Jerry Lundegaard, vivido por William H. Macy, no filme original), um vendedor de seguros pacato, submisso e resignado com o que ele é: um homem cujas eventuais ambições do passado foram soterradas pelas circunstâncias da vida. Ele tem que lidar com sua esposa que exige sempre mais dele e o compara, sem misericórdia, com seu irmão bem-sucedido. Além disso, Lester ainda sofre nas mãos do valentão de sua ex-escola, que o usa como uma espécie de treinamento para seus filhos igualmente repugnantes. Lester está no inferno.

E o que falta no inferno gelado e desolado de Bemidji, Minnesota, a cidadezinha onde mora? O diabo, claro. E ele entra na figura de Lorne Malvo, o personagem de Billy Bob Thornton que descrevi mais acima. Os dois se conhecem no hospital – Lester para resolver a pancada no nariz resultante de sua “conversa” com o valentão e Lorne para tratar da ferida na testa resultante do acidente de carro – e, não demora nada, em uma conversa incrivelmente cativante e surreal, um pacto é celebrado. Lorne é como aquele diabinho dos desenhos animados que fica no ombro do personagem principal, levando-o a fazer coisas que normalmente não faria. O problema é que o anjinho de Lester, que deveria estar no outro ombro, não tem voz ou talvez tenha sido soterrado pela neve que transformou a vida de Lester no pequeno inferno que é.

Assim, a partir desse momento crucial, The Crocodile’s Dilemma mostra sua verdadeira face e vemos uma onda de violência sendo deflagrada por Lorne e, depois, Lester. Por alguns minutos, depois de tudo que acontece, fica a impressão que a série não tem mais para onde ir. Afinal, em apenas um episódio, quase todo mundo que Hawley nos apresenta vagarosamente, saboreando cada minuto, não está mais vivo para contar história. Não esperem, porém, violência gratuita. Há muita violência e muito sangue, mas o objetivo é alcançado e que poderia ser resumido a uma pergunta:: o que é necessário para alguém se libertar da prisão de sua vida? É claro que a resposta para muitos seria mudar de profissão, de cidade, de país, mas nos confins do nada com coisa nenhuma onde Lester nasceu, estudou, mora e trabalha, não existe “outra profissão”, “outra cidade” ou “outro país”. Tudo é resumido às fronteiras nevadas de sua cidade natal que mimetizam, com muito branco e muito vazio amplificados por tomadas longas, em plano aberto, com câmera parada, provavelmente a desolação da própria mente de Lester. Lorne, por outro lado, representa não o mal, não a vilania, mas uma espécie de catarse, de libertação, de celebração à vida, por mais estranho que isso possa soar.

Martin Freeman tem, talvez, sua melhor atuação como o tímido Lester, uma mistura de Bilbo com Dr. Watson resultando em uma interpretação que arranca risos, amedronta e revolta. Seu exato oposto, mas também “mastigando” o cenário, temos o soturno Lorne, com um Billy Bob Thornton de poucas palavras, mas muitas expressões.

Não é difícil ver em Fargo (a série) a inspiração em Fargo (o filme). Fargo, apesar de ser uma cidade que realmente existe, é muito mais do que isso. É um estado de espírito, uma forma de pensar e viver. Representa o meio-oeste americano, com suas paredes altas sempre oprimindo quem tenta se rebelar ou de qualquer forma se aproximar de alguma extremidade. E é esse o mote de Fargo (a série) e ele é levado às últimas consequências já nesse primeiro e excepcional episódio. Fugir não é uma opção.

O Plano Crítico trará a crítica de toda a primeira temporada assim que ela acabar (e aqui ela está: Fargo – 1ª Temporada).

Fargo 1X01: The Crocodile’s Dilemma (EUA, 2014)
Showrunner: Noah Hawley
Direção: Adam Bernstein
Roteiro: Noah Hawley (baseado em filme de Joel e Ethan Coen)
Elenco: Billy Bob Thornton, Martin Freeman, Colin Hanks, Allison Tolman, Bob Odenkirk, Kate Walsh, Adam Goldberg, Russel Harvard, Oliver Platt, Shawn Doyle, Tom Musgrave
Duração: 72 min.

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