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Crítica | Filhas do Desejo (1950)

por Luiz Santiago
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Mario Monicelli começou a dirigir filmes na década de 30, mas após um curta e um média-metragem, afastou-se do posto de diretor e passou a trabalhar como crítico de cinema e prolífico roteirista em dezenas de filmes, dentre eles A Culpa dos Pais (Vittorio De Sica, 1944), Em Nome da Lei (Pietro Germi, 1949) e Arroz Amargo (Giuseppe De Santis, 1949). Em 1949, o então roteirista e crítico firmou parceria com Steno e já no ano seguinte três filmes assinados pela dupla chegaram aos cinemas, Filhas do DesejoTotó Procura Casa e È arrivato il cavaliere. Mario Monicelli retomava a sua carreira de cineasta. Era o início de uma nova era para o cinema italiano.

Filhas do Desejo (estúpido título em português para o original Vida de Cão, em tradução livre) conta a história de uma singela companhia de teatro de revista que sai em turnê por algumas cidades da Itália tentando ganhar dinheiro e reconhecimento. Gerida por Nino Martoni, um bufão que comete pequenos golpes financeiros nos hotéis onde os artistas se hospedam e sempre está enrolando para pagar tudo e todos, a Companhia possui um senso de irmandade e lealdade que nos lembra a dinâmica dos grupos circenses ou qualquer companhia de espetáculos mostradas no cinema. Logo no início do filme vemos a chegada de duas novas garotas ao grupo e é a partir delas e seus problemas que a história de Filhas do Desejo se desenvolve.

O filme é uma história de amor, com foco feminino, desenvolvida nos bastidores de um grupo teatral, o que em certa medida nos lembra muito Mulheres e Luzes, de Fellini e Lattuada, lançado no mesmo ano. A comédia é supostamente o gênero principal, mas, quando se trata de Monicelli, não é possível esperar uma “comédia pura”. A tragédia tem um peso muito grande no roteiro, inclusive no destino dado aos principais personagens, algo impensável em uma “comédia normal”. Essa duplicidade de caminhos narrativos pode parecer estranha à primeira vista (já ouvi classificarem o filme como “bipolar”), mas, na verdade, ela acelera e condensa a dinâmica normal da vida, estabelecida entre tristezas e alegrias.

A fotografia do também cineasta Mario Bava procura acompanhar o ritmo do roteiro, colocando cada uma das três protagonistas femininas em um tipo de luz diferente, filmando-as diferentemente (quando isoladas) e, sempre que possível, utilizando o máximo dos elementos do cenário e figurinos para fazer com que se mostrem ou se escondam do público. É como se ele nos contasse pequenos segredos através da câmera, um tipo de abordagem reveladora que também vemos Nino Rota utilizar na trilha sonora do filme.

Mario Monicelli e Steno consegue boas performances do elenco — mesmo Marcello Mastroianni, em um pequeno papel, está ótimo –, porém o destaque absoluto vai para Aldo Fabrizi no papel de Nino. O ator consegue vestir um número inacreditável de máscaras ao longo da fita, começando com um bizarro número de abertura em um teatro até o seu emocionante (e propenso a discussões) ato ao final da obra. É o ator quem carrega as nuances de passagem entre o trágico e o cômico da narrativa, ajudado pela já citada reveladora trilha sonora de Rota.

Filhas do Desejo nos pergunta, sem rodeios, se o amor vale em qualquer circunstância ou se é preciso negá-lo para que o outro seja feliz. Alguns atos altruístas não são, de certa forma, atos orgulhosos e autoritários? Afinal, julgar e executar “o que é bom para o outro” sem levar a opinião deste outro em consideração não é uma atitude muito louvável. Essas questões ficam na tela após todas as despedidas, sucessos e partidas. A companhia de Nino Martoni segue turnê pela Itália. Mas, pelo menos nessa temporada, um pedaço do coração de seu gerente e de algumas outras pessoas ficaram perdidos no meio do caminho.

Filhas do Desejo (Vita da Cani) — Itália, 1950
Direção: Mario Monicelli, Steno
Roteiro: Sergio Amidei, Aldo Fabrizi, Ruggero Maccari, Mario Monicelli, Vittorio Nino, Novarese, Fulvio Palmieri, Steno
Elenco: Aldo Fabrizi, Gina Lollobrigida, Delia Scala, Tamara Lees, Giovanni Barrella, Bruno Corelli, Enzo Furlai, Enzo Maggio, Michele Malaspina, Marcello Mastroianni
Duração: 108 min.

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