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Crítica | Garota Exemplar (Trilha Sonora Original)

por Lucas Nascimento
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estrelas 5,0

Seguindo os sucessos de A Rede Social Millennium – Os Homens que Não Amavam as Mulheres, David Fincher deu tempo no cinema e acabou trabalhando na primeira temporada da badalada House of Cards, voltando apenas para dirigir a adaptação do best seller Garota Exemplar. É mais um excelente filme que forma uma trinca maravilhosa com os dois filmes citados acima, e uma das colas que une os projetos é justamente a música de Trent Reznor e Atticus Ross.

Admito que foi duro ficar três anos sem novo material da dupla, mas a espera definitivamente valeu a pena. A inspiração chave para a perturbada saga de vingança matrimonial do filme veio de uma fonte incomum: Fincher relatou para o colega a experiência de ter ido a uma clínica quiroprática, e que a música ambiente da sala de espera era absurdamente irritante, mas se propunha a criar um clima agradável. A instrução de Fincher para a dupla foi pegar esse “conforto sinistro” e imaginar um cenário onde ele se desdobraria completamente. Uma boa metáfora para o que viria a ser a trilha aqui.

Sugar Storm é uma perfeita representação dessa desafortunada visita ao quiroprático, já que temos um piano delicado e quase angelical para traduzir a beleza de contos de fada do primeiro encontro entre Nick e Amy, marcado por uma inesperada tempestade de açúcar no beco de uma confeitaria. Começa como algo saído do New Age, mas então Reznor e Ross apostam em um staccato – basicamente, uma quebra na articulação musical – que introduz sons eletrônicos que resgatam o clima distorcido e mecânico de seus trabalhos anteriores, explicitando desde já que a relação dos dois será tão chocante quanto esse staccato

O tema principal que ouvimos em What Have We Done to Each Other? (pois é, a dupla parece ter se cansado de bolar nomes criativos para suas faixas…) é uma faixa sombria que se desenrola com suavidade, sendo provavelmente uma peça composta com orquestra ao vivo; é a primeira vez que Reznor trabalha dessa forma, mas é praticamente impossível definir todas as faixas que tiveram essa contribuição. Esta inicial provavelmente teve o auxílio de alguns instrumentos de sopro – com o famoso swarmatron da dupla -, sendo incrivelmente marcante e memorável para nos apresentar ao universo de Gillian Flynn e seus personagens nos créditos iniciais. E o fato de ela retornar em What Will We Do? nas últimas cenas é uma forma perfeita de se arramar a história.

mistério clue 1 clue 2 empty spaces

Paralelamente com o mistério e dúvida em torno do personagem de Nick, a música da dupla se converte em algo mais confortável que gradativamente vai se tornando intensa quando acompanhamos os flashbacks que expõem o ponto de vista de Amy. A própria Sugar Storm é um ponto de partida revelador, indo para a relaxante Appearances, que remete ao som dos pedais de um baixo para acompanharmos a Era de Ouro do casamento dos Dunne, o piano mais cauteloso e sóbrio de Background Noise que evidencia os primeiros problemas financeiros do casal até chegarmos na incômoda Something Disposable., onde temos um bizarro e contínuo efeito de sonoro que para mim soa muito como um objeto de metal caindo no chão, até mesmo batidas nas barras das grades de uma prisão.

Seguindo a narrativa musical de Amy, Like Home é fantástica por tentar retomar o relaxamento de Appearances, mas a harmonia na qual o swarmatron encontra-se é muito mais pesada, quase como uma tentativa frustrada; encaixando-se perfeitamente para o momento em que Amy tenta discutir a relação com Nick, resultando em uma inesperada agressão. O zunido aqui surge quase como algo hipnótico, até onírico, o que já é um indício sutil sobre a natureza de tal sequência – uma mentira inventada pela personagem.

Os Pontos de Virada

Reznor e Ross abraçam forte o experimentalismo industrial que marcou muitas fases do Nine Inch Nails com aquela que talvez seja a melhor faixa do álbum: The Way He Looks At Me. É ouvida durante o primeiro grande ponto de virada do longa, quando Nick corre para resolver a última pista deixada por Amy, ao mesmo tempo em que a polícia reúne mais evidências incriminadoras contra o desesperado marido. É uma sequência que torna-se simplesmente enloquecedora graças à excêntrica música da dupla, que parece toda feita a partir do swarmatron com os mais diferentes tipos de sons: batidas na parede, gongos de relógios, cordas de guitarra e um solitário trombone. Essa junção cria quase uma máquina industrial que parece enguiçada graças à repetição de seus acordes. É algo diferente de tudo o que ouvimos em um filme hollywoodiano, musicalmente falando.

https://www.youtube.com/watch?v=0Fp-9cgcRHE

A segunda grande reviravolta da narrativa ganha uma música igualmente marcante, mas radicalmente oposta. Quando nos enfim é revelado o destino de Amy Elliot Dunne na sensacional sequência da “cool girl”, temos a radical Technically, Missing. Nos mostra toda a inteligência e sagacidade da personagem ao trazer dois solos de guitarra abafadíssimos sob o distorcido zunido do swarmatron, contando ainda com percussões eletrônicas agitadas e outras mais delicadas; quase um resquício da Amy Exemplar que conhecemos nas histórias infantis de seus pais.

Finalmente, conhecemos a perigosa Amy Elliot Dunne. Quando vemos a nova fase musical que nos é apresentad0a durante o terceiro ato do longa, chega a ser engraçado e evidente que faixas como Like Home não passavam de uma forçada criação da mente de Amy, escondendo sua real natureza psicótica. Strange Activities resgata um pouco do elemento mecânico de The Way He Looks At Me, com a repetição de um som que se assemelha a um telefone pendurado no gancho (ideal para a sequência em que Amy acompanha Nick na televisão), enquanto A Reflection introduz o arco com Desi Collings, apostando em uma longa e silenciosa percussão do swarmatron.

Quando chegamos em Consummation, o gênio maligno de Amy é libertado com uma música estranha e perturbadora, quase um dragão bufando ou uma força eletrônica se libertando; tudo na já icônica cena do banho de sangue na cama. Também temos At Risk, logo no finalzinho do álbum, que traz de volta esses elementos.

A cada trabalho, Trent Reznor e Atticus Ross descobrem novas vibrantes e perturbadas camadas musicais para os filmes de David Fincher, que com certeza acabam mais ricos em identidade e tom. Com Garota Exemplar, foi mais um exemplo genial, e mal posso esperar para a trinca se reunir novamente…

Gone Girl: Soundtrack from the Motion Picture

Conduzido e composto por Trent Reznor e Atticus Ross
Gravadora:
Columbia
Estilo: Trilha Sonora/Dark Ambient
Ano: 2014

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