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Crítica | Fear the Walking Dead – 3X15 e 3X16: Things Bad Begun / Sleigh Ride

por Ritter Fan
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Things Bad Begun

Sleigh Ride

3ª Temporada

– Há spoilers. Leia, aqui, a crítica de todos os episódios da série.

Ufa! Os dois episódios finais da terceira temporada de Fear the Walking Dead vieram para confirmar que El Matadero foi só mesmo um soluço, uma única exceção para confirmar a regra de qualidade deste ano da série, o primeiro que conseguiu sair da mediocridade total e mostrar que o prelúdio de The Walking Dead pode sim funcionar se souber explorar bem seus personagens mesmo depois de trair sua premissa de contar o início da praga zumbi.

A AMC fez bem em encurtar a longa temporada de 16 episódios levando ao ar nada menos do que oito deles em formato de dobradinha, marcando o começo e fim de cada metade. E o melhor é que Dave Erickson, o showrunner que deixa a série já a partir da próxima temporada, faz questão, apesar de nomear separadamente cada capítulo, de dar um equilibrado ar de episódio alongado a eles. Things Bad Begun e Sleigh Ride, portanto, funcionam bem juntos como uma espécie de longa-metragem de encerramento de uma fase e de despedida de Erickson que, porém, continuará trabalhando para a produtora em outros projetos.

Como vimos em El Matadero, Alicia, que aparentemente não consegue ficar sozinha, arrumou uma amiga que adora manejar uma picareta, Madison, Strand, Walker (ou Taqa) e Lee (ou Crazy Dog) partiram para a represa de Lola e Daniel e Nick e Troy ficaram para trás no entreposto comercial controlado pelos Proctors. E é exatamente assim que encontramos cada um deles, só que levemente mais adiantados no tempo, com um roteiro de Jami O’Brien que, porém, não perde tempo em tramar a reunião do elenco principal, com Diana se ferindo e Alicia levando-a a um médico que, por sua vez, precisa remover um tumor das costas de Proctor John (Ray McKinnon entrando para o elenco em um papel que é curiosamente o de líder de um clube de motoqueiros, tendo ele vivido um caçador de outro clube em Sons of Anarchy), chefão local que, dentre outras coisas, quer tomar a represa e com quem Strand fizera um acordo secreto. De forma semelhante, Troy descobre os planos dos Proctors e os conta para Nick, com os dois, juntos, seguindo para avisar Madison e os demais na represa.

Mesmo tendo que aceitar um Proctor John que passa por uma operação delicada quase que sem anestesia e, ato contínuo, sai andando como se nada tivesse acontecido e com a própria entrada um tanto brusca do personagem, por mais carismático e sinistro que ele seja, em ótima atuação de McKinnon, o roteiro funciona organicamente, quase tornando o episódio anterior completamente desnecessário. Claro que teria sido melhor se o personagem tivesse ganhado sua introdução já em El Matadero, o que poderia ter emprestado alguma utilidade a ele.

Outro aspecto muito positivo do roteiro de Things Bad Begun é o fatídico diálogo entre Madison e Troy que, inteligentemente, resume os conflitos raciais que servem de pano de fundo para a temporada, ao mesmo tempo que a direção de Andrew Bernstein brinca com o relacionamento edipiano existente entre os dois, por intermédio do uso de enquadramentos e ângulos que os aproximam fisicamente mais do que seria natural e debaixo de uma luz que acalma e cria o clima necessário para o que poderia ser o primeiro beijo deles. No entanto, muito ao contrário, essa sequência magistral serve é para armar o assassinato de Troy por Maddy como a única saída possível depois que ele é forçado a contar que a horda que acabou vitimando Ofélia foi obra dele. Claro que Troy ainda era um personagem que poderia ser explorado em futuras temporadas, mas dentro da lógica do episódio e de tudo o que vimos sobre ele, especialmente depois que Madison deixou cada vez mais evidente sua natureza assassina, não havia outra escolha possível ali. Diferente da morte boba e perdida de Ofélia, a de Troy ganhou um bom grau de solenidade, especialmente por vir depois da sessão de “quase” tortura de Nick por Daniel que imediatamente fareja a personalidade distorcida de Troy e a mentira acobertadora de Nick.

Também preparando um ato extremo, vemos Strand debatendo-se sobre sua traição depois que Nick chega para contar sobre o ataque iminente da gangue de Proctor John, o que precipita os problemas e a violência que ele queria evitar. Ele sabe que precisará enfrentar Daniel, o que nunca é uma tarefa fácil, e usa Madison como suporte psicológico sem, porém, revelar seu segredo. Sem trair o personagem egoísta que Colman Domingo criou desde a primeira temporada da série, Strand mostra-se como um homem dividido agora entre o que ele quer fazer para “se garantir” e o que ele precisa fazer para salvar Madison e seus filhos, considerando a amizade que acabou sendo construída entre eles. Seu confronto com Lola e Daniel é típico de Strand: hesitante, covarde e estabanado, resultando em um momento que, lembrando muito o final de Clube da Luta, incapacita o ex-torturador (bem, não tão “ex” assim…) com um tiro que entra pelo queixo e sai pela bochecha.

