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Crítica | Frost/Nixon

por Fernando Campos
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Em uma das primeiras aulas de jornalismo que tive, a professora de introdução do curso propôs o tema “entrevista” para ser debatido naquele dia. Após diversas explanações dos alunos, ela encerrou a conversa dizendo que na opinião dela “entrevista é como uma dança, você tem que se movimentar com o entrevistado, deve haver sincronia” (posso colocar essas aspas com segurança porque até hoje tenho anotado em meu caderno). Sempre considerei aquela professora uma das melhores que já tive na faculdade (viria a encontrá-la anos depois na cadeira de assessoria de imprensa), no entanto, nunca concordei com ela sobre o que era uma entrevista. Para mim, o encontro de repórter e entrevistado, dependendo do contexto, está mais para um debate do que uma dança, em razão de termos uma pessoa querendo extrair informações enquanto outra tenta proteger ao máximo o que sabe. Assistindo à Frost/Nixon, confesso que tive uma leve confirmação de minha opinião, uma vez que, poucas obras abordam tão bem a tensão e embate que pode ocorrer entre duas pessoas durante uma entrevista.

O longa mostra Richard Nixon (Frank Langella) três anos após renunciar à presidência dos Estados Unidos e ter permanecido em silência durante esse período. Em 1977, ele concordou em dar uma entrevista, visando esclarecer pontos obscuros do período em que esteve no governo e usá-la para uma possível volta à política. O entrevistador que fez a proposta para o ex-presidente foi o jovem entrevistador de variedades David Frost (Michael Sheen), o que fazia com que Nixon acreditasse que seria fácil dobrá-lo. Entretanto o que ocorreu foi uma grande batalha entre os dois, que resultou em um confronto assistido por 45 milhões de pessoas ao longo de quatro noites.

O diretor Ron Howard adota aqui um tom completamente documental, portanto, temos um constante uso de câmera na mão e quase nenhum plano mais elaborado esteticamente, destacando a intenção do realizador em tornar sua obra mais realista. Por isso, ele investe no uso do misancene para transmitir aquilo que quer, ao invés de apostar em um esquema visual. Além disso, a direção de arte e figurino contribuem enormemente para ambientar a época da história e criar o realismo buscado por Howard.

Como dito anteriormente, a intenção do diretor é priorizar sua história, e o roteiro, escrito por Peter Morgan, destaca com bastante sutileza a importância histórica da entrevista e como aquilo foi para a sociedade americana uma espécie de confissão. Contudo, o grande mérito do trabalho realizado pelo roteirista é levar sua história para caminhos mais íntimos, fugindo da grandiloquência que soaria desnecessária. Por isso, fica explícito no filme como aquela entrevista poderia significar a decadência ou ascensão tanto de Nixon quanto de Frost, transformando o debate entre eles em um verdadeiro confronto de interesses. Seguindo essa estratégia, o longa dá igual atenção para os dois personagens e inteligentemente não vilaniza Nixon nem alça Frost ao posto de herói, possibilitando um olhar mais intimista e imparcial sobre eles. Aliás, não é à toa que uma das primeiras aparições do ex-presidente no filme seja em uma cadeira de rodas, decisão acertada para humanizá-lo e aproximá-lo do espectador.

Além do eficiente desenvolvimento dos dois protagonistas, a obra destaca-se por sua interessante abordagem sobre o que é uma entrevista em si, mostrando o encontro entre eles como um verdadeiro embate intelectual repleto de jogos psicológicos para desestabilizar o adversário. Baseado nessa ideia, o roteiro nos presenteia com diálogos memoráveis, como as sutis provocações de Nixon, que não hesita em perguntar se o entrevistador “fornicou” na noite passada, ou o aprendizado de Frost sobre a importância da postura corporal na hora de uma conversa. Além disso, o filme ainda é hábil em mostrar o trabalho jornalístico da equipe do entrevistador, destacando as extensas pesquisas e ensaios que tiveram, além de ressaltar o que envolve a produção de um programa dessa magnitude, tornando o longa um retrato interessante sobre bastidores da mídia.

Pena que a mesma eficiência por parte do roteiro não pode ser vista no relacionamento entre Frost e Caroline, soando até desnecessário em alguns momentos; não apenas pela personagem de Rebecca Hall ter pouca importância na narrativa, como também pela maneira apressada que o filme desenvolve o romance entre eles, sem nenhuma sutileza.

Apesar desse leve problema, o nível da obra não é comprometido e ainda possui um elenco que não deixa a desejar. Michael Sheen constrói em Frost um personagem polido, com um sorriso convidativo e simpatia instantânea, no entanto, também ressalta o peso que a entrevista acarreta sobre ele, tanto financeiramente quanto psicologicamente. Contudo, é Frank Langella que rouba a cena transformando Nixon em uma pessoa surpreendentemente sábia e agradável, mas sem esconder o lado obscuro do ex-presidente através de gestos bem sutis, mas perceptíveis. Além disso, o elenco coadjuvante faz um trabalho competente e funciona muito bem como apoio para os dois protagonistas que intitulam o longa, destaque para Sam Rockwell e Kevin Bacon.

Para mim, Ron Howard sempre foi mais um carregador de piano do que um cineasta realmente criativo e autoral, como outros de sua geração. Contudo, quando o diretor (que tem sim o seu talento) acerta a mão, não podemos esperar nada abaixo de um ótimo filme, mesmo que não seja algo memorável, Frost/Nixon é a maior prova disso. Vemos aqui uma obra com roteiro afiado, boas interpretações e uma direção segura de seu realizador, que demonstra ter imensa prática com longas biográficos.

Frost/Nixon — EUA e Reino Unido, 2008
Direção: Ron Howard
Roteiro: Peter Morgan
Elenco: Frank Langella, Michael Sheen, Kevin Bacon, Oliver Platt, Sam Rockwell, Matthew Macfadyen, Rebecca Hall, Patty McCormack, Toby Jones, Andy Milder, Keith MacKechnie, Clint Howard, Rance Howard
Duração: 122 min

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