Sleigh Ride, portanto, tinha a responsabilidade de lidar com a invasão de Proctor John na represa e com os destinos dos personagens principais, sem, claro, necessariamente apresentar algo fechado em si mesmo por se tratar do último episódio de uma temporada que, como de praxe, “pede” um cliffhanger. E, interessantemente, no lugar de mergulhar direto no conflito, Dave Erickson e Mark Richard introduzem sequências – inclusive a inicial – que se passam em algum lugar da mente de Madison durante uma bucólica e ao mesmo tempo sinistra véspera de Natal (daí o nome do episódio, que pode ser traduzido como “Passeio de Trenó”), a primeira quase que uma visão de futuro, com Nick e a sumida Luciana juntos e com um bebê zumbi (impossível não lembrar de Z Nation nesse momento) diante de uma lápide com o nome de Alicia e, as demais, com um macabro jantar de Natal tendo a morte de Jeremiah como foco. Esses estranhos momentos, sem dúvida alguma, dão um sabor especial ao episódio que, porém, tem seus problemas.

O primeiro deles é a mencionada conveniência de Proctor John andar como se sua operação fosse algo que tivesse acontecido há muitos anos, o que de certa forma mostra que todo o drama sobre esse aspecto no capítulo anterior foi um mero artifício para trazer Alicia para o centro da ação, o que, convenhamos, poderia ter sido feito de outra maneira. Além disso, o “impasse mexicano” no topo da represa é irritantemente resolvido por uma interferência deus ex machina de Taqa e Crazy Dog, que já haviam ido embora dali, mas que aparecem do nada e ainda por cima com um rifle com mira telescópica para ajudar Nick em sua jogada arriscadíssima. No lugar de organicamente trazer os dois personagens para a narrativa, eles entram e saem como um passe de mágica digno de um filme de Harry Potter.

Além disso, os efeitos especiais relacionados com a explosão da represa são ruins de doer. Dave Erickson tinha a obrigação de saber que o orçamento da série não comportava sequências grandiosas dessa natureza e deveria tê-las escrito de maneira que a direção de Bernstein pudesse se beneficiar de planos mais fechados, sem panorâmicas aéreas que chegam a machucar a retina, indignas até mesmo de jogos de primeira geração de Playstation. Porém, confesso que a ideia por trás da execução pobre é muito boa. A distribuição de água foi elemento mais do que debatido ao longo da temporada e a destruição da represa é perfeitamente circular com o que foi apresentado anteriormente, deixando que o curso do rio – e a vida – siga naturalmente, sem controladores se beneficiando e controlados sofrendo.

E esse final apocalíptico – ou seria diluviano? – também ajudou na separação orgânica do elenco, estabelecendo um cliffhanger extremamente aberto, em que só temos certeza total da sobrevivência de Madison. Digo “total”, pois a vemos em situação controlada e relativamente calma, mas não tenho dúvidas que todos os demais, inclusive Proctor John, estão vivinhos da silva e voltarão na próxima temporada, cada um com sua agenda. Será interessante ver como os novos showrunners Andrew Chambliss e Ian Goldberg (co-produtores e escritores de Once Upon a Time), com a produção executiva do veterano Scott M. Gimple, por sua vez showrunner de The Walking Dead desde a quarta temporada, lidarão com o novo status quo. Sinceramente, apenas espero fortemente que a velha estrutura de “grupo alegre e feliz versus gangue malvada” não se repita também na série-prelúdio, pois ela já cansou.

Depois de uma primeira e segunda temporadas não mais do que medianas em seu agregado, Fear the Walking Dead mostra que tem valor com um terceiro ano muito bom que consegue desenvolver e transformar todos os seus personagens de maneira crível, além de não ter medo de matar alguns outros que tinham protagonismo. Resta saber se a mudança no controle da série manterá a qualidade que demorou a conseguir ou se a fará reverter para tramas dignas de esquecimento.

Fear the Walking Dead – 3X15 e 3X16: Things Bad Begun / Sleigh Ride (EUA, 15 de outubro de 2017)
Criação: Robert Kirkman, Dave Erickson
Showrunner: Dave Erickson
Direção: Andrew Bernstein
Roteiro: Jami O’Brien (3X15), Dave Erickson e Mark Richard (3X16)
Elenco: Kim Dickens, Frank Dillane, Alycia Debnam-Carey, Colman Domingo, Danay García, Paul Calderón, Karen Bethzabe, Brenda Strong, Daniel Sharman, Sam Underwood, Dayton Callie, Lindsay Pulsipher, Rubén Blades, Jason Manuel Olazabal,  Jesse Borrego, Lisandra Tena, Edwina Findley, Ray McKinnon
Produtora: AMC
Disponibilização da série no Brasil (na data de publicação da presente crítica): Canal AMC
Duração: 46 min. (3X15), 43 min. (3X16)

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